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João Grande,filho de Cobrinha Verde, ( o Júlio) ,João Pequeno, Cobrinha Verde, Canjiquinha e Waldemar no Largo do Pelourinho. |
José Gabriel Góes , o Gato , e Vermelho, o seguidor de Bimba, têm academia de capoeira; Waldemar da Paixão faz berimbaus para os barraqueiros
do Mercado Modelo vender aos turistas, e
também berimbaus especiais para os grandes capoeiras; Wasghinton Bruno da Silva
, o Canjiquinha já teve academia e hoje é um humilde funcionário da Prefeitura
de Salvador; João Oliveira dos Santos, o João Grande é lavador de carros num
posto de gasolina e nas horas vagas trabalha
tocando berimbau para um grupo folclórico dirigido pelo capoeirista chamado
Vermelho 27, ex -discípulo do mestre Pastinha; Rafael Alves França, o Cobrinha
Verde está doente e residindo em casa do seu filho Júlio, seu discípulo e
grande capoeirista , o que forçosamente o substituirá.
É bem verdade que o capoeira desde o seu surgimento foi considerado um marginal , um delinquente e a sociedade o vigiava e haviam leis penais para enquadrá-lo e puni-lo. O Código Criminal do Império do Brasil de 1830 considerava o capoeira um vadio sem profissão definida razão porque estava implicitamente enquadrado no Capítulo IV, Artigo 295, que trata dos Vadios e Mendigos. Já o Código Penal da República dos Estados Unidos do Brasil , instituído pelo Decreto Número 847 de 11 de outubro de 1890 deu-lhe tratamento específico no Capítulo XIII, intitulado : Dos Vadios e Capoeiras e estipulava prisão celular por dois a seis meses e aos chefes ( mestres) a pena seria em dobro. Houve vários conflitos entre capoeiras e autoridades ao ponto do assunto ser discutido como segurança nacional nos últimos dias do Império e quatro anos primeiros da República. Os conflitos quase obrigaram ao marechal Deodoro da Fonseca destituir seu gabinete, sendo o estopim o temido capoeira Juca Reis ( José Elísio Reis), filho do primeiro Conde de São Salvador de Matosinhos. Ele desafiou a autoridade de Joaquim Sampaio Ferraz, primeiro Chefe de Polícia da República que punia os capoeiras e o caso terminou na sessão do Conselho de Ministros. Na Bahia o Chefe de Polícia , Pedro de Azevedo Gordilho, o Pedrito, ficou famoso por perseguir o candomblé e os capoeiras . Mas , foi em 1937 que Manoel dos Reis Machado . O Bimba conseguiu registrá-la na Secretaria de Educação . Veio a ascensão quando o interventor Juracy Magalhães mandou um soldado à academia de Bimba entregar-lhe um ofício , solicitando o seu comparecimento ao Palácio. Bimba avisou a seus alunos se não retornasse era porque estava preso. Lá foi surpreendido por um convite para mostrar sua capoeira a diversas autoridades que visitavam a Bahia. De perseguida a capoeira ganhou os colégios, as praças, e hoje é uma das fortes manifestações da cultura afro-brasileira.
A RODA E O BERIMBAU
Para existência de uma roda de capoeira é preciso, antes de
tudo de um bom tocador de berimbau. O berimbau é um instrumento constituído por
uma vara de pau que pode ser de araçá, pombo, ou outra madeira qualquer que
tenha a elasticidade que permita que o mesmo seja dobrado em forma de meia lua
, pois em suas extremidades é preso um arame de aço sob tensão. A caixa de
ressonância é uma cabaça de tamanho regular e segundo o grande fabricante de
berimbaus , o mestre Waldemar da Paixão – a cabaça tem que ser fixa, além de
uma moeda de cobre, uma vareta e um caxixi. É o berimbau quem dita o jogo e a
música envolvente que sai dos vários toques e seduz os presentes. Mas, quem puxa
a ladainha é o mestre que funciona como solista , e sempre acompanhado pelo
coro de seus alunos. Além do berimbau é necessário um bom pandeiro, reco-reco e
as palmas dos presentes para o “jogo” ou a brincadeira esquentar. A cada toque
do berimbau corresponde uma modalidade
de “jogo”. Os versos não possuem métrica ou rima. São na maioria das vezes
improvisados e sempre ligados a temas que revelam suas raízes populares. A
melodia é de compasso binário e a harmonia é simples, porém envolvente.
Os capoeiristas agachados , na “cocorinha” como eles chamam,
ouvem a música atentamente e quando a ladainha termina começam a luta, e o coro
entra “É faca de matar, camarada/ É, é, é mandingueiro, camarada//É, é, galo
cantou, camarada/ É, é, cocorocó, camarada”. Os capoeiristas se benzem, com sinais
característicos do cristianismo ou do candomblé em seguida cumprimentam-se com
um aperto de mão e saem em aú
começando o “jogo”, a luta, enfim a capoeira. Os corpos negros lançam-se no ar
e no chão cada um procurando atingir o parceiro, com rasteiras, bênçãos,
martelos, cabeçadas ou rabos-de-arraia e uma infinidade de golpes que sempre são introduzidos pelos mestres da
capoeira. Os golpes são dados enquanto os capoeiristas ficam gingando o corpo
de um lado para outro . É uma parte de fundamental importância da capoeira.
MUITO FORTE
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Gato,"João Pequeno e Canjiquinha numa mesa de bar no Largo do Terreiro de Jesus falam da capoeira. |
Os dois grandes mestres já falecidos , Manuel dos Reis
Machado, o Bimba ( 1900-1973) e Vicente Ferreira Pastinha, o Pastinha (
1889-1981) discordam sobre a origem. Bimba, que não se unia com Pastinha,
defendia que a capoeira teria surgido nos engenhos do Recôncavo baiano e
Pastinha dizia que veio de Angola, daí ter denominado a capoeira que ensinava de capoeira de Angola, e Bimba
batizou a sua de capoeira Regional. A diferença básica entre as duas escolas
está nos golpes originais, pois a Regional aproveita mais o “jogo baixo” e rasteiro com mistura de outras lutas,
enquanto a Angola usa os golpes altos e floreios.
Para o etnólogo Waldeloir Rego, autor do ensaio
sócio-etnográfico “Capoeira de Angola” , “tudo leva a crer seja a capoeira uma
invenção dos angolanos que aqui chegaram”.
Existem vários golpes a saber:
Negativa - é um golpe de defesa e contra-ataque. O
capoeirista nega o corpo ao golpe do adversário, caindo para trás , com o pé,
arrasta o pé de apoio do outro derrubando-o.
Vôo morcego - consiste
em pular com os dois pés no peito do adversário derrubando-o.
Tesoura - é um
golpe desequilibrante. O capoeirista usa as pernas como se fosse uma tesoura
aberta. Ao alcançar o adversário ele fecha as pernas e dá um giro no corpo
derrubando-o.
Rasteira – um bom
capoeirista tem que saber dar boas e rápidas rasteiras.É o golpe tradicional do
desequilíbrio quando o adversário é surpreendido e cai de vez ao chão recebendo
em seguida outros golpes. O capoeirista apóia-se ao chão com as duas mãos e
arrasta o adversário.
Benção – com a
planta do pé e a perna flexionada o capoeirista atinge o peito do adversário
com força e ainda empurra-o.
Martelo – este golpe
consiste num pontapé lateral visando atingir o adversário à altura dos rins ou
no rosto. É um golpe traumatizante e dói muito quando pega de cheio.
Cabeçada – outro golpe
altamente característico da capoeira consiste em atingir o adversário com a
cabeça. Existem vários tipos de Cabeçadas, sendo a mais perigosas a escurrumelo, ensinada pelo temível
mestre Bimba, quando o capoeirista atinge o peito e o maxilar do adversário a
um só tempo.
Aú – é o movimento
de defesa , de fuga e de ataque . O capoeirista apóia as mãos no chão e gira no
ar , caindo de pé a alguns metros do adversário.
Rabo-de-arraia – é
outro golpe tradicional , aqui o capoeirista apóia as mãos e um pé no chão e
gira o corpo rapidamente com uma perna estirada indo atingir o adversário no
rosto.
Estes são os principais golpes de capoeira, mas como é uma
luta fruto do seu próprio informalismo outros golpes são sempre criados e
incorporados em cada roda de capoeira por seus respectivos mestres.
Quanto aos toques de berimbau mais famosos da capoeira
existem:
São Bento Grande –
é um toque ligeiro e alto, e o jogo é
violento.
Benguela – é um toque
lento , e o jogo é de dentro , com ginga lenta e golpes rápidos
Iúna
– é toque também lento, e o jogo baixo, lento e bastante floreado. Marca os níveis
hierárquicos dos mestres e dos alunos. Dizem que é um dos mais difíceis e Bimba
criou baseado no pássaro Iúna quando o macho corteja a fêmea.
Cavalaria – é um
toque de aviso, quando os capoeiristas eram perseguidos pela Polícia e avisavam
através deste toque a presença dos soldados.
São Bento Pequeno –
o mestre Bimba considerava o Hino da Capoeira.
Amazonas – é um toque para o jogo com facas. Muito perigoso, geralmente só os grandes capoeristas praticam.
São Bento Grande de
Angola – é um toque lento, e o jogo é lento onde predomina o floreio e
serve para demonstrações , pois os assistentes ficam embevecidos com a
agilidade dos floreios dos capoeiristas.
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O mestre Waldemar , tocando berimbau ao lado de Cobrinha Verde observam a brincadeira de dois alunos. |
Os grandes focos de capoeiristas eram Pernambuco, Rio de
Janeiro e Bahia, onde desde o seu surgimento que grandes espaços foram usados
nos jornais e revistas sobre a delinquência dos capoeiristas . Existem nomes
famosos como de Nascimento Grande registrado no livro de Odorico Tavares também
por Gilberto Amado . No Rio de Janeiro existiu o temível Manduca da Praia que,
segundo Melo de Morais “conhecido por toda a população fluminense considerado
como homem de negócio, temido como capoeira célebre, e eleitor crônico da
freguesia de São José, apenas respondeu a 27 processos por ferimentos leves e
graves , saindo absolvido em todos eles pela sua influência pessoal e dos seus
amigos”. Na Bahia, falam os antigos de Besouro de Nagé. Mais recentemente os
mestres Bimba e Pastinha, ambos falecidos. Os vivos mais importantes percorreram
locais históricos juntamente com este repórter, os locais dantes palcos de
muitas brigas e demonstrações da agilidade dos capoeiras. Estiveram no Largo do
Pelourinho , no Terreiro de Jesus, no Farol da Barra, na Ponta de Humaitá e em
bairros da periferia. Onde chegavam ,começava a roda de capoeira com os
berimbaus e pandeiros esquentando a “brincadeira”. Entre eles estava Rafael
Alves França, o Cobrinha Verde, que aos 74 anos de idade, embora tenha afirmado “
já estou fora de forma”, não se conteve quando a roda foi formada no Terreiro
de Jesus, e assim pode mostrar por alguns instantes a sua malandragem e perícia.
Ele recentemente vinha ensinando a alunos de um colégio particular com a ajuda
de um aluno mais experiente seu. Relembrando seus feitos e bravuras contou que
uma noite vinha de um baile chamado de “Baile da Jega “, quando uma patrulha
mista o interceptou e pediu documentos. Estávamos em plena guerra quando havia
toque de recolher às 21 horas . Daí Cobrinha Verde deu testa derrubando dois e
tomando uma pistola com a qual botou os demais para correr. Mas, a luta mais
bonita certamente é a entre João Pequeno e João Grande . O João Pequeno que,
foi a segunda pessoa do mestre Pastinha, foi o mestre de João Grande. É dentre
os mestres um dos que mais truques de ataque e de defesa conhece. A luta entre
os dois é uma verdadeira aula de balé. Tem um caráter excepcional e uma
humildade à toda prova do João Pequeno. Fala pouco e sempre lembra Pastinha, tece muitos elogios ao mestre, maior da
capoeira de Angola, sobretudo no diálogo mantido com os capoeiras mais antigos.
Outros estudiosos afirmam que possivelmente foram os negros
angolanos que inventaram ou mesmo trouxeram a capoeira porque eles não eram eleitos
ao trabalho escravo, foram os primeiros escravos a serem trazidos e eram
insolentes, loquazes, imaginosos e sem muita persistência para o trabalho, mas
cheio de manhas . E a capoeira é manha acima de tudo. Mas, a capoeira é uma só,
embora pequenas diferenças e as desavenças entre os grandes mestres ainda
existem . Sim, porque capoeira quer seja Angola ou Regional tem ginga, tem
música, tem berimbaus, pandeiros, toques e golpes que servem para criação de
novas variações. Mas, o método de jogar, o envolvimento e outros elementos que
a caracterizam estão presentes em qualquer roda de capoeira. Esta posição
discorda de Edson Carneiro, que afirmou existir nove tipos de capoeira. Ela é
uma só e as diferenças entre a chamada Capoeira de Angola e a Capoeira Regional
não conseguem seccioná-la. Assim , os golpes cinturados ou ligados usados na
Regional podem também , de quando em vez, serem utilizados por um capoeira de
Angola ao improvisar . Elas na realidade vêm do mesmo tronco e a ele estão
presas.
OS MESTRES AUSENTES
A Bahia teve grandes mestres hoje falecidos. E os dois mais
recentes ,os quais tornaram-se conhecidos em todo o país foi Manoel dos Reis
Machado , o Bimba, e Vicente Ferreira Pastinha, o Pastinha falecido no dia 13 de
novembro de 1981 em Salvador, aos 92 anos de idade. Bimba começou lutando
capoeira Angola e depois aprendeu golpes de outras lutas e adapto-os à
capoeira. Isto criou mais desavenças entre os capoeiristas . Bimba era uma
pessoa camarada com os desconhecidos e uma figura singular com seus alunos e
amigos. Gostava de esbravejar com facilidade e chamar seus adversários para um
duelo. Foi a primeira academia de capoeira criada e chama-se até hoje de Centro
de Cultura Física e Capoeira Regional, na década de 1930 quando ainda as
autoridades consideravam o capoeira ou capoeirista um delinquente perigoso.
Mas, não tendo nem o curso primário Bimba foi suficientemente inteligente para
usar seus discípulos e conseguir registrar sua academia na Secretaria de
Educação. Era duro e exigia muito de seus alunos como por exemplo não permitir
o uso de cigarros e bebidas .Recomendava que seus alunos evitassem demonstrar a
seus amigos fora da Academia os seus progressos
porque no seu entender a surpresa era a melhor arma de uma luta .Assim viveu
lutando ensinando o que aprendeu.
Já Pastinha era um mulato baixinho, franzino e de diálogo fácil. Criou seu Centro Esportivo de Capoeira de Angola em 1941 que funcionou durante muitos anos no casarão de número 19 no Largo do Pelourinho. Porém, com a ascensão do local sua academia foi fechada e quando já estava cego nos seus últimos anos de vida deram-lhe uma sala num local que ele não gostou. Morreu pobre como indigente no Abrigo Salvador no mês de novembro do ano passado. Ambos, Bimba e Pastinha morreram quase na miséria , fruto do próprio informalismo que é a capoeira . Por mais que tentam organizá-la esta luta parece resistir a voltar às ruas e becos, onde estão os elementos fortes que possibilitaram a sua criação. O negro, a pobreza e a opressão. Mas, numa entrevista dada há muitos anos a uma revista do sul do país Pastinha revela que os mestres João Pequeno e João Grande ,ambos não foram seus alunos, eles já chegaram à sua academia jogando boa capoeira e tornaram-se seus contra mestres por vários anos.
O mestre Waldemar da Paixão é respeitadíssimo. Nenhum dos
grandes mestres de capoeira ousa falar em capoeira na Bahia sem citá-lo. Hoje é
o principal fabricante de ” berimbau que
toca”, porque muitos são enfeite de turista . Sua academia funcionava na
Estrada da Liberdade e atualmente não quer saber de academia. “Tive muito
desgosto com alunos. Ás vezes agente prepara o aluno e quando está no ponto vem
os donos desses grupos folclóricos e levam s alunos oferecendo dinheiro e roupa”.
Foi ai que o mestre Canjiquinha ( Wasghinton Bruno da Silva) interrompeu e
disse: “A gente faz força e eles ficam vermelhos”.
Canjiquinha foi discípulo de Aberré um temível capoeirista,
já falecido. Ele está com 56 anos de idade, aposentado e atualmente trabalha
como contratado numa repartição da Prefeitura de Salvador. É o mais brincalhão
de todos os capoeiristas vivos. Gosta de cantar e com duas cervejas na banca é
capaz de demonstrar sua agilidade. Tem grande facilidade de improvisar toques e
cantigas de capoeira, e é , segundo Waldemar Rego, estudioso da capoeira, o que
mais tem contribuído para adaptação de outros cânticos de folclore à capoeira.
Já o mestre José Gabriel Góes, o Gato, nasceu em 1929, está
portanto com 52 anos , embora aparente bem menos. É ainda o mais ágil , daí o
seu nome também por sua astúcia felina, como arma e se safa dos golpes dos seus
adversários. Sua academia continua funcionando e tem bons alunos. Existem ainda
muitos mestres de capoeira com vários alunos e novas propostas . Mas os reunidos
nesta reportagem representam o que de mais importante existe na capoeira no
Brasil. São velhos mestres donos de grande sabedoria popular adquirida nos
becos, ruas e vielas. São verdadeiros sábios no seu ofício e sempre entre eles
existem pequenos senões, os quais tiveram que ser vencidos para que fossem
fotografados e entrevistados juntos. Esqueceram , o passado e brincaram juntos.
As mágoas , os desafios e outros ressentimentos deram lugar ao bater firme do
pandeiro, ao balançar do reco-reco e do caxixi e principalmente ao som indescritível
do berimbau que lhe dá sempre força a continuar a batalha ,mesmo com a força de
todos os anos vividos.
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