Objetivo


sábado, 29 de janeiro de 2022

ANTÔNIO MOTOR O BARBEIRO QUE ERA MÚSICO

Ilustração de Antônio Motor e d. Lourdes do Doce.
O nosso personagem era músico , barbeiro, marceneiro, além de porteiro do Colégio Evência Brito. Um homem negro, na época em que não existia este  preconceito arraigado e agressivo como o de hoje que foi estimulado dentro do projeto de poder da esquerda brasileira. Ele transitava com desenvoltura, alegria e sabedoria por onde se apresentava. Era o dono e maestro da banda que formou para animar os carnavais, a festa de Santa Tereza  anualmente no dia 15 de outubro e outras festas realizadas no Clube Recreativo Grêmio Social de Ribeira do Pombal e cidades vizinhas. Tocava bem o trompete, e outros instrumentos. O seu nome é Antônio Florêncio Rocha, conhecido por Antônio Motor, graças à sua habilidade de marceneiro. Ele  confeccionava carrinhos de madeira para alegrar as crianças. Na época não existiam muitas opções de carrinhos feitos de plásticos e outros materiais .  Depois de fabricar muitos carrinhos resolveu certo  dia colocar um pequeno motor num desses caminhões que fabricava e o protótipo  era baseado no caminhão da marca FNM, foi ai que ganhou  o apelido de Antônio Motor. O experimento deu certo e seu caminhão andava movido pelo pequeno motor.
Antônio Motor e d. Lourdes
É bom lembrar que os caminhões FNM eram feitos pela Fábrica Nacional de Motores, conhecida popularmente como Fenemê, e segundo a Wikipedia, "foi criada inicialmente para produzir motores aeronáuticos, mas ampliou sua atuação para fabricação de caminhões e automóveis. Sua fundação foi no ano de 1942 e veio a fechar em 1988. Ficava localizada em Duque de Caxias, no Rio de Janeiro,  e era uma empresa estatal." 
 Lembro que os caminhões da FNM eram famosos pela sua boa qualidade e desempenho chegaram a ter uma grande participação no mercado brasileiro. Na época que surgiu os caminhões tinham o formato do motor na frente. Já  design dos FNMs  vinham com a frente verticalizada ou seja como se diz no popular de cara chata, como é hoje a grande maioria dos caminhões fabricados em todo o mundo. Não sei as razões do fechamento da fábrica, mas certamente deve ter sido devido a má gestão ou mesmo corrupção já que era uma empresa estatal e naquela época não tinham tanta visibilidade as ações praticadas por gestores públicos.  

O nosso personagem nasceu em Ribeira do Pombal em 18 de abril de 1917 e era filho de Marcelino Florêncio Rocha e Maria Emília de Jesus. Desde jovem que mostrava algumas habilidades e para enfrentar os desafios da vida trabalhou como marceneiro, barbeiro, músico e até como funcionário público municipal no cargo de porteiro de um dos colégios da cidade. 

Uma foto rara da Banda de Antônio Motor. Aí aparecem
alguns músicos que ainda não conseguimos identificar
.
Era um animador de festas com sua banda, muitas das quais marcaram época principalmente quando o Clube Social teve como presidente João Jacobina de  Brito, o Joãozito, que era um bamba em promover grandes bailes de Carnaval e mesmo fora do período momesco. É bom ressaltar que Antônio Motor era um excelente músico  no trompete, mas ele tocava vários instrumentos, entre eles o saxofone,como acontece com muitos maestros por este Brasil afora.

Já os desfiles e festas de rua eram organizados pelo sr. Pedro Souza, dono da Loja A Exposição que juntamente com sua esposa d. Enedina eram muito animados . E a banda de Antônio Motor estava sempre presente animando a rapaziada.  Com o passar dos anos alguns músicos faleceram, e a sociedade também sofreu as mudanças determinadas pelas inovações, surgimento de novos rítmos e artistas. Assim, Antônio Motor desfez a banda e foi trabalhar como porteiro do Colégio Evência Brito - CEB para acabar de criar os catorze filhos. 
Maria de Lourdes e  filhos Cid 
Geovane e Josefa Milena.
"Trabalhou por lá  por duas décadas até que foi vítima de um acidente doméstico quando tentava desentupir uma pia e colocou um desses produtos que vendem no mercado. Ao despejar, o produto atingiu seu rosto perdendo a visão  por completo." Estas informações nos foram passadas por Maria de Lourdes Dantas Reis, que é filha de Antônio Motor. 
A banda  era composta pelos músicos : Antônio Motor, tocava piston e outros instrumentos ; Valdinho , no cavaquinho e os irmãos  Lito Linhares, no saxofone;   Mário Veio, na bateria  e Milton Silva Linhares, também tocava bateria; José dos Santos, o Zé, no pandeiro; Raimundo, conhecido por Dozinho, nas maracas;  Jaime do acordeon ( era da banda, mas não está na foto); Carlito, de Nova Soure, no trombone de vara e Félix no violão, que também alugava bicicletas. Os irmãos músicos, segundo Aguinaldo Bastos, moravam na rua atrás da igreja nova, hoje Rua Júlio Guerra de Almeida, e eram filhos do sr.Cândido Fernandes Linhares, o  Maninho, guarda fiscal e de d. Maria da Silva Linhares, a d. Menininha.

Vemos da direita para esquerda:Antônio Motor, d. Lourdes
e a filha Terezinha , Antônio Choque,genro, e cinco netos.
O versátil Antônio Motor tinha um riso cativante , era muito brincalhão com os amigos. Lembro que sua 
barbearía que ficava ao lado da casa de Ferreira Brito, era muito frequentada e um ponto de encontro para se falar de política, religião e sobre os fatos que ocorriam na Cidade. Ali tudo se sabia e comentava quebrando um pouco o rítmo lento que dominva a pacata Ribeira do Pombal naquela época. 

Informou sua filha Maria de Lourdes que durante " o trabalho no CEB  quando tinha uma folga sentava no fundo na sala para assistir às aulas ministradas pelos professores Juarez Santana e  Aurezi Ribeiro  . Ele tinha um interesse muito grande em aprender e sabia regra de três simples e composta. Tudo ele me ensinava". Foi trabalhar no colégio como porteiro  nomeado  pelo então prefeito Pedro Rodrigues, em 1982, e  lá permaneceu durante vinte anos. 

O nosso personagem faleceu no dia 13 de julho de 2001 deixando  para seus filhos e netos um exemplo de luta e honradez , e durante sua trajetória por este mundo teve por vários anos ao seu lado uma mulher guerreira e trabalhadora que foi d. Maria de Lourdes Santana, a d. Lourdes do Doce. Ela nasceu em Ribeira do Pombal em 6 de julho de 1926. Era filha de Saturnino Rocha e de Carmerinda Santana . Do casamento com Antônio Motor eles tiveram catorze filhos, hoje, sete ainda estão vivos, e como descendentes  vários bisnetos e tataranetos. 

                                                         D. LOURDES DO DOCE

Neste local morava Antônio Motor e aí era 
 ponto de venda dos doces de d. Lourdes
.

Ficou conhecida na Cidade como d. Lourdes do Doce pelas iguarias  que fazia diariamente para vender. Iniciou esta atividade fazendo os pirulitos de mel que a criançada adorava. Depois vieram os mingaus de milho, tapioca e outros, e também vários tipos de doces a exemplo de banana, goiaba, manga e outras frutas da estação. Em seguida passou também a procurar sua clientela em outras ruas e pontos da Cidade através de alguns garotos e garotas que saíam com as bandejas oferecendo suas  iguarias.  Naquela época as crianças iam para a escola, depois faziam pequenos serviços  para ajudar os pais , e à noite estudavam a lição. Hoje, é proibido, e assim muitas crianças pobres não aprendem uma profissão  e depois ficam servindo ao  tráfico e praticando outros delitos em busca de dinheiro.

O negócio foi se expandindo e passou a vender também na Escola Rui Barbosa. Foi com a venda de seus doces, enquanto Antônio Motor desenvolvia suas atividades que eles criaram os catorze filhos com dignidade.Seus doces tiveram tanta aceitação pela qualidade que vinha até gente de fora para comprar. Quando alguém ia para Salvador ou outra cidade costumava levar um doce de d. Lourdes para presentear amigos e parentes. A famosa doceira d. Lourdes do Doce faleceu em 5 de fevereiro de 2002, e nenhum descendente se interessou em continuar na sua atividade.

 Conta uma de suas filhas que mesmo com a casa cheia de filhos, pois eram catorze, "não faltava nada em casa. Lembro  que durante as festas da Padroeira, Natal e outras a gente sempre ostentava roupas novas. Eram calças, camisas, vestidos e sapatos . Todos ficavam contentes com as novas vestimentas. "

D.Terezinha Francisca de Oliveira, a Tela
Já d. Terezinha Francisca de Oliveira, conhecida por Tela, de 90 anos, disse que Antônio Motor teve muitas qualidades boas, passou pela vida com dignidade e deixou uma família linda." Disse ainda que "ele era muito brincalhão, arreliento - ou seja aquele que provoca aborrecimento; arreliante, provocante -  e como sua barbearia ficava ao lado da casa de Maria e Teresa Freire, àquelas professoras que eram muito disciplinadoras com seus alunos, o Antônio Motor ia lá e colocava um pouco de água no leite delas, que ao descobrir ficavam bravas. Outras vezes  apagava o fogo." E concluiu : "O que temos que ressaltar são as qualidades boas de Antônio Motor". Antigamente o fogo para cozinhar era feito com lenha e sempre dava trabalho para acender. Ele gostava de fazer este tipo de brincadeira. Isto serve para mostrar que era um tipo alegre e brincalhão, embora para os padrões de hoje essas brincadeiras podem não ter boa aceitação. 

Dizem que foi em sua barbearia que teria surgido a brincadeira da pescaria do senhor que vendia quebra-queixo quando numa noite de pescaria pras bandas do Caboré uns pescadores malandros se esconderam e perguntaram com a voz gutural "Martin quer enricar?". Martin ficou assustado e voltou para casa correndo e contou à esposa a estranha pergunta. Na noite seguinte Martin levou a esposa e lá depois da meia noite a voz repetiu "Martin quer enricar? A mulher responda, responda! Aí Martin caiu na besteria de responder: "Quero!". Depois de uns segundos de silêncio a voz misteriosa respondeu: "Dê o rabo". Este caso ganhou as ruas e  o vendedor de quebra-queixo teve que ir embora de Ribeira do Pombal.

Entre os catorze filhos de Antônio Motor e d. Lourdes apenas sete estão vivos a saber: Camerinda Santana Rocha,Terezinha Santana Rocha, Lindalva Rocha Goes, Oswaldo  Florêncio Rocha, Saturnino Santana Rocha, Maria de Lourdes Dantas Reise e José Florêncio da Rocha, que hoje é porteiro do CEB, onde o pai trabalhou.  

A professora Aurezi Ribeiro  lembra com
carinho de Antônio Motor no colégio.


A professora  Aurezi Ribeiro Santana informou  que concluiu o   seu curso "de Magistério em 1975, no CEB e no ano seguinte ou seja em 1976 já começou a lecionar Matemática naquela instituição onde permaneceu até 1982. Durante todo este tempo, o sr. Antônio Motor frequentava a sua residência por pouco tempo. Ele levava a maior parte do seu tempo no colégio e só ia para casa depois das 22 horas quando as aulas  eram encerradas. Muitas vezes o encontrei sozinho sentadinho numa cadeira.  Podemos dizer que ele exercia várias funções de porteiro, vigilante, assistente de professores e da Direção e muito mais dos alunos , foi até delegado para resolver conflitos entre alunos e ainda foi estudante voluntário. Por ser sábio nos momentos de tranquilidade ele sentava-se ao lado de uma determinada sala e assistia a aula que estava sendo ministrada. Digo  isto porque de quando em vez  ele fazia alguns comentários sobres assuntos das aulas. "

E continuou " sempre o via fumando um cigarro que estava mais para charuto. Era preto e de odor forte. Talvez fosse feito do chamado fumo de corda que vende na feira de Ribeira do Pombal. 

Por um período ele e sua esposa d. Lourdes do Doce arrendaram a cantina do colégio e vendiam o mais saboroso, e também mais caro lanche. Era o famoso pão com goiabada. Somente os que tinham mais dinheiro podiam comprar. Lembro que  na hora do recreio ele ia ajudar a despachar os estudantes. Portanto, guardo  uma lembrança muito carinhosa do sr. Antônio Motor. Ah! Lembrei de uma historinha: Ao engravidar começava a dar aula por volta das 13 horas e o sono queria me pegar. Ele sempre vinha tirava do bolso uma balinha e me oferecia para espantar o sono". E concluiu :"Quando das comemorações dos 50 anos do Colégio Evência Brito - CEB eu deixo esta  pergunta o sr. Antônio Motor foi lembrado ou homenageado?" Infelizmente esqueceram do dedicado funcionário. São coisas que precisam ser reparadas.

 NR- Quero mais uma vez agradecer a Hamilton Rodrigues por sua parceria e disposição  em buscar os depoimentos das pessoas. Não conseguimos uma foto sequer da banda de Antônio Motor e nem mesmo ele trabalhando na barbearia e  no colégio. Se alguém tiver alguma dessas imagens entre em contato com Hamilton Rodrigues ou comigo para enriquecer este texto.




quinta-feira, 27 de janeiro de 2022

CENTENÁRIO DE NASCIMENTO DO MAJOR COSME DE FARIAS

   Escrevi este texto  1975 em homenagem ao Centenário de Nascimento do Major Cosme de Farias, este sim um verdadeiro herói, um homem que merece todas as homenagens, inclusive  sua vida ainda está por merecer um livro e  filme de boa qualidade. Portanto,  em abril deste ano de 2022  completará   147 anos do seu nascimento. Viveu para ajudar os menos favorecidos  e lutar contra o analfabetismo. Morreu pobre, e hoje é esquecido pelos que deveriam sempre lhe homenagear.

A TARDE - Quarta-feira , 2 de abril de 1975

Texto de Reynivaldo Brito

Esta foto revela no seu olhar a altivez.

Transcorre hoje o centenário de nascimento de um homem que fez toda a Bahia chorar no dia 15 de março de 1972,quando, às 4h e 40 min, partiu para a eternidade num quarto do Hospital Português. Enquanto viveu, dedicou-se de corpo e alma em defesa daqueles que necessitavam. Este homem chamava-se simplesmente Cosme de Farias e mais tarde ganhou uma patente, passando a ser chamado de Major Cosme de Farias. Deputado estadual pelo MDB, ex-vereador em várias legislaturas, o provisionado mais famoso que a Bahia já teve e principalmente o amigo dos humildes.

Era um rábula, não passou pelos bancos acadêmicos, foi no entanto, um grande advogado a ponto de existir um movimento, há alguns anos, com vistas a conceder-lhe o título de “Doutor Honoris Causa.Este título, que não chegou a lhe ser outorgado por injustiça, foi compensado  peIo carinho de toda a Bahia que lhe carregou nos braços da Igreja de São Domingos, no Terreiro de Jesus, onde tinha um humilde escritório, até o Cemitério da Quinta dos Lázaros. Injustiça, porque ninguém na Bahia mereceu mais uma homenagem de uma instituição do ensino de Direito do que Cosme de Farias.

ACOMPANHEI

O Major no Hospital Português.

Acompanhei de perto, durante seus últimos anos de  vida, o seu trabalho e,  diversas vezes, por dever da  profissão, estive em sua residência para entrevistá-lo. Sempre o encontrei disposto, mesmo nas horas mais  difíceis, quando tive a oportunidade de fazer a última  entrevista dada por ele, que o jornal A Tarde  publicou no dia 10 de março de 1972 o velho Cosme  estava deitado num quarto do Hospital Português.

Eram 15 horas. Ninguém o acompanhava.  Começamos  a conversar sobre o seu trabalho na  Assembleia Legislativa e sobre a oposição. Ele ouvia atentamente e de vez em quando levantava-se e falava com vigor da oposição e da Campanha Contra o  Analfabetismo. Quando lhe perguntei como ia a Campanha,  respondeu: "A Campanha Contra o Analfabetismo não pode dormir, não pode esperar. Ela vai continuar no duro e na raça". Em seguida indaguei qual seria a sua orientação, quando reassumisse o mandato, na Assembleia Legislativa , disse: "Temos que agir. A oposição não pode parar ".

Vemos, portanto, que, mesmo naqueles momentos difíceis e derradeiros, o Major Cosme de Farias continuava lúcido e com muita vontade de trabalhar. Basta dizer que já enfermo, determinava providências, mantinha em dia a sua correspondência e requereu alguns “habeas-corpus". Talvez, ninguém tenha requerido tantos "habeas-corpus", quanto o Major Cosme de Farias.

                                                PRESENTES

        O Major tinha uma mania de dar presentes. Uma flor, um sabonete e mesmo um         versinho num envelope amarrado com uma fitinha verde-amarela. Certa vez, fui             entrevistá-lo na residênca de seu afilhado Antônio Pinto e o Major conversava com outro   seu  protegido. Estava ordenando que o rapaz fosse ao Palácio de Ondina. A ordem era         para   levar um presente para o então Governador   Antônio Carlos Magalhães. E o presente    era um sabonete enrolado num papel especial, amarrado com uma fitinha verde-    amarela. O rapaz mostrava má vontade em cumprir as ordens do Major e ele virou-se       para mim e disse: “É meu filho, eu estou criando cobra para me morder”. Aos diretores   de Jornais e autoridades o Major sempre enviava um presentinho e flores para suas   esposas . Ele estava sempre dando presentes e também enviava suas trovas que A     Tarde  publicava com carinho. Quando a publicação estava demorando telefonava ou     mandava um bilhete lembrando e exigindo a publicação.

                                                     NO JÚRI

Crianças visitando seu busto.

 Quando de sua morte, A Tarde publicou uma declaração   do promotor Sena Malhado que atuou por diversas   vezes  contra o Major Cosme de Farias, travando   famosos debates. Disse, naquela época o promotor:    "Sempre fomos ótimos  amigos,   apesar de fortes debates que travamos. O entusiasmo   de  nossas discussões não afetava em nada nossa amizade pessoal.

O Major foi sempre muito correto e amável comigo. Fui realmente o promotor que mais acusou réus que ele defendeu. Começamos em 1928, no então chamado “Pequeno Júri", depois passamos para o "Grande Júri". Sempre admirei sua tenacidade e dedicação a seus clientes, alguns criminosos sem a menor possibilidade de defesa que ele fazia tudo para libertar. A notícia de sua morte me comove principalmente  porque, com ele, desaparece também grande parte de minha vida profissional".

Contam-se vários casos curiosos nos Júris  em que pontuou o velho Cosme de Farias. Um deles que certa vez ele foi defender um sapateiro que tinha um defeito físico e todos os dias alguns estudantes passavam e o chamavam por um feio apelido. Certa vez, o sapateiro conseguiu pegar um dos estudantes e o matou. Foi preso e, em seguida, enviado à Casa de Detenção. Chegou a hora do Júri. O Major Cosme de Farias foi chamado para defendê-lo. Quando o Promotor e o advogado de acusação começaram a falar, o Major entrou em ação.Todas às vezes que eles pegavam no Código Penal para fazer citações, ele vinha e tomava o livro. Fez isto algumas vezes. À certa altura o promotor irritou-se e começou a perder as estribeiras. Aí o Major começou a defender o acusado, alegando que se por tão pouco, ele ficara irritado. Imagine um homem com um defeito físico que, diariamente, durante alguns anos, era massacrado com apelidos e brincadeiras de mau gosto. O réu foi absolvido.

Outro caso é que o Major teria iniciado sua carreira de "rábula" por uma simples coincidência. Trabalhava num Jornal da época e foi mandado ao Fórum para uma cobertura. Antes de começar o seu trabalho, entrou numa sala onde um ladrão estava sendo julgado, no chamado "Pequeno Júri ".

Começou a observar que o acusado não tinha advogado e o Juiz amigavelmente chamou-o para defendê-lo. Conseguiu absolver a vítima. Desde aquele dia para cá, nunca mais deixou de defender os humildes.

                                        PERSONAGEM

Até o escritor Jorge Amado tinha uma extrema admiração pelo Major Cosme de Farias e considerava-o "uma das mais autênticas figuras da vida popular baiana". Reunia, no dizer do escritor, “das nossas melhores   qualidades em sua vida, foi toda um ato de amor". Por isto é que o Major figura como personagem do livro Bahia de Todos os Santos  e tem um capítulo no Tenda dos Milagres, que foi todo inspirado em sua personalidade.

Além de personagem dos romances de Jorge Amado, o Major era sempre uma figura presente nos principais Jornais da Cidade e de outros estados. A revista "Veja" chegou a fazer uma ampla reportagem sobre seu trabalho em defesa dos humildes.

                                   SUA CARTILHA


Vários diretores da Imprensa Oficial - hoje Empresa Gráfica da Bahia - foram procurados pelo Major Cosme de Farias, que queria sempre editar um maior número de sua "Cartilha  do ABC", que, para ele. "é a Chave da Sabedoria da Liga Baiana Contra o Analfabetismo. Estou diante de uma dessas cartilhas  que me foi ofertada pelo Major, embora esteja escrito em sua capa que ela é “Para as crianças proletárias". e em  letras maiores tem a inscrição "Distribuição Gratuita". Ao lado capa de sua Cartilha. 
Logo na primeira página,  tem um bilhete aos professores. Dizia ele: “Professor amigo: Tenha paciência com a criança ao apresentar  esta Cartilha. Ajude-a. Será um relevante serviço à nossa Pátria . Muito grato. Cosme  de Farias" . Em suas Cartilhas, que foram distribuídas aos milhares, ele incluía o  Hino da Campanha do ABC de sua autoria, que é o seguinte: 
 "Pelo bem da nossa Pátria , / Florão Gentil do Civismo, / Moços e velhos erguei-vos /Contra o Analfabetismo! /

 Estribilho / Desfruta muitos prazeres, /Uma alegria sem par,/ Toda pessoa que sabe / Ler, escrever e contar! / O término da Ignorância /Diversos males produz, / Male-se, pois, este "bicho" / Dentro de um jorro de  LUZ)!/ A Ciência é um Tesouro./ Tesouro de Alto Valor, / Quem dedicar-se aos estudos / Pode  ser dele o senhor! /O Brasil será maior. / Oh que Nação respeitada! / Quando toda a sua gente / Por uma gente lê estrada! /Corações grandes e nobres / Vinde, sorrindo, ajudar / A meritória Campanha / da Instrução Popular! / —

Estribilho — Desfruta muitos prazeres. / Uma alegria sem par, /Toda a pessoa que sabe / Ler, escrever e contar!" 

        Sem dúvida, o Major Cosme de Farias foi o precursor do movimento contra o                  analfabetismo no país, que veio a se institucionalizar, anos depois, com a criação              do  Movimento Brasileiro de Alfabetização — Mobral.

Trazia ainda sua Cartilha, além das sílabas para serem soletradas pelos alfabetizantes, nomes de músicos, militares, oradores sacros, Jornalistas, poetas, estadistas, magistrados, médicos populares, engenheiros distintos, marujos e professores primários brilhantes. Nesse último grupo ele destacou o professor Vicente Rodrigues Palha, o primeiro educador das crianças do Brasil e vindo de Portugal, para a Bahia, com Tomé de Souza, o primeiro Governador do Brasil, em 1549. Abriu aqui, em  Salvador, logo que chegou, uma escola primária para os crianças e filhos dos portugueses".

                                  ÚLTIMAS VONTADES

O Major Cosme de Farias, em 1963, no dia 2 de abril, escreveu suas últimas vontades, embora vivesse  ainda nove anos. Eis o seu testamento a título de lembrança: "Minhas Últimas Vontades " — Caso o Governo do Estado, a Assembleia Legislativa, a Prefeitura deste Município ou a Câmara de Vereadores do Salvador, queiram, num belo gesto de fidalguia espiritual, fazer o meu enterro, dispenso esta dedicada atitude. Quero ser sepultado em cova rasa na Quinta dos Lázaros, sendo o meu caixão de 3ª classe, tendo por cima apenas uma florzinha. Se algumas pessoas generosas quiserem oferecer-me coroas e capelas, peço-lhes, muito reconhecido, que apliquem o dinheiro destinado à compra das mesmas, em favor de casas-pias como, por exemplo, a Vila Vicentina, Instituto Alberto de Assis, antigo Instituto dos Cegos da Bahia, o Orfanato Ruth Aleixo, Abrigo Bom Pastor, Orfanato Conde Pereira Marinho, o Colégio dos Órfãos de São Joaquim. Faço questão para que, ao descer o meu corpo à terra fria, um corneteiro civil ou militar dê o toque do silêncio, recebendo, para este flm, como gratidão a simples importância de cinco mil cruzeiros.
A visita das crianças ao mausuléu na Quinta dos Lázaros.
Oxalá que, assim, eu logre ter descanso na Eternidade.Escrevi e publiquei, há tempo, a respeito, esta quadrinha:

Quando eu morrerCorneteiro, / Alma piedosa e nova. / Tocai, por favor, Silêncio ! / Juntinho da minha cova! 

"Não deixo dinheiro para ninguém porque morro limpo financeiramente e sem dever nada a ninguém. Deixo, apenas, a todos os meus amigos, camaradas e admiradores, homens e mulheres, em geral, um apertado e afetuoso abraço de gratidão e Jesus que a todos recompense e proteja. Rogo aos distintos confrades da Liga Baiana Contra o Analfabetismo, especialmente o Dr. Ponciano Pereira da Fonseca, Professor Valdir Oliveira, Tenente Artur Brandão de Barros, Claudionor Sanches, Antônio Fernandes Pinto, Capitão Bernardo Assis, Professor Demóstenes do Bonfim Alves e Antônio Luís de Oliveira Franco que não deixem, absolutamente, a  Instituição desaparecer, porque será uma tristeza e uma vergonha para a Bahia".

A seguir, o Major Cosme disse: "Não levo para as paragens misteriosas do  Além, nem ódios e nem ressentimentos de ninguém. Amei e perdoei sempre durante a minha vida inteira. Fiz do Bem o meu Perdão e do Trabalho honesto o meu Escudo”. Relacionou a seguir uma série de instituições a que pertencia e finalizou:

"Peço. ainda, aos amigos que quando terminar o tempo de minha hospedagem no referido Cemitério,tirem os meus ossos, deitem-nos numa caixinha de flandres ou mesmo de papelão e os coloquem no modesto mausoléuzinho n. 56, das Catacumbas da Igreja do Carmo, onde já estão os restos mortais do meu prezado pai, da minha saudosa mãe e do meu querido irmão Cícero Farias. Deixo, ali, ainda um lugar para os ossos da minha dedicada esposa. São cinco lugares, ao todo, porque não tenho filhos e nem parentes.Minha esposa já é falecida desde 5 de dezembro de 1962. Salvador 2 de abril de 1963 - Ass: Cosme do Farlas.

                                             NÃO QUERIAM

 Há alguns anos, o velho Cosme de Farias era suplente de deputado e o então presidente da Assembleia Legislativa não  queria empossá-lo para substituir o titular da cadeira que tinha se afastado.  Então jornal A Tarde fez uma ampla campanha para que Cosme assumisse a cadeira de deputado a que tinha direito. A campanha foi vitoriosa e logo depois o Major enviou um exemplar do livro "O Bom Homem Ricardo", para que o dr. Cruz Rios desse a seu filho com uma dedicatória. ( Dr. Cruz Rios era um dos diretores do jornal). 

Este livro reúne vários textos e foi  muito popular durante  Brasil Império, e era leitura obrigatória nas escolas de então.  Elaborado a partir do Almanaque do Pobre Ricardo - Poor Richard's almanacks - publicado anualmente por Benjamin Franklin, com a idade de 26 anos, a partir de 1732 até 1758.

 Além de advogado e político, Cosme de Farias militou na imprensa baiana especialmente no jornal “O Imparcial" que abrigou em suas páginas escritos de vários  intelectuais baianos. Escreveu também uma coluna no jornal A Tarde as suas "Linhas Ligeiras". Quando acontecia um pequeno atraso na publicação, ele enviava alguns bilhetinhos reclamando.Mas, era sobretudo um abnegado e foi defensor de José de Circuncisão e Silva e de Artur Cunha, sendo que o primeiro atentara contra a vida de José  Meirelles, então Governador da Bahia, e o segundo matara um filho do Governador com um guarda-chuva, na Rua Chile, conseguindo libertá-los depois de vários júris, dando assim uma lição a grandes advogados que negaram-se a defendê-los.O velho Cosme deixou dois livros editados: "Estrofes”, de versos, e "Lama e Sangue", sobre política.

                                           AS SOLENIDADES

"A Diretoria da Liga Baiana  Contra o Analfabetismo criada por Cosme de Farias está convidando as autoridades civis e militares e eclesiásticas, amigos e admiradores do saudoso Major para assistirem à missa em Ação de Graças que será celebrada hoje, às 9 horas, na Catedral Basílica do Salvador, pela passagem do Centenário de Nascimento do seu eterno presidente. Após a missa será prestada na sacristia do templo, uma homenagem póstuma, quando falará o Professor Valdir Oliveira e, em seguida, todos irão visitar o seu busto, localizado no Largo do bairro que tem o seu nome, e de lá irão ao Cemitério da Quintas dos Lázaros, para inauguração de uma campa no local da sua cova, onde serão depositadas flores naturais . Também, haverá uma concentração cívica e outras solenidades no Complexo Escolar que tem o seu nome.

NR - Não lembrava deste texto entre muitos outros que escrevi . Porém, meu colega  e amigo Valber Carvalho , autor da excelente biografia A Vida de Irmã Dulce  , ao fazer suas pesquisas encontrou e me mandou uma foto da página do jornal. Aí fui pesquisar e com ajuda de outro amigo Rubens Coelho consegui o original em pdf e agora reproduzo . O nome do autor das fotos não está porque ainda não consegui identificá-lo. Naquela época os jornais não publicavam o nome do fotógrafo. Logo que identificar vou colocar.

 

 

 

 

 


sábado, 22 de janeiro de 2022

O POLÍTICO QUE SÓ QUERIA SER DELEGADO

Paulo Cardoso foi mais de 18 anos delegado de polícia.
Por anos a fio ele sustentou uma oposição aos Brito, antes faziam a política juntos, mas  por alguma razão ainda não muito clara decidiu romper e seguir outros líderes partidários. Rompeu  inclusive com seu irmão que acabara de ser eleito deputado estadual Oliveira Brito e seu cunhado José Domingues Brito e Silva, o Ferreira Brito. Trata-se de   Paulo Cardoso Oliveira Brito, seu Cardoso, isto mesmo irmão de Oliveira Brito, o ex-Ministro, das Minas e Energia e da Educação no Governo de João Goulart , nome mais proeminente da política  da região nascido em Ribeira do Pombal, com vários mandatos na Câmara Federal e uma figura de destaque na política nacional. Assim, seu Cardoso passou a ser  o líder dos chamados bocas pretas que seguiam o então Interventor  da Bahia, o general Juracy Magalhães, um dos mais eminentes próceres da União Democrática Nacional- UDN , que durante o regime militar chegou a ser Chanceler do Brasil.  Quando nomeado Interventor  era tenente do Exército, e fora um dos articuladores do golpe que acabou no Brasil, com a chamada República Velha. Os seguidores do Partido Social Democrático - PSD eram chamados de bocas brancas. 
Paulo Cardoso votando numa
das eleições majoritárias.
Quem lembra bem  das histórias de seu Cardoso  é seu filho Nilson Brito  que já foi prefeito de Ribeira do Pombal, e até hoje continua na política. 
Nilson Brito relatou  que seu avô, chamado de coronel Brito ou de Velho Brito, proprietário daquele belo sobrado que infelizmente foi demolido, "mandou meu pai e seu irmão Oliveira Brito para estudar perto de Tobias Barreto, que tinha uma escola boa . Quando concluiram o primário saíram daqui a cavalo até a cidade de  Rio Real onde pegaram um trem para ir para Salvador continuar os estudos.  A nossa regiião era muito atrasada. Oliveira Brito sempre querendo estudar Direito e meu pai insistia em  seguir a carreira militar. Ele tinha mania de  querer ser militar. Mesmo quando voltou para cá e fazia política não fazia questão de ser prefeito. Meu pai só queria ser Intendente que era o que equivale hoje a  prefeito. Naquela época o cargo de  Intendente  era uma espécie de magistrado da polícia. Ribeira do Pombal não tinha comarca e o Intendente era juiz, promotor e o mandante da força policial.    Quando Getúlio Vargas ganhava   Manoel Américo Passos  nomeado  Intendente, que era do Partido Trabalhista Brasileiro - PTB , partido fundado pelo caudilho gaúcho.   Quando veio a redemocratização meu pai era o Intendente, cargo que foi extinto passando a ser chamado de delegado de polícia. "
                                         
                                            POLÍTICA DIVIDE FAMÍLIA
Continua Nilson Brito em seu depoimento dizendo que "nesta época existiam alguns  partidos: União Democrática Nacional - UDN era dos Pinto Dantas, de Itapicuru, Bahia  ; Partido Social Democrático-PSD , fundado em 1945, tinha como líder regional o Coronel João Sá , de Jeremoabo,Bahia,  e era o mesmo partido de Oliveira Brito ; já o Partido de Representação Popular - o PRP reunia  os integralistas que vestiam camisas verdes e seguiam o líder político de Serrinha,Bahia,  Rubem Nogueira ; o Partido Trabalhista Brasileiro - PTB era o de Getúlio, e o líder aqui chamava-se  Manoel Américo Passos, e o partido comunista não conseguia registro . Se tinha mais outro partido não lembro".
Nilson Brito há muitos anos segue
 o caminho do seu pai na política.
Continua Nilson Brito "sempre tive vontade de juntar Nilton Brito, meu irmão, que infelizmente faleceu, e Hélio Brito, que hoje está enfrentando um problema de saúde, para que eles contassem o que realmente aconteceu que gerou este desentendimento entre meu pai e o grupo de seu irmão Oliveira Brito. Tenho comigo uma ata onde meu pai renuncia à seu cargo de Intendente  para que seu cunhado Ferreira Brito se candidatasse, senão não poderia ser candidato. Daí em diante sei de toda a trajetória. Gostaria de fazer um memorial contando toda esta saga."
Edson Brito também faz  política.
Mas, seu irmão Edson Passos Brito me revelou  uma versão plausível. Disse ele que " conversava muito com meu  pai que foi Intendente com apenas 22 anos de idade na ocasião em que Lampião chegou em nossa  Cidade, em 1928. Ele recebeu Lampião e seus cabras no sobrado dos Brito, onde morava . Já em 1940 era novamente Intendente, e se afastou para Ferreira Brito ser candidato. Depois a família não o apoiou como tinha acertado.  Neste acordo ficara combinado que ele apoiaria seu irmão Oliveira Brito para deputado estadual e a família apoiaria seu compadre e candidato a deputado federal Dedé Guimarães. Meu pai cumpriu o acordo apoiando seu irmão  Oliveira Brito que foi eleito, mas a família  se juntou aos integralistas , que antes eram contra. Aí ele se revoltou, e a partir daí virou oposição." Estávamos nos anos 1950 quando os Brito e os integralistas elegeram para prefeito José Leôncio Chaves que governou de 1951 a 1955.
Prossegue Edson Passos Brito dizendo que "certa vez perguntou a seu pai Paulo Cardoso de Oliveira Brito por quê ele fazia questão de ser delegado, já que ficou nesta função por mais de dezoito  anos, em períodos diferentes.  Daí em diante ficou na oposição . Ele me respondeu que  precisava  ocupar um espaço na sociedade e  na política , e a forma que encontrou foi sendo delegado de polícia. "

O patriarca coronel Brito sentado ao centro, tendo  do lado
Oliveira Brito ; a criança é Nilton, filho de Paulo Cardoso;
e Maria Pureza . Em  pé Adelino ( Britinho ), Emanoel 
 ( Elzito) Maria Guadalupe ( Marocas  )  , Josefa ( Zelita ),
 Evência ( Sinhazinha )(  Foto 2. O imponente sobrado
dos Brito, que infelizmente foi demolido. 
Já Nilson Brito relembra da atuação política dos integralistas  Antônio Nascimento, Moisés Fonseca, Evandro Costa ; Terezinha Ferreira Costa , a Tela Borges; Leopoldo Borges, Salvador Costa e  Joaquim Costa, dentre outros . "Era um grupo forte que combateu meu pai. O curioso é que muitos deles moravam na mesma rua de pai, a Rua do Capim, eles conseguiram derrotá-lo. Depois se uniram a meu pai apoiando a candidatura de  Antônio Nascimento, quando foram derrotados por Ferreira Brito."
Afirma ainda Nilson Brito "que a minha trajetória política não foi fácil. Sempre segui o meu partido votando nos cunhados da família Bacelar  e  nos candidatos do grupo até hoje."
 Lembro que lançamos  Dr. Décio de Santana como candidato a prefeito  e ganhamos, fizemos 80% da Câmara de Vereadores e Ferreira Brito não teve coragem de se candidatar. Teve uma influência de sua tia Maria Perpétua, Santinha, que o incentivou a se candidatar enquanto ele relutava."
Lamenta Nilson Brito a morte de dr. Décio de Santana que logo depois de ser assaltado em seu sítio veio a falecer.  "Infelizmente  ele morreu antes de batizar minha filha ." Concluiu Nilson Brito dizendo que "sou político, mas não brigo com adversário. Gosto de conversar , contar história e de ser pacificador."

                              MUITAS DISPUTAS E CONTROVÉRSIAS
Um dos seguidadores do grupo de seu Cardoso,   é o comerciante João Alfredo Bitencourt, de 76 anos, que  desde jovem se envolveu na política acompanhando o seu pai Alfredo Almeida Bitencourt, que era seguidor dos bocas pretas. Diz ele que "ainda na década de 50  era adolescente e conheci seu Cardoso através de meu pai . Naquela época ele era um dos chefes políticos e comandava o partido União Democrática Nacional - UDN. Garoto ainda acompanhava esses passos."
Comerciante João Alfredo  Bitencurt tem boas
lembranças da política de Ribeira do Pombal
.
E continua : " Meu pai era também muito amigo de Ferreira Brito.Quando me tornei adulto continuei envolvido na política através de seu filho Nilson Brito, que foi candidato a vereador em 1962, quando dei meu primeiro voto. Votei no Nilson, embora não tivesse aproximação com ele. Foi o vereador mais votado . Nilson é muito jeitoso, habilidoso. Na época segui a UDN. Aqui era muito difícil ser oposição porque tinha a liderança de Oliveira Brito e Ferreira Brito que eram muito fortes. Tinham o poder nas mãos. Porém, sempre com a liderança de Cardoso Brito e depois de Nilson Brito, e com a ajuda da minha professora  Maria Amélia Passos Brito, que era adepta de Cardoso fomos em frente . Votei em Lomanto Junior para Governador e para prefeito em  Cledionor Ferreira Rocha , o Nozinho, que foi  uma espécie de anti-candidato. Fomos derrotados" 
E continuou "  Em 1966  Cardoso  estava mais velho, ai entraram outros membros da sua família, e Nailton Brito   se candidatou a vereador e votei nele. Foi quando Pedro Rodrigues da Conceição foi o candidato escolhido por Ferreira Brito , e terminou sendo o candidato único.  Depois nós da UDN voltamos para a oposição. Ai eu já estava mais ativo , com Kleber Morais , filho de Antônio Nascimento, e outros continuamos . Ele fez uma boa gestão para a época. Veio 1970 ai Nilson Brito estava forte, mas sem base para se candidatar a prefeito. Criou-se a candidatura de dr. Décio de Santana através dos estudantes e outros segmentos  da sociedade pombalense,  e contou com a simpatia de políticos tradicionais. Aí o grupo político de Pedro Rodrigues e Ferreira Brito terminou rendendo-se à candidatura de dr. Décio de Santana, que foi o candidato único. Houve um acordo meio confuso para dividir o mandato com Nilson Brito,  que governou de 1970 a 1972."
Prossegue João Alfredo "chegando ao poder dr. Décio de Santana ligou-se muito a Nilson Brito e à sua esposa Lúcia Bacelar, que foi ser a Secretária de Educação do Município, fortalecendo o grupo de Cardoso Brito.l ." Ressalta João Alfredo "pense numa eleição disputada entre Nilson Brito, pela UDN,  e Ferreira Brito, do PSD. Disputei a primeira eleição de vereador. Banzaê pertencia a Ribeira do Pombal. Praticamente me elegi na Mirandela que era o reduto de meu pai. Nilson Brito perdeu a eleição para Ferreira Brito que tinha uma forte ligação popular. Nilson Brito e eu fomos para a oposição. Fizemos uma bancada de 7 entre os 13 vereadores, e ficamos com a Presidência da Câmara quando  foi eleito  dr. Hélio Brito Costa , que fez um grande trabalho na Câmara. "
                                         AMIZADE DURADOURA 
O comerciante e político João de Alfredo fez  questão de ressaltar que " foi  amigo pessoal de Paulo Cardoso. Lembro que  tinha um comércio na Rua Presidente Kennedy, a gente sentava e conversava sobre os mais variados assuntos. Era um homem  sério, honesto e  de pouco falar. O legado dele foi muito importante para esta Cidade. "
Paulo Cardoso jovem e seu pai o coronel Brito.
João Alfredo disse que tinha  uma história para contar. Vejam: "Já garoto por volta de 1957 a 1958 meu pai se envolveu numa disputa de terras na Mirandela, e o caso terminou na delegacia onde seu Cardoso era o delegado. Quando meu pai chegou ele o abraçou , amigo que era dele. Aí disse:"Alfredo fique tranquilo eu sou amigo dos meus amigos. E você é um deles" . Eu tinha por volta de uns 10 anos e foi uma das coisas que me fez ter amizade e gratidão a Cardoso Brito. Me criei assim e continuei seu amigo até ele falecer."
Diz ainda João Alfredo Bitencourt que " não tinha tradição política. Assim, fui me envolvendo e  conheci Ferreira Brito, sendo candidato a vice-Prefeito na chapa de Edval Calazans, em 1976. A chapa vinha toda da Mirandela e desagradou alguns pombalenses. Foi uma eleição terrível. O candidato do outro lado foi Pedro Rodrigues da Conceição, que tinha feito um trabalho  bom na Prefeitura e Antônio Bernardo como vice. Conseguimos ganhar por noventa  e poucos votos. A política é danada, eu ainda novo e  inquieto terminei logo, logo indo para oposição. O mandato foi prorrogado até 1982. Nesta época  a oposição estava forte e formamos um grupo independente com  Nelson Gonçalves, médico benquisto, Antônio Rodrigues dos Santos,o Tota Santos; Antônio, da Passos Nobre; João Batista da Silva, o  Zito da Cachaça; José Alves da Silva, o Mendonça; Salustiano Barreto de Mendonça, o Salu; José Martins Carvalho, o Zé Bagaço; Antonino Ferreira Nobre, o Vandinho; e terminamos indicando o candidato a prefeito. O candidato que tinha voto era Nilson Brito e no acordo  decidimos por Pedro Rodrigues, que não tinha dinheiro nem voto, mas era bom recebedor de votos . Nilson Brito mostrando sabedoria política apoiou  e saiu como vice prefeito  para  enfrentarmos Ferreira Brito, que veio com seu  filho José Renato na vice . Eu saí candidato a vereador, Tota Santos também. Fui eleito vereador, o mais votado ,  e a seguir por unanimidade Presidente da Câmara dos Vereadores. Terminei voltando para oposição, depois de Tota Santos arranjar umas encrencas por lá ," conta rindo
D.América Passos e Paulo Cardoso.
 E continuou o seu depoimento " Em 1985 morre Ferreira Brito ai muda tudo no quadro político de Ribeira do Pombal . Estávamos na oposição e nos aliamos a José Renato. Votamos em Waldir Pires, e saímos vitoriosos. Quando chegou em 1988 estávamos na oposição e Nilson Brito seria o candidato. Com a chegada do filho de Edval Calazans, que tinha sido prefeito,  Edvaldo Cardoso Calazans , o Dadá,  que chegara de Aracaju, Sergipe, criou um impasse e impôs a sua candidatura. Não aceitamos a imposição do  Dadá e  aí saímos candidatos, inclusive com  Nilson Brito e eu como o vice. Éramos nesta época inimigos políticos, mas fizemos um acordo . Houve resistência do grupo de Nilson, mas finalmente fizemos o acordo e saímos para a disputa. Ganhamos  a eleição contra o  dr. Nelson Gonçalves, que tinha ganho a disputa com o Dadá para sair candidato. Fizemos 10 vereadores e coloquei meu filho José  Augusto como candidato a vereador, sendo eleito. Ganhamos folgado para o médico  Nelson Gonçalves  . Fiquei honrado em você me escolher para falar de Cardoso Brito".
                                        
                                                             LAMPIÃO NA  CIDADE
Foto 1- a famosa foto tirada pelo maestro e alfaiate Alcides
Braga vemos da esquerda para direita: Lampião, Ezequiel 
(seu irmão), Moderno,Luís Pedro,Antônio de Engrácia,Jurema,
Mergulhão e Corisco .Foto 2- Paulo Cardoso e parte de sua
família. Foto 3. Sua casa na então Rua do Capim construida
em 1934.
No dia 17 de dezembro de 1928 a Cidade de Ribeira do Pombal ficou em alvoroço com a chegada de Lampião e mais sete cabras , passagem  registrada nesta foto famosa tendo ao fundo a igreja matriz de Santa Tereza D'ávila , padroeira da cidade cuja foto foi feita pelo maestro e alfaiate Alcides Fraga. Quando a gente observa a foto com mais atenção vemos pessoas em frente as suas casas olhando tranquilamente o bando sendo fotografado.
O fotógrafo Alcides Braga era também o maestro  da Filarmônica XV de Outubro.  Segundo meu amigo  o jornalista e historiador Oleone Coelho Fontes autor do livro Lampião na Bahia, o cangaceiro foi bem recebido e chegou até a comer cuscuz de milho com seus capangas no sobrado dos Brito. Esta cortesia dos pombalenses  na época irritou as autoridades baianas que estavam no encalço do bandoleiro. 
Esta versão foi complementada por Nilson Brito, filho de Paulo Cardoso, dizendo que "o mensageiro de Lampião bateu na porta do sobrado dos Brito por volta das 6 horas da manhã. A porta foi aberta pelo mordomo, cujo nome ainda não consigo lembrar ,  era um homem negro e forte, e a exigência é que o Intendente  mandasse recolher os policiais ( macacos),  como Lampião os chamava, que ficavam na cadeia pública localizada  nas imediações da pensão de Pedro Tibúrcio, portanto, próximo do sobrado dos Brito. Os policiais receberam orientação de ficarem quietos.Lampião e seu bando tomaram  um farto café com cuzcuz de milho, ovos fritos e outras iguarias."  
 Paulo Cardoso de Oliveira Brito ainda era o Intendente, e teve  que negociar pela segunda vez com Lampião. Depois de tirar aquela foto e seguir viagem  meses depois  Lampião  retorna e ficou acampado no Tabuleiro entre Pombal e Tucano, e como de costume mandou seu mensageiro avisar que estava necessitando de uma certa quantia em dinheiro. Foi feita uma arrecadação entre os moradores mais abastados , não foi a quantia que ele queria, mas Lampião aceitou, e seguiu viagem." Esta negociação que não se sabe exatamente os termos  evitou qualquer problema ", confessa Nilson Brito.
Lampião já conhecia o coronel Brito,   que tinha uma fazenda nos Troncos,  municipio de Cícero Dantas. Lampião tinha na região os pontos certos para se abastecer de produtos de primeira necessidade,  também de bebidas e dinheiro.  
Paulo Cardoso de Oliveira Brito, nasceu em Ribeira do Pombal em  4 de maio de 1906 e faleceu em 28 de outubro de 1995. Era filho de Antônio Ferreira de Brito ( o coronel Brito) e Evência de Oliveira Brito, também falecidos.  Era casado  com d. América Passos Brito , nascida em 19 de fevereiro de 1912 e faleceu em 4 de janeiro de 2003. Tiveram onze filhos a saber: Domingos Nilton Passos Brito e Nilza   (falecidos) , Nailton , Paulo Américo , Nilson, Nadilza ( falecida) , José Naydson ( falecido) Edson, Nathan, Dilson e Maria Iranice Brito Caribé,  e no seu segundo relacionamento  José Adilson Alves Feitosa. Atualmente como descendentes a família de Paulo Cardoso e d. América Passos Brito têm : onze filhos, 33 netos, 50 bisnetos e 5 tataranetos.
                                                  
                                      MORTES NA MIRANDELA 
Foto 1. Vemos a igreja da Mirandela onde Lampião teria
se posicionado com seus cabras após entrar no povoado.
Foto 2. A vida pacata do povoado e a casa  com árvore,
onde nas imediações  foi morto o morador. 


O chefe do Cangaço e seus cabras estiveram por duas vezes no povoado de Mirandela. Contava Alfredo Almeida de Bitencourt , falecido, pai do comerciante João Alfredo Bitencourt  , "que da primeira vez eles beberam, farrearam e comeram na bodega de Saturnino Goes , pagaram pelos alimentos que levaram e também as bebidas que consumiram. Não mexeram  com ninguém. Era um dia de Natal. Antes de chegar tinha  mandado um portador avisar que estava chegando, e sempre quando ele entrava vinha com um lenço branco amarrado num galho de árvore carregado por um dos cangaceiros. "
Da última vez ele tornou a avisar que iria entrar na Mirandela , mas um tenente que estava sediado no povoado   com alguns soldados da polícia baiana  , tinha arrregimentado uns voluntários e estavam bem armados. O tenente mandou dizer pelo emissário de Lampião que "não tinha acordo não, e que bandido ia ser recebido à bala". Houve um intenso tiroteio com os policiais e o  pessoal entrincheirado, e um policial chamado de Manoel Amaral foi atingido no joelho. Amparou-se numa casinha e ficou gemendo de dor. O bando já tinha assumido o comando do povoado. Aí arrombaram a porta e acabaram de matar o policial. Entre os voluntários que enfrentou Lampião estava Pedro Brasil Goes, falecido, que era irmão do dono da bodega onde Lampião farreou da primeira vez que esteve na Mirandela. 
O morador Geremias de Souza Dantas , conhecido por seu Neco, que era o pai de Orlando Rodrigues de Souza, seu Vivi,  veio de lá meio chapado, estava bebendo, e saiu delirando. Aí um dos cabras de Lampião desferiu apenas um tiro que o atingiu e veio a falecer. 
Quando se preparou  a reação contra Lampião , conta João Alfredo Bitencourt uma história engraçada que seu pai " não quis participar como voluntário, e foi  para Barra dos Cachorros  distante dois quilômetros do povoado. No caminho lembrou de uma panela de feijão  que tinha deixado no fogo , e voltou pra pegar pelos fundos da casa. Ele e um irmão ficaram o dia inteiro no mato e depois que tudo cessou voltaram em paz. "
                                                MAESTRO E ALFAIATE
É bom relembrar que o alfaiate e maestro Alcides Braga ao fotografar Lampião e seu bando e divulgar aquela foto, que é a única feita na Bahia enquanto Lampião era vivo, ficou com seu nome marcado pelos  cangaceiros e a polícia.
Foto 1. Filarmômica de Cipó e o primeiro à direita com a
 batuta nas mãos é o maestro Alcides Braga.Foto 2 . Alcides
 e sua esposa Rita de Cássia. Foto 3. Oleone Coelho Fontes.
 Logo após a foto Lampião e seus capangas  foram levados de carro , que segundo relatos pertencia ao padre, Edmundo do Cumbe  para as bandas de Cícero Dantas, dirigindo por um cabo, que certamente não se identificou como militar . Depois Lampião e seus homens foram  para o Estado de Sergipe. O autor da foto passou a ser inquirido pela polícia e também Lampião dias depois foi  atacado no povoado de Abobóras, no municipio sergipano  de Salgado, e um de seus cabras o Mergulhão foi morto. Daí Lampião achou que teria sido o Alcides Braga que abriu o bico e prometeu matá-lo. 
Com essas ameaças  ele saiu de Ribeira do Pombal onde tinha sua alfaiataria e era maestro da Filarmônica XV de Outubro, e foi morar em Caldas de Cipó onde montou sua alfaiataria e dirigiu a filarmônica local. Consta também que já tinha morado em Nova Soure. 
Por uma coincidência ruim Alcides Braga foi abandonado pela mulher Rita de Cássia Cunha Braga que fugiu para Ilhéus com o novo companheiro levando os dois filhos do casal. Com isto a paixão por Rita de Cássia, que chamavam de Morena, o levou à ruina e se entregar ao álcool. Conta Sílvio Leone, que no final da vida vivia de realizar pequenos serviços como fazer bainhas de calças e  pregar botões nas peças que outros alfaiates confeccionavam. Outro que sofreu represálias foi  o vigário  Zacarias Mato Grosso que servira de cicerone para evitar qualquer conflito de Lampião com os pombalenses.  
NR - Agradeço a Hamilton Rodrigues por sua dedicação em colher  depoimentos e em fotografar os personagens , e aos entrevistados, bem como a Dilson Brito por ter enviado algumas fotos e informações incluidas neste texto.