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Existem muitos outros vendedores nas ruas da Cidade. Mas, estes são os mais representativos da categoria. |
Vamos falar hoje de pessoas que estão há vários anos nas ruas de Ribeira de Pombal vendendo todo tipo de produtos. Alguns com pontos fixos e outros que saem mercando seus produtos como se fazia antigamente. Uma tradição que vem dos mouros com os árabes que saíam por aí vendendo tecidos e outros produtos na época que as lojas quase não existiam no país e eram chamados de mascates. Antes com o fim da escravidão os negros libertos também saíam com seus tabuleiros e cestos na cabeça ou nas costas mercando todo tipo de produtos especialmente frutas, verduras e até pequenos animais. É um universo bem diferente de um comerciante estabelecido com sua loja fixa recebendo a clientela. No universo dos vendedores de rua os diálogos são mais breves, às vezes não muito simpáticos por parte de algum passante mal educado, estão sujeitos as intempéries , outras vezes perseguidos por guardas municipais sob o pretexto de manter a "ordem", dentre outros eventos inesperados que ocorrem nas ruas.
Evidente que existem muitos outros vendedores por aí em Ribeira do Pombal . Estamos falando neste texto apenas de alguns. Um deles, que há vários anos vende produtos diversos, até gasolina durante às madrugadas, negou-se a dar depoimento perguntando se ia ganhar algum dinheiro com isto, outro também recusou dizendo que está com uma ação na Justiça para ter uma aposentadoria rural, e isto poderia prejudicá-lo. Cito estes casos para ver o nível de dificuldades que enfrentamos para seguir em frente. Muitas vezes as pessoas envelheceram e não deixam ser fotografadas, por se acharem feias; outras não se dispõem a procurar fotos dos parentes , e muitas vezes não guardaram como deveriam as fotografias de seus entes queridos e não sabem onde colocaram ou mesmo já deram fim.
A BERÊ DO ACARAJÉ
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D. Berê toma todos os cuidados com a higiene |
Uma dessas figuras mais conhecidas que vendem seus produtos nas ruas é d. Benedita Santos Lopes, a
Berê do Acarajé, de 67 anos, que há quarenta anos comercializa seus acarajés na rua . Ela já trabalhou como cozinheira em alguns restaurantes e casas de família. Primeiro se estabeleceu próximo da igreja matriz de Santa Tereza. Disse que chegou em Ribeira do Pombal em 1979. Fui procurar um ponto melhor e fiquei perto onde tinha a Loja Insinuante. Finalmente, em 1992 vim para este local onde estou até hoje. Foi minha ex-sogra a Valdomira do Acarajé, que passei a ajudar e terminei aprendendo e hoje vivo de vender meus acarajés".
Teve ocasião que a Cidade estava com muitos problemas de violência e pouca gente se arriscava a ficar nas ruas até mais tarde. Mas, d. Berê do Acarajé continuou vindo todos os dias. As pessoas sempre o alertavam do perigo. Porém, ela argumentava que a violência estava mais para os fundos de rua, nos bairros da periferia da Cidade. "Nunca tive problema com violência graças a Deus", diz com a confiança que lhe é peculiar.
Ela não pensa em se aposentar. Diz brincando que ainda tem" muita lenha para queimar." Tem sete filhos , todos vivos. Nesses anos já viu gente ser atropelada, batida de carros, quedas de moto e outros eventos que sempre ocorrem nas ruas, principalmente durante a noite. "Termina a gente se acostumando com esses fatos .O bom é que tudo corra com tranquilidade.", completa d.Berê do Acarajé.
PEDRO DO AIPIM
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Pedro do Aipim é presença certa nas ruas. |
Estava na casa de minha mãe há cerca de dois anos quando ouvi alguém mercando aipim. Era o Pedro do Aipim batizado como Pedro Cesar Nascimento, hoje, com 62 anos de idade. Me dirigi à porta e lá vinha um homem gritando a todos os pulmões anunciando os seus aipins. Conversei ligeiramente com ele e pedi para tirar umas fotos. Na conversa fiquei sabendo que não plantava um pé sequer de aipim, embora morasse na roça, pertinho da Cidade. Na realidade compra o aipim nas mãos de terceiros e revende . Por exemplo, se você tem uma roça com uma tarefa ou meia tarefa plantada de aipim ele compra toda a produção depois de fazer o teste se cozinha direito e se é gostoso, para que sua clientela fique satisfeita e não faça qualquer reclamação.
O tempo passou e fazem uns três meses ou mais foi publicada uma reportagem contando o fato que Pedro do Aipim tinha se acidentado e estaria precisando de ajuda. Isto foi no final do ano passado. Li que estava fritando uns aipins e quando foi colocar álcool num pequeno fogareiro que tem e ao acender o fogo as labaredas o atingiram seriamente. No seu depoimento ele esclarece que roubaram tudo de valor que tinha em sua casa . A geladeira, o fogão, o botijão de gás e dois aparelhos de tv, dentre outros objetos. "Fui roubado e até queimado , mas nunca reclamei da vida. Estou sempre feliz. Fiquei nove dias internado no hospital, e tenho um carrinho novo que me deram para vender meus aipins, e assim vou levando a vida.", fala o resoluto Pedro do Aipim.
O Pedro do Aipim nasceu no povoado de Buracos, mas reside em Ribeira do Pombal há quarenta anos, e atualmente próximo a Subestação da Coelba. É filho de João Manoel Nascimento e Josefa César Nascimento. Teve quatro irmãos, um já falecido. É separado da mulher e pai de cinco filhos: Luciano Bastos Nascimento, Leidiana Duarte Bastos, João Pedro Santana Nascimento David e Lucas Santana Nascimento.
Primeiro vendia todo tipo de verduras até que mudou definitivamente só vendendo aipim. Andou pelo Estado do Rio de Janeiro nas bandas de Belfort Roxo, Realengo e Santa Cruz onde permaneceu por uns quatro anos vendendo aipim. Confessa que não gritava mercando, nem no Rio de Janeiro e também em Ribeira do Pombal. Porém, com o crescimento da Cidade e o aumento de movimento de carros e motos sentiu a necessidade de gritar para que pudesse ser ouvido pelos clientes. Portanto, os gritos vieram de uns anos para cá. "Agora dou uns gritos altos e longos. Faço com muita satisfação para as pessoas que estiverem distraídas ouçam que estou no pedaço:"Ooooooo olhe o aipim! Tá cozinhando, que até tá se desmanchando". E confessa que "agora grito sem dó nem piedade", e dá uma boa gargalhada. Trabalha todas as segundas e quintas-feiras e sábados. Felizmente, agora ele está bem e já recomeçou a sua labuta vendendo seus aipins.
DÉLCIO DO QUEBRA-QUEIXO
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Délcio com o carrinho de quebra-queixo |
Durante quarenta anos Délcio Alves Maciel, hoje, com 82 anos de idade vendia seu quebra-queixo nas ruas . Ele é filho de José Alves Maciel e Valdomira Maria de Jesus. Saía diariamente na parte da tarde estrilhando seu apito e anunciando o apreciado quebra-queixo que era a merenda de muita gente em Ribeira do Pombal. É natural de Conceição do Coité , casado com sua conterrânea d.Aurora Maria Maciel . Disse que " era um bicho do mato, mas meu pai sempre dizia procure uma moça direita e case. Você já está com vinte e poucos anos, todos seus irmãos já casaram e foram cuidar de suas vidas . Assim, eu fiz. Procurei uma moça para casar e encontrei a Aurora.Casamos e tivemos oito filhos : Lúcia, Beto, Carlos, Delci,Walter, Sônia, Marinalva". Esqueceu o nome de uma filha, já falecida .
Confessa Délcio que veio para Ribeira do Pombal em 1972 porque seu pai trabalhava na fazenda de Antônio Bernardo Costa, o seu Totinha, que ficava entre os povoados da Boa Hora e a Tapera nos anos 1970 e 1971.Viemos eu , meu pai e meu tio. Eu vim para cozinhar, enquanto eles trabalhavam modando ( limpando) pastos. Depois de uns e seis meses, meu pai decidiu voltar para Conceição do Coité. Aí meu pai falou com Basto Costa que criava porcos , então passei a cuidar dos 150 porcos que ele criava. Os bichos comiam três sacos de milho por dia. Tinha também que limpar o chiqueiro pela manhã e à tarde. Era um serviço muito duro. Trabalhei muito. Lembro do dia que saiu o pagamento do salário e da alegria quando pude comprar uma calça azul de lista de Tergal e uma camisa Volta ao Mundo, que estavam na moda. "
"Quando meu pai faleceu minha mãe só ficava chorando e resolvi voltar para ficar com ela. Acontece que meu pai tinha comprado cinco jegues aqui. Então montei num deles e saí levando os outros quatro daqui até Conceição do Coité. "
Relata ainda seu Délcio Alves que voltou para Ribeira Pombal e "passei algum tempo vendendo o quebra-queixo para um amigo, que me ensinou a fazer o produto. Neste tempo a gente vendia o quebra-queixo com um tabuleiro que carregavámos na cabeça, e um cavalete no ombro. As coisas foram melhorando até que mandei construir um carrinho, para descansar minha cabeça e o ombro. Cada tachada de quebra-queixo leva 12 quilos de açúcar. Teve uma época em que comprava um saco inteiro de açúcar para fazer meu quebra-queixo, mas hoje está muito caro e voltei a comprar a quilo. Criei meus filhos e alguns netos vendendo meu quebra-queixo. Graças a Deus nunca faltou o pão de cada dia ", disse Délcio.
MACIELE DO LANCHE RÁPIDO
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Ela carrega o vasilhame dos lanches, um quente-frio com café, sacolas com copos plásticos e guardanapos. |
Esta é Maciele que tem apenas 25 anos de idade, é portanto a caçula dos vendedores entrevistados . Cada um com sua história de vida e a luta para sobreviver com dignidade neste pedaço do sertão. Tenho muito respeito e admiração por essas pessoas que a cada dia tem que matar um leão para sobreviver. Faça sol ou faça chuva lá estão mercando os produtos que eles mesmos fazem ou revendem. A Maciele Correia Santos, mãe solteira de um filho, está há mais de três anos nas ruas vendendo seus lanches. Diz que acorda por volta da uma hora da manhã e juntamente com sua irmã faz os lanches, o café e o suco e sai para vender. Enquanto isto, sua irmã fica tomando conta de seu filhinho. Chego em casa por volta do meio dia a meio dia e meio , dependendo das vendas. Vou buscar meu filho e cuidar da casa . Trabalho de segunda a sexta-feira. Com o dnheiro da venda dos lanches pago o aluguel da casa, mercado e as outras despesas ."
Disse Maciele que o pai da criança o abandonou ainda na gravidez . "Crio meu filho sózinha e vou ficar nesta vida até ele se adaptar na escola, crescer tiver uma oportunidade de emprego. Estou conseguindo pagar minhas contas e vou assim levando a vida até quando Deus quiser. "
Ela não tem carrinho . Embora magrinha leva um vasilheme com sanduiches, um outro cheio de café e mais umas sacolas com copos e outros materiais. É muito peso para seu corpo frágil, mas diz que está acostumada, e sai assim porque facilita sua mobilidade para entrar nas lojas , nos ônibus e em outros locais . "Eu tenho uns clientes certos que ficam me esperando para tomar seu café. Depois de atende-los vou para os ônibus onde as pessoas estão chegando ou saindo para roça e sempre precisam comer alguma coisa. "
SATU DO PICOLÉ
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Satu com o carrinho cheio de picolés, e de água de coco. |
O filho de outro personagem que falamos Antônio Motor é vendedor de picolé há vários anos. É o Saturnino Florêncio Rocha Neto, conhecido por Satu, está com sessenta anos de idade e há trinta anos vende picolés nas ruas de Ribeira do Pombal. Ele também faz o famoso geladinho e ainda vende água mineral para matar a sede dos que estão na rua. "De vez em quando vendo também água de côco." Mas, os picolés é que são a sua especialidade.
O Satu é músico da Filarmônica de Ribeira do Pombal, onde toca percussão. Dom que herdou de seu pai que tinha uma banda e tocava vários instrumentos. São quarenta anos tocando instrumentos de percussão.Mas, o Satu é o típico brasileiro que se vira em dez para sobreviver. Negocia com relógios usados, e assim vai construindo sua renda para sobreviver.
UBIRATAM DO AMENDOIM
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Ubiratan Costacom seus produtos |
Há vinte e cinco anos que trabalha vendendo amendoim. Herdou esta atividade de seu pai que durante muitos anos vendia amendoim na Cidade. Quando ele faleceu teve que sustentar a família. Está com trinta e cinco anos e chama-se Ubiratan Costa. Atualmente comercializa também castanha e camarão salgado. Como podemos ver desde criança que acompanhava o pai vendendo amendoim.
É um exemplo da luta pela vida e muitas vezes da falta de educação e consequentemente de melhor oportunidade que leva as pessoas a procurar uma maneira de sobreviver com dignidade. A luta é grande porque sempre tem que estar exposto ao sol, chuva e também aos acontecimentos de rua.
PAULO DO CALDO DE CANA
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Paulo com sua máquina de extrair o caldo da cana raspada.
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Este é o Paulo Silva Santos, conhecido por Paulinho, o homem do caldo de cana, cinquenta e três anos de idade . Desde 1976 que seu pai trabalhava vendendo caldo de cana, cocada e outros doces que a esposa fazia. Com a morte dele há trinta anos atrás, o filho Paulinho assumiu o seu lugar e de segunda à sábado até o meio dia está ali no mesmo ponto vendendo o caldo de cana. Ele diz que não vive exclusivamente disto, mas que ajuda muito em suas despesas. Paulo fica na Avenida Oliveira Brito, em frente ao número 40, o mesmo ponto de seu pai. Teme que algum dia um prefeito venha proibir que permaneça ali. Soube que o prefeito anterior queria tirá-lo do ponto, "mas até agora graças a Deus isto não aconteceu". Ele é um dos herdeiros da casa onde fica na calçada com sua máquina vendendo caldo de cana. Alugou para um comerciante a parte da frente do imóvel e mora numa na casa na rua que fica próxima. Deixou apenas uma porta e um corredor para entrar e sair para a rua onde está sua atual residência.
NR- Vejam que as pessoas mais simples se dispuseram com boa vontade a dar seus depoimentos. Uns poucos se mostraram equidistantes, muitas vezes por falta de informação. Mas, vamos em frente e graças a abnegação de Hamilton Rodrigues estamos levando este projeto que resgata e registra para a posteridade os nomes das pessoas enfocadas nos textos que estou escrevendo.
34 comentários:
Belo registro da vida como ela é. O Brasil que avança é este, com trabalhadores honestos e muita vontade de vencer.
Essa matéria é um primor do jornalismo baiano. Faltou da Big Lanches e que Satu faturou na megassena. Kkkk
Uma matéria muito pertinente, principalmente nos dias atuais, com o desemprego no Brasil as pessoas buscam alternativas para ganhar sua sobrevivência. Sati é muito meu amigo e o parabenizo pela sua garra e atitudes, aliás todos os trabalhadores sejam eles ambulantes ou fixo merecem total respeito e apoio da sociedade.
Faço eco só comentário de Rasec. Bom final de semana, professor e colega Reynivaldo Brito
Graça Gama
Que matéria espetacular. Parabéns amigo Reynivaldo.
Murilo Ribeiro
Palmas!
Hilda Nogueira
Parabéns!
Pietro Jacobina Britto Britto
Parabéns meu primo Rey,mais uma histórias de nossa Pombal.
Marluce Maria Morais Brito
Antigamente, Reynivaldo, era costume, geralmente garotos, saírem para vender arroz doce ou mingau em copos de vidro, acondicionados num pequeno " engradado" de madeira, semelhantes aos de bebida; vinham cobertos com um paninho bem alvo.
Marluce Maria Morais Brito
Grande ideia lembrar dessas pessoas. Mais uma vez, parabéns!
Darcy Brito
Exemplos como estes deveriam chegar ao conhecimento dos mamadores da Lei Rouanet que vivem xingando e ameaçando o atual governo por terem que se sustentar de agora em diante com seu próprio suor e não com o dinheiro público.
Edna Silva
Muito bem redigido.
Celia Mallett
Tem adorando.
Genite Morais Santana
Parabéns meu amigo.
Jurandy Souza
Excelente resgate da história da nossa terra querida.Obrigado e Meus Parabéns,
Antonio Carlos Da Rosa
Sempre muito bom, parabéns Reynivaldo!!!
Marcia Magno
Fatos contados e ilustrados. Que delicia! Amei as cores, a delicadeza de sentimentos e o intimismo na hora do fazer.
Edson Passos Brito
Parabéns Rey, pela história, fatos verdadeiros...o poder público municipal e estadual, tem que prestigiar esses grandes lutadores pela sobrevivência, e não famosos que já estão ricos, como foi citado acima, pela Lei Rouanet.
Iara Brito
Fatos reais.Resgatando a vida dos nossos queridos Pombalenses.
Didil Costa
Que maravilha! Boas histórias da vida real! Pessoas que fazem parte do dia a dia da nossa querida cidade. Falando em vendedores, lembrei de D.Balbina. Vendia pirulitos. Bons tempos. Parabéns Rey!
Edicarlos Santana
Parabéns seu Reynivaldo sucesso
Diva Brito Assis
Relatos como estes, são exemplos para os ociosos que querem vida mais fácil.
Beto Santana Santana
Palmas!
Edson Passos Brito
Grandes figuras, grandes histórias!
Washington Arléo
Suas crônicas e relatos devem ser editados em e-book, livros e tudo é de interesse pra pobre produção Cultural da Bahia!
Ivo Neto
Parabéns amigo.
Fafá Carneiro Macedo
Parabéns Rey!
Maria Cely Valadares Macedo de Souza
A história dos nossos pombalenses.
Tereza Gama
Parabéns grande jornalista pombalense Reynivaldo Brito,belas histórias...
Moema Garcia
Gosto de ler as suas matérias, principalmente por retratarem a vida no interior! Hoje você citou Conceição do Coité, que é a terra do meu falecido esposo! Parabéns grande Jornalista!
Marcelo Brito
Parabéns primo, por lembrar dos mais humildes e verdadeiros heróis.
Marcelo Brito
Achei um espetáculo esta matéria.
Tânia Félix
Parabéns!
Meu jovem vc é maravilhoso. Um abraço Orrico.
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