Objetivo


quinta-feira, 26 de novembro de 2020

A CAMINHADA

Confesso que não gosto de fazer coisas repetitivas. Mas, por recomendação médica, já que o meu coração de quando em vez dá uns piripaques , tenho forçosamente que fazer exercícios físicos, e principalmente  caminhar  diariamente . Assim, tenho feito com certa regularidade desde aquele dia que cheguei ao hospital todo de paletó e gravata com uma pasta nas mãos. Era uma consulta de rotina.Mas, depois que  o médico conversou comigo e fez alguns exames me mandou aguardar na sala de espera. Minutos depois chegava um jovem  empurrando uma cadeira de rodas e mandando que sentasse ali. Relutei ,argumentando que algo estaria errado. O rapaz se dirigiu ao médico, que abriu a porta do consultório e determinou que  sentasse. Imediatamente, o rapaz saiu com seu novo paciente desfilando por salas e corredores até que chegou num apartamento onde duas enfermeiras me aguardavam. Imediatamente, mandaram  que tirasse a roupa e vestisse um daqueles roupões  aberto atrás, onde o cidadão literalmente perde o nome , a dignidade e passa  a ser tratado por paciente.

Quando terminei de vestir o tal roupão de cor esverdeada mandaram que deitasse. De posse de um aparelho de barbear uma delas começou a raspar os poucos pelos que tinha no tórax ,  e me colocaram inúmeros fios interligados aos aparelhos, que fazem aquele barulhinho infernal tim.tim, tim .Você fica assustado e preocupado fixando os olhos nos aparelhos com receio que algum deles silencie. As enfermeiras já não estavam no quarto. Foram atender outro paciente. Esta é a rotina delas.

 Fiquei sozinho e com o celular no bolso da calça dependurada num cabide.  Com dificuldade por causa dos fios presos ao meu corpo levantei e peguei o celular , Fiquei por alguns segundos bolando como dar a notícia para meus familiares. Decidi ligar. Alô! Fiquem tranquilos estou aqui no Hospital Aliança internado para fazer uns exames. Não é nada grave". Silêncio. Vieram as expressões de preocupação. Minutos depois já chegavam, e agora era eu que tentava acalmá-los.

Minutos  depois estavam  tirando  amostras do meu   sangue, várias imagens,  e no dia seguinte pela manhã me colocaram dois stenters no peito. Recuperado,  passei a andar com regularidade, coisa que não fazia antes. Tenho dúvidas se isto serve para alguma coisa. Os médicos são unânimes em afirmarem que sim.

Ai andando reencontrei um colega de juventude , inclusive já tínhamos morado no mesmo apartamento juntamente com outros amigos de Ribeira do Pombal. Foi aquela alegria e passamos a andar com certa frequência colocando a conversa em dia.Meses depois ele me disse que iria morar nos Estados Unidos na casa de um filho que morava na região do estado do Texas. Revelou que seu filho estava há algum tempo lá , e que era casado com uma policial. De mala e cuia ele foi com a esposa morar e nunca mais soube deles. Revelara que decidira fechar sua pequena empresa de engenharia,e que  prestava serviços para uma estatal de saneamento básico. Desiludido  não aguentou  mais o assédio por propinas e outras irregularidades que era  obrigado a se submeter para sobreviver.

Ai passei a andar sozinho até que reencontrei outro colega de juventude , que hoje é geólogo e fazendeiro. Ele não anda com regularidade. Falta muito, por isto a maioria das vezes ando sozinho, dando minhas dez voltas na praça Ana Lúcia Magalhães, no bairro da Pituba, o que dura cerca de uma hora de relógio.

Nos últimos meses se aproximou de mim um senhor de cabelos brancos, corpulento e muito bem humorado. Conversa vai ,conversa vem fiquei sabendo que era um obstetra muito conhecido na Cidade e um torcedor fervoroso do Bahia. Como sou rubro-negro a conversa fluía fácil sobre as mazelas que nossos times estão enfrentando . Chegou a me dizer que  tomou um calmante quando o Bahia levou  uma goleada recentemente. Respondi que não chegava a tanto, e que sempre desligo quando o Vitória começa a perder por mais de um gol. Assim, andamos conversando sobre vários assuntos durante vários dias todas as manhãs. 

Ele sempre passava por um grupo de outros amigos e gritava "O segundo tempo ando com vocês". Mas, este tal de segundo tempo nunca acontecia, porque quando ele começava a contar uma história não parava mais. Eu quase não falava. Foram meses assim até que hoje ao chegar à praça caiu uma chuva fina.Para evitar pegar um resfriado nestes tempos de pandemia resolvi me abrigar esperando a chuva parar. Quando se aproxima uma senhora, a qual anda também diariamente na praça, e me perguntou se tinha sabido da morte de um senhor que andava ali. Respondi que não , e me veio a mente que ao chegar vi um grupo conversando, logo depois todos sumiu. Ela sacou o celular e me mostrou a foto. Para minha surpresa era o meu companheiro de caminhada vestido no seu jaleco branco sorrindo. Confesso que estremeci na base. Ela foi dar sua caminhada, e ainda fiquei ali alguns minutos paralisado. 

Depois resolvi dar  minha caminhada, e a cada passo, a cada curva da trilha via seus passos , ouvia sua voz firme e sua risada generosa. Perdi o companheiro de caminhada, que certamente ainda tinha muitas histórias para contar. Logo ele que na sua profissão de obstetra trouxe ao mundo centenas de crianças que chegaram gritando, e ele partiu no silêncio da noite, vítima de um enfarte fulminante.

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