Objetivo


quinta-feira, 29 de julho de 2021

O FOTÓGRAFO DA BERETTA

Ao chegar ao jornal fui procurar o professor Fernando Rocha que tinha um cargo de destaque na redação  indicado que fui por seu irmão Wilson Rocha, que era o então Secretário de Minas e Energia, no governo de Luiz Viana Filho. Ele substituira Oliveira Britto, que fora cassado juntamente com o Secretário de Educação, Navarro de Brito, por terem servido no Governo do Presidente João Goulart.  Embora tivessem Brito nos sobrenomes não tinham parentesco algum, e um escrevia com dois ts e o outro com apenas um. Depois de conversar com o professor e jornalista Fernando Rocha fui surpreendido por uma movimentação diferente que me chamou a atenção. Mas,como não conhecia a dinâmica da redação do jornal A Tarde , na sua antiga sede da Praça Castro Alves, fiquei ali quieto aguardando uma resposta. Ai o Diretor secretário de Redação dr. Cruz Rios me chamou, porque não havia um repórter sequer naquele momento disponível na redação, e fui enviado juntamente com o fotógrafo João Beretta para entrevistar o famoso cineasta Paolo Passolini que chegara de Roma, onde residia, passando pelo Rio de Janeiro onde permanecera  alguns dias. Diante do assédio da imprensa carioca ele resolveu vir para a Bahia em companhia da não menos famosa a soprano de Maria Callas. 

Ao chegar ao Hotel da Bahia,no Campo Grande, encontramos o cineasta no balcão da recepção e ao reconhecer avisei ao João Beretta para fotografá-lo imediatamente. Ao perceber a minha aproximação e de que fora fotografado ele resolveu tomar o elevador e subir para seu apartamento. Este foi o meu primeiro contato com o destemido e agitado João Beretta.

Este personagem era muito conhecido nos meios policiais por exercer por muitos anos sua atividade de fotógrafo da editoria policial do Jornal A Tarde. Era uma figura diferenciada. Tinha uma cabeça grande para seu corpo franzino e os cabelos crespos em arrepiados. Falava ligeiro e era muito agitado e ágil na hora de fotografar, mesmo sob ameaças de marginais presos pelos policiais. João não se separava de sua beretta. Não sei se funcionava ou se funcionou alguma vez, mas era sua companheira inseparável.

Na segunda vez que nos encontramos foi quando  eu estava no plantão  noturno e coincidiu que ele também . Fomos designados para cobrir um evento no centro da Cidade, e quando chegamos nas imediações onde hoje tem o supermercado Extra, na Avenida Vasco da Gama, encontramos um movimento grevista de motoristas e cobradores da empresa de transporte Duran. Esta empresa servia aos bairros da Federação, Canela e outros. Mandamos parar o carro e fomos fazer a reportagem da greve. Foi aí  que um grevista valentão partiu de lá com um pedaço de pau nas mãos. Ai João puxou sua beretta e o sujeito grandão e valentão afrouxou. Continuamos ali por alguns minutos e continuamos nossa viagem. Quando chegamos a redação em vez de uma reportagem tínhamos duas, e a da greve teve mais destaque na edição do dia seguinte.

A terceira vez foi ainda durante o governo de Luiz Vianna Filho , que era um homem circunspecto e refinado. Fomos ao Palácio de Ondina, onde o Governador ia dar uma entrevista ao jornal A Tarde . Quando olhei para o lado o João estava com sua máquina posicionada sobre a cabeça com os dois braços estendidos para cima . Vizualizei a sua beretta aparecendo bem em frente ao Governador. Fiquei sem jeito e o segurança preocupado, até que o avisei .Ele colocou por trás da camisa, que estava com uma parte fora da calça.

Finalmente, o João Beretta comprou um velho Jeep Willys e resolveu ir com sua namorada curtir as delícias da beira mar em Itapagipe. Começou a tomar umas cervejas e cachaças . Com seu jeito ousado resolveu se posicionar na areia para apreciar a Lua. A maré estava baixa , a farra continuou junto com sua namorada. Adormeceram e a maré subiu. Quando acordaram a água estava no nível dos bancos  . O Jeep ficou lá imprestável  e alguém de brincadeira arrancou o volante e levou para a redação. Quando um colega  brincava de sua desventura ele ria, e se insistia ficava zangado e danava-se a xingar. Mas, a sua beretta continuou na cintura.




quinta-feira, 15 de julho de 2021

ESPORAS NOS CHATOS

O chato de esporas passeando pela Cidade.
Estávamos nos anos do regime militar e era comum a presença de militares e agentes da Polícia
Federal irem às redações dos veículos de comunicação entregar correspondências devidamente protocoladas sobre os mais variados assuntos. Na maioria das vezes anunciando alguma comemoração de datas históricas, a posse de um novo comandante, a visita de um ministro militar ou mesmo proibindo a divulgação de algum fato envolvendo ações realizadas no combate ao terrorismo ; uma ação bem sucedida contra a chamada luta armada, praticada pelos terroristas de esquerda ou mesmo a participação de um militar em um fato.

Já os agentes da Polícia Federal, na época sob o comando do coronel Luiz Arthur de Carvalho , apareciam sempre no turno vespertino  para entregar seus Comunicados proibindo a divulgação de algum fato relacionado com morte de terrorista ou mesmo prisões efetuadas pela PF. Eram comunicados sucintos, muitas vezes não passavam de três a quatro linhas, de tão resumidos  às vezes tínhamos dificuldade de entender do que se tratava. Outras vezes, era através desses comunicados  que tomávamos conhecimento do que havia ocorrido.

Lembro que certa vez um agente PF chegou à redação do jornal A Tarde, que ficava no primeiro andar, no prédio onde hoje funciona o luxuoso Hotel Fasano,  na Praça Castro Alves,em Salvador, Bahia, trazendo um desses documentos. Ao me avistar dirigiu-se a mim para assinar o protocolo.

Normalmente quem ficava chefiando a redação no período vespertino era o saudoso jornalista Antônio Maria de Brito Cunha, que era uma pessoa de fácil convivência e levava aquela situação com certa fleuma. Aconteceu que naquela tarde o Brito Cunha ausentou-se, não lembro a razão, e o agente se dirigiu a mim com o livro do protocolo já aberto  quase que exigindo que o assinasse,  confirmando o recebimento do comunicado. Foi ai que recusei , e ele não gostou . Em tom de ameaça disse que iria  falar com o coronel Luiz Arthur. Eu respondi que podia falar, e apontei  para o telefone que ficava em cima de uma das mesas de madeira .

Afastei-me do agente até que ele conseguisse se comunicar e não sei o conteúdo do diálogo. O agente fechou e livro e retornou para sua sede que ficava na  Cidade Baixa. A imprensa em todo o país estava sob censura, mas já surgia daqui e dali alguma reação.  Lembro que nesta mesma época surgiram as máquinas de Xerox, e um desses comunicados foi  xerocado em várias cópias as quais foram jogadas de cima de um dos prédios na Rua Chile. Naquela época a Rua Chile era muito movimentada, tinha um  comércio intenso . Muita gente saiu correndo para pegar uma cópia querendo ler o conteúdo do Comunicado que depois fiquei sabendo era a censura de uma Operação sigilosa da PF.

Tinha um chargista no jornal de nome Eduardo Carvalho, já falecido, que era muito criativo e brincalhão. Conhecido carinhosamente por Dudu ele resolveu juntamente com o Brito Cunha fazer umas esporas de papelão utilizando as capas que serviam para proteger as bobinas de papel onde o jornal era impresso. Eram grandes folhas em forma circular ( usadas como proteção  das laterais das bobinas de papel jornal ) e bem resistentes. Ali ele desenhava e recortava para criar as esporas. Essas esporas eram coladas nos calcanhares dos visitantes chatos que diariamente procuravam a redação do jornal. Alguns eram assíduos e enchiam a paciência dos redatores e repórteres que queriam trabalhar. Naquela época não tinha a rigidez e o controle que existe hoje para você acessar uma empresa ou um jornal. Assim, pessoas do povo, profissionais liberais que trabalhavam naqueles prédios da Rua Chile e imediações, e mesmo vindos de outros locais da Cidade compareciam para fazer uma reclamação ou levar uma carta para publicar na seção de Opinião do Leitor. Outros iam cobrar e saber o porquê da sua carta ainda não ter sido publicada.  Isto acontecia com frequência porque naturalmente era feita uma seleção daquelas que tinham algum interesse para o cidadão ou a Cidade.

Foi ai que surgiu a ideia da espora. Os chatos foram os primeiros a ganhar suas esporas. Enquanto alguém conversava com o chato  para distraí-lo outro se abaixava e fixava a espora no sapato através de uma fita adesiva. Concluída a operação da fixação da espora, restava  aguardar o seu desfile.

O esporado saia do jornal e invariavelmente subia garbosamente com sua espora pela Rua Chile, e a gente ficava observando das janelas laterais da redação para ver a reação das pessoas ao ver o esporado Era muito divertido porque um soldado, um  agente ou mesmo um visitante chato, às vezes vestido de paletó e gravata ou fardado  esporado quebrava a monotonia da tarde na redação.

Esta reação singela era uma forma de demonstrar que àquelas pessoas não eram bem-vindas à redação do jornal . Recordo de um dentista que tinha seu consultório na Rua Chile que só andava todo de branco. Às vezes de paletó e gravata . Quando tinha uma folga no consultório ou um cliente faltava lá vinha ele com seu riso largo e muita conversa . Era descendente de italiano e tinha a pele avermelhada. Por várias vezes foi esporado , mesmo quando descobriu e passou a ficar mais atento. Porém, a habilidade de Eduardo e de outros era tanta que eles faziam o serviço em questão de segundos. Ai o dentista subia a Rua Chile  exibindo sua bela espora , enquanto os transeuntes que viam ficavam rindo a valer.

Certa vez um esporado retornou à redação muito nervoso e pronunciando palavrões. Queria saber quem foi o engraçadinho “para dar-lhes uns sopapos”. Ameaçou procurar a direção do jornal , mas felizmente não chegou a concretizar sua ameaça. Aí entrou  a figura de Brito Cunha com sua paciência que se dirigiu ao esporado zangado e conseguiu aplacar sua ira, a ponto dele entender a brincadeira e sair rindo da redação. Esta brincadeira durou alguns anos, a ponto de Eduardo Carvalho ter um razoável estoque de esporas já prontas para o uso. Bastava aparecer um chato, que a brincadeira começava.  Chato em redação de jornal naquela época era o que não faltava.

terça-feira, 6 de julho de 2021

UMA VISITA INESPERADA

O Rei do Baião percorreu o Nordeste.Enfrentou
altos e baixos na sua vida de forrozeiro.
 Era um domingo qualquer dos anos   70  por volta   das 18 horas.   Estava   preparando a edição da   segunda-feira.   Em   cima da mesa muitas provas de   fotografias, textos,   avisos e outros   papéis para   despachar. Tinha poucos   minutos que  chegara à   redação do   jornal e abria   minhas gavetas para   conferir as pautas das   reportagens e   outras   informações necessárias para   iniciar o trabalho.   Foi  quando o   segurança  Walter   Silva ( falecido     em  2021) , me ligou da portaria  informando que tinha um senhor de nome Luiz  Gonzaga querendo falar comigo. Imediatamente, disse a Walter que podia  mandar entrar. Foi  assim, sozinho que ele chegou,  subiu as escadas para  me encontrar no primeiro andar do prédio do jornal A Tarde, localizado na Avenida Tancredo Neves, em Salvador . Com seu jeito matreiro foi de pronto perguntando.“Você me conhece caboco? ". Claro , o grande Luiz Gonzaga, o Rei do Baião, lhe respondi. Ele abriu aquele sorriso largo inesquecível  e foi sentando. Ai conversamos um pouco sobre seu trabalho,  e principalmente sobre um show que iria fazer em Salvador. Estava sem empresário ou qualquer outra pessoa que pudesse  lhe acompanhar.

Chamei  um repórter e pedi que o entrevistasse com carinho para publicarmos ainda na edição que ora estava preparando anunciando o seu show. Depois de algum tempo ele veio novamente em minha direção , agradeceu e saiu sozinho andando no meio da redação barulhenta, porque à esta altura editores, repórteres já batiam suas matérias nas máquinas Remington, que juntas faziam um forte barulho. Além do barulho das conversas, sempre em voz alta, dos  repórteres,redatores , fotógrafos e diagramadores os quais já estavam em seus postos trabalhando.

Sabia que o forró estava em baixa naquela época.  A  Música Popular Brasileira – MPB e o rock nacional ocuparam todos os espaços na televisão, nos teatros e nos shows. Os forrozeiros de todo o país passaram grandes dificuldades, inclusive o maior de todos os tempos o genial Luiz Gonzaga.

Sou do sertão e sempre curti as coisas da minha terra, em especial as manifestações culturais, e o forró está em primeiro lugar. Tenho no carro cds e pendrives com músicas de forró que ouço,  tanto nos curtos trajetos aqui em Salvador, como também quando estou indo ou vindo do sítio, que fica cerca de 100 quilômetros da Capital. É claro, que o saudoso Luiz Gonzaga sempre esteve presente desde os primeiros anos de vida de minha infância e juventude em Ribeira do Pombal, e continua presente com suas músicas envolventes e inesquecíveis.

Como uma história puxa outra lembrei que neste mesmo período que o forró estava em baixa  Luiz Gonzaga esteve em Ribeira do Pombal, distante a 287,2 Km de Salvador, e lá fez um show. Como não existiam muitas atrações na Cidade terminou a noite tomando umas  cervejinhas e cachaças com seus músicos na zona, na casa da famosa Palmira, de saudosa lembrança. Lá ela mantinha algumas mulheres que divertiam a rapaziada.

Palmira era querida por todos, inclusive quando era criança lembro de minha mãe vendendo o leite que vinha da nossa fazenda às pessoas  que moravam nas ruas próximas  da nossa casa.  Elas traziam os litros ou garrafas de vidro, e minha mãe com a ajuda de uma funcionária enchiam de leite fresco. O leite era  trazido no lombo de um burro, em dois vasos grandes de alumínio. Depois o burro passou a puxar uma carroça com seus velhos pneus de borracha . Diariamente um trabalhador vinha  da fazenda, que distava pouco mais de 10 Km da Cidade. As pessoas pegavam o leite e era anotado numa caderneta. Na sexta-feira, dia de feira na Cidade, os clientes viam pagar o leite que pegaram. Bons tempos.