Jornal A Tarde 7 de junho de
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Texto de Reynivaldo Brito
Os 50 anos de idade do artista Carlos Bastos serão comemorados com uma grande exposição retrospectiva que será uma verdadeira aula sobre o movimento artístico na Bahia, no próximo dia 2 de julho, no foyer do Teatro Castro Alves, sob o patrocínio da Fundação Cultural do Estado da Bahia. Para isto o pintor está realizando um levantamento completo de toda sua obra, colhendo quadros em mãos de colecionadores, mandando fotografar documentos e selecionando fotografias de seus quadros, desenhos e murais. Esta exposição proporcionará aos baianos uma visão completa da arte na Bahia desde 1944, quando ele realizou juntamente com Genaro de Carvalho uma exposição chamada de “1º Salão de Arte Americana”, dedicada a artistas baianos, no ICBEU, em Salvador.
Porém, a exposição que marcou o trabalho de vanguarda de Carlos Bastos foi em 1943 quando ele retorna dos Estados Unidos e resolve fazer uma mostra individual, na Biblioteca Pública, que funcionava na Praça Municipal. O caráter revolucionário da arte de Carlos Bastos foi combatido pelo jornal “A Semana Católica”, através de um violento artigo. Seus quadros foram cortados com lâminas de barbear e furados. A imprensa baiana saiu em defesa do artista que trazia dos Estados Unidos as idéias da arte moderna. Assim Carlos Bastos pôde continuar o seu trabalho, hoje, reconhecido em todo o País.
O HOMEM
O pintor Carlos Bastos nasceu em Salvador no bairro do Rio Vermelho, em 12 de outubro de 1925. Começou a pintar aos 18 anos quando estudava no Colégio Jesus Maria José e depois nos Maristas. A seguir cursou a Escola de Belas Artes em Salvador, mudando-se para o Rio de Janeiro onde veio a concluir o referido curso.
Em 1944 participa com Genaro de Carvalho do 1 Salão de Arte Americana, dedicada aos artistas baianos , no ICBEU em Salvador. Em 1946 já morando no Rio de Janeiro, expõe com Elsaburgo Nagasawa , na Associação Brasileira de Imprensa. Em 1947 volta a Salvador, onde realiza sua primeira exposição individual, no dia 1 de março, na Biblioteca Pública. Era a primeira exposição de Arte Moderna realizada em Salvador.
Em setembro do mesmo ano, realiza uma exposição com Mário Cravo Júnior na Associação Cultural Brasil-Estados Unidos e a seguir viajam juntos para a terra do Tio Sam. Carlos Bastos vai estudar na Art Student League, em Nova Iorque, tendo como professor Nicolay Abracheff, e toma aulas particulares com Harry Stenberg. Em 1948 realiza uma exposição indivudal na Norlyst Gallery.
Após dois anos em Nova Iorque , volta a Salvador e em 1949 realiza uma outra exposição na Biblioteca Pública. Estava familiarizado com os amplos salões daquela casa onde tinha realizado sua primeira exposição individual e abrigara tantos jovens e talentosos artistas.Suas idéias modernistas tinham sido reforçadas com sua viagem aos Estados Unidos e assim o artista esperava mostrar toda a força criadora de sua obra. Era aquela a exposição que realmente aguardava com tanto carinho, como uma jovem que espera completar 15 anos, embora já tivesse festejado outros aniversários. Mas aconteceu o inesperado. Os falsos valores alimentados e arraigados em algumas pessoas levaram-nas à agressão. Assim as figuras despidas e em movimento entrelaçando-se foram consideradas profanas. O jornal “A Semana Católica” publicou no dia 13 de fevereiro um violento artigo. Logo depois alguns desconhecidos penetraram sorrateiramente nos amplos salões da Biblioteca Pública e com lâminas de barbear e outros objetos perfurantes mutilaram os trabalhos do jovem pintor. Alguns desses trabalhos ficaram totalmente inutilizados, e outros ele os guardou e serão mostrados nesta retrospectiva!.
Foi um triste golpe para o jovem artista que começava, e, que alimentava grandes esperanças na arte que fazia. Acontece, porém, que toda a imprensa baiana saiu em defesa de Carlos Bastos, porque não se podia conceber que alguém não tivesse o direito de expressar o que sentia. Isto reanimou o artista, que resolveu prosseguir sua longa e profícua viagem pelos caminhos da Arte. Neste mesmo ano, inicia as ilustrações para Cadernos da Bahia, vai pintar a convite do grande educador Anísio Teixeira, um mural na Escola do Centro Educacional Carneiro Ribeiro, na Lapinha.
Em 1949, começa a pintar os murais da boite Anjo Azul. Foram feitos quatro murais, e hoje resta apenas um deles. Os demais foram sendo apagados impiedosamente pelos sucessivos donos do Anjo Azul. Cada um queria fazer sua própria decoração e num desrespeito e falta de conhecimento da importância de um mural de autoria de Carlos Bastos terminaram por apagá-los. O Anjo Azul transformou-se naquela época em ponto de encontro da intelectualidade baiana. Artistas,escritores, jornalistas e jovens universitários para lá se dirigiam a fim de discutir os mais variados assuntos. O artista Carlos Bastos via assim seus murais sendo olhados e seu valor reconhecido. Isto lhe proporcionou uma viagem à França. Antes de viajar, pintou três quadros e se inscreveu no Primeiro Salão Bahiano de Belas Artes, recebendo a Medalha de Bronze. Viajando para a França estudou a técnica de murais na École de Beaux Arts, o desenho na La Grand Chumiére, permanecendo em Paris durante quatro anos.
Voltando ao Brasil fixou residência no Rio de Janeiro, realizando exposições, fazendo vitrines, cenários e costumes para o teatro e ballet.
Em 19, recebe da Câmara Brasileira do livro, o prêmio “O Jabuti de Ouro”, conferido a melhor ilustração, do livro de Darwin Brandão e Mota e Silva intitulado “Cidade do Salvador. Caminhos de Encantamento”. No ano de 1958 resolveu comprar uma casa longe do barulho e ausente de vizinhos. Desde criança uma casa lhe chamava a atenção, por estar instalada num local pouco habitado e de pouco tráfego. Era a casa de seus sonhos de menino e que agora poderia ser adquirida. É o famoso Solar da Jaqueira, onde Carlos Bastos construiu seu mundo. Decorou o Solar a seu gosto, plantou árvores e passou a viver sua merecida tranquilidade com suas plantas e cachorros. Um dia, notou que os operários haviam chegado e instalaram um tabique , no alto da encosta, bem em frente a seu mundo. Irritou-se, mas resolveu aguardar o resultado. Para sua tristeza um imenso espigão de concreto armado surgiu na encosta, antes ocupada por uma espessa e verdejante relva. Teve ainda alguns anos de alegria, porque o espigão havia sido construído sem obedecer as exigências do Código de Obras e ficou embargado. Depois de algum tempo surgiram os primeiros moradores e também as primeiras pedras, latas e outros objetos imprestáveis que eram lançados do alto do espigão por pessoas inconvenientes. Seu mundo foi invadido, descartado e outra vez o artista sofria na própria pele as agressões de um público despreparado que não respeita a intimidade e os sentimentos alheios. Desgostoso, anunciou que ia embora da Bahia e vendeu a casa.
Antes de vende-la, Carlos Bastos tinha gastos precisamente dois anos decorando o Solar da Jaqueira. Já em 1961 pinta o mural do Banco Bahiano da Produção, atual Banco Francês e Italiano. Em 1962, contrai uma enfermidade ficando semi-paralisado, andando em cadeira de rodas por longo período.
O primeiro mural que Carlos Bastos pintou na boite Anjo Azul surgiu de uma brincadeira com seu amigo José Pedreira, que tinha-lhe dito que ia abrir um boteco para vender cigarros. “Prometi que ia pintar alguma coisa e assim fiz o meu primeiro mural em Salvador”. Daí gostei e fiz mais três somente no Anjo Azul, O nome do boteco, que terminou virando boite, surgiu de uma alegoria que tinha pintado no mural. Como em quase todas as grandes capitais existem casas noturnas com o nome de Anjo Azul, resolvemos batizá-lo com este nome. Considero muito importante este lugar, porque está intimamente ligado com o movimento artístico baiano. E o interesse é que o Anjo Azul tem mudado constantemente de dono e continua funcionando. É certamente um dos mais antigos da cidade em funcionamento”.
Quanto aos murais apagados, Carlos Bastos procura justificar afirmando que realmente o mural está sujeito a isto. “Isto acontece com muitos muralistas. Sinto , é claro que um trabalho que fiz com tanto carinho seja apagado impiedosamente e muitas pessoas deixaram de conhece-los. Mas que poderei fazer? Só se reunisse alguns artistas e fizesse um protesto público. A gente tem que aguentar essas coisas”, conclui melancolicamente.
O RETRATO
Quanto ao retrato, Carlos Bastos diz que procura, acima de tudo, pintar quando faz um retrato. Não concorda com alguns que dizem que o retrato é uma arte menor. Os grandes pintores fizeram retratos e todas as pessoas importantes homens e mulheres posavam e posam para serem retratados para a posteridade. Com o surgimento da máquina fotográfica, a fotografia substituiu a tela. Mas certamente muitos ainda gostam de ser retratados. Isto é inerente ao homem que não gosta de desaparecer sem deixar uma marca, sem registrar a sua passagem. “Faço retratos mas, procurando pintar. As roupas são indefinidas. Elas poderiam ter sido usadas em qualquer época”, diz o pintor.
MURAIS, UMA PREFERÊNCIA
O artista Carlos Bastos tem vários murais e painéis pintados. Vejamos: Em Salvador – no Anjo Azul, antigo Banco Baiano da Produção, Associação Atlética da Bahia (apagado), Hotel Themis, Edifício Martins Catharino, Hotel Xangô, Yatch Club da Bahia, Hospital Santa Luzia, Departamento Nacional de Obras Contra as Secas, Restaurante Árabe,Centro Educacional Carneiro Ribeiro, Assembléia Legislativa, tetos do Solar da jaqueira, teto da residência do sr. Dilton Portela Lima.
No Rio de Janeiro: teto da capela da residência do sr. Nelson Parente, murais da Capela do Parque da Cidade, Restaurante Cervantes. Em Paris – mural no Hotel Royer Collard.
Os painéis estão na residência do sr. Paulo Affonso de Carvalho Machado e nas fazendas e residência do sr. Clodoaldo Bastos. Como pudemos observar, o pintor Carlos Bastos gosta de pintar murais e painéis, e justifica dizendo “tenho uma tendência a pintar coisas grandes porque sinto maior liberdade. Me sinto bem trabalhando num grande espaço, onde minhas figuras são concebidas quase em tamanho natural. O meu temperamento é de muralista e mesmo quando faço um quadro a óleo, minhas figuras têm pelo menos o rosto grande. É um problema de necessidade quase biológica que talvez mereça uma explicação maior. Considero todos os murais que fiz muito importantes para mim, porque eles representam um pedaço do meu eu, cada figura que faço é como que um pedaço do meu próprio corpo. Gosto do mural porque ele tem também uma importância como documento. Daí a minha preocupação em retratar pessoas vivas, que daqui a anos não mais estarão aqui. É uma época que está sendo retratada e elas ficarão assim por mais tempo. Até as roupas que elas vestem são indefinidas com relação à época , para que assim sejam sempre presença’.
Além de murais , painéis e retratos , Carlos Bastos fez ilustrações para livros de escritores famosos, como Pedro Calmon, Van Jafa, Jair Gramacho e para Cadernos Brasileiros. Revista Ângulo, Revista Rio Magazine, Revista dos Bancos, capa do livro do Professor Luiz Henrique Dias Tavares “História da Bahia”, dentre outros. Também fez cenários e costumes para o Teatro Municipal, Teatro da República, Teatro dos Novos e tem obras nos museus de Arte Moderna do Rio de Janeiro, Museu Ermitage, Lenigrado, na URSS, Museu de Belas Artes, do Rio de Janeiro, Museu de Arte Sacra da Bahia, Museu Regional de Feira de Santana, dentre outros.
Vários pintores e intelectuais têm falado e escrito sobre o seu trabalho, como o poeta Augusto Frederico Schmidt que disse “Trata-se , realmente, de alguém – uma personalidade alta, um desmedido artista que surge para revelar uma original e forte mensagem”. Já o escritor Jorge Amado escreveu: “Carlos Bastos recriou a Bahia – seu casario, sua atmosfera mágica, seu espírito, sua poesia – num desenho magnífico, numa pintura plena de graça e de ternura. Recriou também o céu, seus anjos e santos e ainda ai era um céu baiano, barroco e eivado de mistério”.
Texto de Reynivaldo Brito
Os 50 anos de idade do artista Carlos Bastos serão comemorados com uma grande exposição retrospectiva que será uma verdadeira aula sobre o movimento artístico na Bahia, no próximo dia 2 de julho, no foyer do Teatro Castro Alves, sob o patrocínio da Fundação Cultural do Estado da Bahia. Para isto o pintor está realizando um levantamento completo de toda sua obra, colhendo quadros em mãos de colecionadores, mandando fotografar documentos e selecionando fotografias de seus quadros, desenhos e murais. Esta exposição proporcionará aos baianos uma visão completa da arte na Bahia desde 1944, quando ele realizou juntamente com Genaro de Carvalho uma exposição chamada de “1º Salão de Arte Americana”, dedicada a artistas baianos, no ICBEU, em Salvador.
O HOMEM
O pintor Carlos Bastos nasceu em Salvador no bairro do Rio Vermelho, em 12 de outubro de 1925. Começou a pintar aos 18 anos quando estudava no Colégio Jesus Maria José e depois nos Maristas. A seguir cursou a Escola de Belas Artes em Salvador, mudando-se para o Rio de Janeiro onde veio a concluir o referido curso.
Em 1944 participa com Genaro de Carvalho do 1 Salão de Arte Americana, dedicada aos artistas baianos , no ICBEU em Salvador. Em 1946 já morando no Rio de Janeiro, expõe com Elsaburgo Nagasawa , na Associação Brasileira de Imprensa. Em 1947 volta a Salvador, onde realiza sua primeira exposição individual, no dia 1 de março, na Biblioteca Pública. Era a primeira exposição de Arte Moderna realizada em Salvador.
Em setembro do mesmo ano, realiza uma exposição com Mário Cravo Júnior na Associação Cultural Brasil-Estados Unidos e a seguir viajam juntos para a terra do Tio Sam. Carlos Bastos vai estudar na Art Student League, em Nova Iorque, tendo como professor Nicolay Abracheff, e toma aulas particulares com Harry Stenberg. Em 1948 realiza uma exposição indivudal na Norlyst Gallery.
Após dois anos em Nova Iorque , volta a Salvador e em 1949 realiza uma outra exposição na Biblioteca Pública. Estava familiarizado com os amplos salões daquela casa onde tinha realizado sua primeira exposição individual e abrigara tantos jovens e talentosos artistas.Suas idéias modernistas tinham sido reforçadas com sua viagem aos Estados Unidos e assim o artista esperava mostrar toda a força criadora de sua obra. Era aquela a exposição que realmente aguardava com tanto carinho, como uma jovem que espera completar 15 anos, embora já tivesse festejado outros aniversários. Mas aconteceu o inesperado. Os falsos valores alimentados e arraigados em algumas pessoas levaram-nas à agressão. Assim as figuras despidas e em movimento entrelaçando-se foram consideradas profanas. O jornal “A Semana Católica” publicou no dia 13 de fevereiro um violento artigo. Logo depois alguns desconhecidos penetraram sorrateiramente nos amplos salões da Biblioteca Pública e com lâminas de barbear e outros objetos perfurantes mutilaram os trabalhos do jovem pintor. Alguns desses trabalhos ficaram totalmente inutilizados, e outros ele os guardou e serão mostrados nesta retrospectiva!.
Foi um triste golpe para o jovem artista que começava, e, que alimentava grandes esperanças na arte que fazia. Acontece, porém, que toda a imprensa baiana saiu em defesa de Carlos Bastos, porque não se podia conceber que alguém não tivesse o direito de expressar o que sentia. Isto reanimou o artista, que resolveu prosseguir sua longa e profícua viagem pelos caminhos da Arte. Neste mesmo ano, inicia as ilustrações para Cadernos da Bahia, vai pintar a convite do grande educador Anísio Teixeira, um mural na Escola do Centro Educacional Carneiro Ribeiro, na Lapinha.
Em 1949, começa a pintar os murais da boite Anjo Azul. Foram feitos quatro murais, e hoje resta apenas um deles. Os demais foram sendo apagados impiedosamente pelos sucessivos donos do Anjo Azul. Cada um queria fazer sua própria decoração e num desrespeito e falta de conhecimento da importância de um mural de autoria de Carlos Bastos terminaram por apagá-los. O Anjo Azul transformou-se naquela época em ponto de encontro da intelectualidade baiana. Artistas,escritores, jornalistas e jovens universitários para lá se dirigiam a fim de discutir os mais variados assuntos. O artista Carlos Bastos via assim seus murais sendo olhados e seu valor reconhecido. Isto lhe proporcionou uma viagem à França. Antes de viajar, pintou três quadros e se inscreveu no Primeiro Salão Bahiano de Belas Artes, recebendo a Medalha de Bronze. Viajando para a França estudou a técnica de murais na École de Beaux Arts, o desenho na La Grand Chumiére, permanecendo em Paris durante quatro anos.
Voltando ao Brasil fixou residência no Rio de Janeiro, realizando exposições, fazendo vitrines, cenários e costumes para o teatro e ballet.
Em 19, recebe da Câmara Brasileira do livro, o prêmio “O Jabuti de Ouro”, conferido a melhor ilustração, do livro de Darwin Brandão e Mota e Silva intitulado “Cidade do Salvador. Caminhos de Encantamento”. No ano de 1958 resolveu comprar uma casa longe do barulho e ausente de vizinhos. Desde criança uma casa lhe chamava a atenção, por estar instalada num local pouco habitado e de pouco tráfego. Era a casa de seus sonhos de menino e que agora poderia ser adquirida. É o famoso Solar da Jaqueira, onde Carlos Bastos construiu seu mundo. Decorou o Solar a seu gosto, plantou árvores e passou a viver sua merecida tranquilidade com suas plantas e cachorros. Um dia, notou que os operários haviam chegado e instalaram um tabique , no alto da encosta, bem em frente a seu mundo. Irritou-se, mas resolveu aguardar o resultado. Para sua tristeza um imenso espigão de concreto armado surgiu na encosta, antes ocupada por uma espessa e verdejante relva. Teve ainda alguns anos de alegria, porque o espigão havia sido construído sem obedecer as exigências do Código de Obras e ficou embargado. Depois de algum tempo surgiram os primeiros moradores e também as primeiras pedras, latas e outros objetos imprestáveis que eram lançados do alto do espigão por pessoas inconvenientes. Seu mundo foi invadido, descartado e outra vez o artista sofria na própria pele as agressões de um público despreparado que não respeita a intimidade e os sentimentos alheios. Desgostoso, anunciou que ia embora da Bahia e vendeu a casa.
Antes de vende-la, Carlos Bastos tinha gastos precisamente dois anos decorando o Solar da Jaqueira. Já em 1961 pinta o mural do Banco Bahiano da Produção, atual Banco Francês e Italiano. Em 1962, contrai uma enfermidade ficando semi-paralisado, andando em cadeira de rodas por longo período.
O primeiro mural que Carlos Bastos pintou na boite Anjo Azul surgiu de uma brincadeira com seu amigo José Pedreira, que tinha-lhe dito que ia abrir um boteco para vender cigarros. “Prometi que ia pintar alguma coisa e assim fiz o meu primeiro mural em Salvador”. Daí gostei e fiz mais três somente no Anjo Azul, O nome do boteco, que terminou virando boite, surgiu de uma alegoria que tinha pintado no mural. Como em quase todas as grandes capitais existem casas noturnas com o nome de Anjo Azul, resolvemos batizá-lo com este nome. Considero muito importante este lugar, porque está intimamente ligado com o movimento artístico baiano. E o interesse é que o Anjo Azul tem mudado constantemente de dono e continua funcionando. É certamente um dos mais antigos da cidade em funcionamento”.
Quanto aos murais apagados, Carlos Bastos procura justificar afirmando que realmente o mural está sujeito a isto. “Isto acontece com muitos muralistas. Sinto , é claro que um trabalho que fiz com tanto carinho seja apagado impiedosamente e muitas pessoas deixaram de conhece-los. Mas que poderei fazer? Só se reunisse alguns artistas e fizesse um protesto público. A gente tem que aguentar essas coisas”, conclui melancolicamente.
O RETRATO
Quanto ao retrato, Carlos Bastos diz que procura, acima de tudo, pintar quando faz um retrato. Não concorda com alguns que dizem que o retrato é uma arte menor. Os grandes pintores fizeram retratos e todas as pessoas importantes homens e mulheres posavam e posam para serem retratados para a posteridade. Com o surgimento da máquina fotográfica, a fotografia substituiu a tela. Mas certamente muitos ainda gostam de ser retratados. Isto é inerente ao homem que não gosta de desaparecer sem deixar uma marca, sem registrar a sua passagem. “Faço retratos mas, procurando pintar. As roupas são indefinidas. Elas poderiam ter sido usadas em qualquer época”, diz o pintor.
MURAIS, UMA PREFERÊNCIA
O artista Carlos Bastos tem vários murais e painéis pintados. Vejamos: Em Salvador – no Anjo Azul, antigo Banco Baiano da Produção, Associação Atlética da Bahia (apagado), Hotel Themis, Edifício Martins Catharino, Hotel Xangô, Yatch Club da Bahia, Hospital Santa Luzia, Departamento Nacional de Obras Contra as Secas, Restaurante Árabe,Centro Educacional Carneiro Ribeiro, Assembléia Legislativa, tetos do Solar da jaqueira, teto da residência do sr. Dilton Portela Lima.
No Rio de Janeiro: teto da capela da residência do sr. Nelson Parente, murais da Capela do Parque da Cidade, Restaurante Cervantes. Em Paris – mural no Hotel Royer Collard.
Os painéis estão na residência do sr. Paulo Affonso de Carvalho Machado e nas fazendas e residência do sr. Clodoaldo Bastos. Como pudemos observar, o pintor Carlos Bastos gosta de pintar murais e painéis, e justifica dizendo “tenho uma tendência a pintar coisas grandes porque sinto maior liberdade. Me sinto bem trabalhando num grande espaço, onde minhas figuras são concebidas quase em tamanho natural. O meu temperamento é de muralista e mesmo quando faço um quadro a óleo, minhas figuras têm pelo menos o rosto grande. É um problema de necessidade quase biológica que talvez mereça uma explicação maior. Considero todos os murais que fiz muito importantes para mim, porque eles representam um pedaço do meu eu, cada figura que faço é como que um pedaço do meu próprio corpo. Gosto do mural porque ele tem também uma importância como documento. Daí a minha preocupação em retratar pessoas vivas, que daqui a anos não mais estarão aqui. É uma época que está sendo retratada e elas ficarão assim por mais tempo. Até as roupas que elas vestem são indefinidas com relação à época , para que assim sejam sempre presença’.
Além de murais , painéis e retratos , Carlos Bastos fez ilustrações para livros de escritores famosos, como Pedro Calmon, Van Jafa, Jair Gramacho e para Cadernos Brasileiros. Revista Ângulo, Revista Rio Magazine, Revista dos Bancos, capa do livro do Professor Luiz Henrique Dias Tavares “História da Bahia”, dentre outros. Também fez cenários e costumes para o Teatro Municipal, Teatro da República, Teatro dos Novos e tem obras nos museus de Arte Moderna do Rio de Janeiro, Museu Ermitage, Lenigrado, na URSS, Museu de Belas Artes, do Rio de Janeiro, Museu de Arte Sacra da Bahia, Museu Regional de Feira de Santana, dentre outros.
Vários pintores e intelectuais têm falado e escrito sobre o seu trabalho, como o poeta Augusto Frederico Schmidt que disse “Trata-se , realmente, de alguém – uma personalidade alta, um desmedido artista que surge para revelar uma original e forte mensagem”. Já o escritor Jorge Amado escreveu: “Carlos Bastos recriou a Bahia – seu casario, sua atmosfera mágica, seu espírito, sua poesia – num desenho magnífico, numa pintura plena de graça e de ternura. Recriou também o céu, seus anjos e santos e ainda ai era um céu baiano, barroco e eivado de mistério”.
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