Objetivo


segunda-feira, 26 de setembro de 2011

TURISMO - A CAPITAL DAS LAVRAS VIVE DO PASSADO


Texto e fotos de Reynivaldo Brito
Abandonaram Lençóis, a antiga capital das Lavras. Os casarões estão caindo e as ruas estreitas não apresentam movimento dos tempos onde o garimpo era uma atividade lucrativa. Os casarões vazios e sujos refletem apenas a lembrança e a tristeza da ausência dos saraus onde os grandes compositores e escritores europeus eram cantados e festejados. Lençóis está agonizando, principalmente depois que uma tromba d´água desabou em dezembro do ano passado, atingindo vários pontos da cidade. Parece que o destino veio apressar esta morte. Suas pracinhas estão esburacadas, a velha ponte de arcos romanos sobre o rio Lençóis também perdeu sua bela balaustrada e até o mercado está sendo desvirtuado com a presença de barracas de toda espécie.
O ”Salão” de onde os visitantes retiravam areia de todas as cores, está semidestruído e as inúmeras pequenas cachoeiras que descem das montanhas que lhes cercam é que teimam em dar-lhe toda a grandeza dos tempos de fausto. A cidade está localizada num vale rodeado de grandes rochas de granito, no zona centro-oeste da Bahia. Surgiu em 1845 quando ali chegaram os primeiros garimpeiros atraídos pela abundância de diamantes e carbonatos nos leitos dos rios Lençóis e São José. Vieram os coronéis com seus jagunços a desafiar os poderes constituídos. Conviveram por muitos anos naqueles chapadões imensos, onde só podemos hoje admirar as torrentes de águas brancas e inabitadas.

                                                                           BELEZA

A paisagem que lhe rodeia é bela e fascinante. A cidade calma, semelhante àquelas do oeste americano, fadada ao desaparecimento devido à escassez de diamantes e a consequente fuga de seus filhos e aventureiros.
Somente as estórias contadas à sombra dos casarões parecem sobreviver. Com dois filhos que ocuparam as cadeiras da Academia Brasileira de Letras – Urbano Duarte, fundador da cadeira número 12, e Afrânio Peixoto, que sucedeu a Euclides da Cunha na cadeira n.7, e as fanfarras e valentia do coronel Horácio de Matos, chamado de grande líder sertanejo, a cidade parece guardar pouca coisa de sua história. Parece que esqueceram da importância da cidade e o seu tombamento vem funcionando como uma injeção paralisante. Nem o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN – e nem mesmo os particulares proprietários dos imóveis vêm realizando uma obra digna de destaque. É como estivesse um à espera do outro, num encontro que jamais acontecerá.

                                                                PRIVILÉGIO

Localizado na Chapada Diamantina, o município de Lençóis é um dos mais privilegiados com recantos belíssimos e próprios para exploração turística. O visitante sente a amplidão de sua passagem ora calma, ora regressiva, com grandes elevações e rochas que surgem ao longe. As serras das Almas, do Itubira, da Furna, de Santo Antônio e muitas outras com seus picos eriçados sempre envoltos pela bruma. O Morro do Pai Inácio, que é um castelo de granito, quase intransponível e sobre a qual existem várias lendas. Uma dessas lendas diz que viveu há cerca de 100 anos um homem conhecido por “corvo humano” que disputava com os urubus as reses que morriam nas pastagens por picadas de cobras ou moléstias. Vivera ali muitos e muitos anos e viera de Minas Gerais. Aos 90 anos tinha feições de um homem de quarenta. Outros contam que o morro é chamado de Pai Inácio porque ali se escondera um perigoso jagunço perseguido pela polícia baiana. Um dia ele foi surpreendido pelos soldados e para não ser preso abriu um guarda-chuva que trazia consigo e pulou morro abaixo numa altura de cerca de 500 metros. Essas são as principais lendas que envolvem em mistérios aquele bloco colossal de quartzo que encanta qualquer viajante.
Logo abaixo encontrei o Rio Mucugezinho que desce das serras em corredeiras, formando, de quando em vez, pequenos poços onde os habitantes da região acorrem aos domingos e feriados para os saudáveis banhos de rio. As águas do Mucugezinho são escuras, porém limpas, e devido à correnteza não encontramos quase organismos vivos que venham a prejudicar a saúde do homem. As águas correntes chegam a formar espumas, quando vão de encontro aos rochedos e são muito frias.
Já ao sul da cidade de Lençóis subindo a serra, encontramos grandes formações rochosas e várias grutas onde os moradores procuram areias e orquídeas. São locais indescritíveis e muitos vivem de explorar essas grutas retirando areias de cores variadas que são usadas para fazer desenhos em garrafas. Um desses artesões é Manoel Reis dos Santos, conhecido por Nequinho, que prefere encher garrafa do que ser professor primário. Embora diplomado, nunca exerceu o magistério porque com a sua atividade consegue mais dinheiro que se estivesse ensinando. Há 16 anos trabalha com as areias coloridas e muitos turistas possuem em suas casas garrafas com as inscrições “Lembrança de Lençóis”. Ele está dando certa originalidade nos seus trabalhos porque consegue fazer desenhos enaltecendo a flora e fauna locais.

                                                          HOSPEDAGEM

É um pouco difícil a hospedagem em Lençóis, atualmente. Só existe o “Hotel de Dona Juliana”, á beira do Rio Lençóis, bem junto à centenária ponte de arcos romanos, que liga a Praça dos Nagôs ao Bairro de São Felix, construída por volta de 1860. Mas dos seus quartos de piso e forro de madeira sente-se o barulho das águas batendo contra os rochedos. Isto cria uma ambiência agradável especialmente para àqueles que nunca moraram numa cidade ribeirinha ou mesmo que estejam acostumados com o barulho intrigante de buzinas e motores de carros. Mas, está sendo restaurado um grande casarão colonial que será a Pousada de Lençóis. Nos fundos, existem as ruinas de um antigo centro de lapidação de diamantes. O curioso é que todo sistema funcionava através de uma roda d´água que dava energia necessária para o trabalho de lapidação. Hoje está abandonada e certamente será também restaurada para servir de mais uma atração turística da cidade. Não se pode também esquecer a flora riquíssima com as serras completamente tomadas por flores de todas as cores. Do mês de setembro em diante as serras ficam apinhadas de orquídeas lilás e brancas, dando um colorido ainda mais bonito. A fauna também é rica, porque ainda podemos encontrar trechos de floresta densa, onde estão escondidas muitas espécies.

                                                           DECADÊNCIA

O triste é observar que mesmo com tanta beleza natural o homem está deixando que a cidade morra. A civilização do diamante foi deixando para os pobres a conservação daqueles casarões que em época não muito distante foram palcos de importantes decisões para todo o sertão baiano. Muitos ali estiveram em busca de riquezas e ali gastaram muito dinheiro no consumo de bens supérfluos vindos de todos os países da Europa. Formaram-se aglomerados humanos porque a riqueza era fácil. Da noite para o dia um garimpeiro ficava milionário graças a um diamante ou carbonato valioso. Foram embora quando a lavra escasseou e com eles suas cantigas que se ouviam de longe misturadas com o barulho do cascalho removido pelas peneiras. Hoje, os que ficaram vivem de pequenos serviços ou estão recebendo uma mísera aposentadoria do Funrural. É gostoso conversar com os velhos garimpeiros, que a exemplo dos velhos pescadores sempre têm estórias fantásticas para contar.
Portanto, do garimpo restam as lembranças e a teimosia de uns poucos que ainda se atrevem a subir as serras para remover o cascalho em busca de um grão pequenino de diamante. Levam às vezes meses sem encontrar nada, e quando conseguem mal dá para cobrir as despesas que lhes garantam uma sofrida sobrevivência.
A cidade é tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN, desde 1973, graças a um movimento realizado por um grupo de jovens, filhos de Lençóis, quando da realização em Salvador do II Encontro dos Govenadores sobre Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico, Arqueológico e Natural do Brasil. Lá existem três oficinas de lapidação de diamantes e até hoje encontra-se em razoável estado de conservação a chamada Casa de Lapidação, que já existia desde 1885, onde a maquinaria primitiva era movida por uma roda d’água e por onde passaram muitos lapidadores estrangeiros de renome. Muitas outras unidades compõem o conjunto arquitetônico como o antigo prédio da Sociedade União dos Mineiros, que está sendo restaurado pela prefeitura local. Existem duas igrejas: Nossa Senhora dos Passos, que tem a planta em forma de retângulo e o prebistério separado da nave por arco cruzeiro, sendo a capela-mor da mesma largura que a nave. Ela não tem torre sineira e os sinos ficam localizados na empena do lado do Evangelho. Tem uma arquitetura interessante e o visitante desavisado pensa que o arco cruzeiro é um arranjo provisório, quando na realidade foi assim construído. Esta igreja tem muitas imagens centenárias e está localizada num alto que permite uma visão perfeita de grande parte da cidade. A igreja de Nossa Senhora do Rosário, atual matriz, está parcialmente desfigurada, porque antes do tombamento, exatamente na década de 50, dois padres holandeses chegaram a Lençóis e fizeram “uma reforma” inclusive colocando por cima do piso original outro de qualidade duvidosa. Esta igreja precisa ser restaurada para reencontrar a beleza perdida.
A casa Paroquial, que é um dos casarões remanescentes edificados no Tomba-Surrão, debruçados sobre o rio Lençóis e muitas casas onde as paredes dos muros e mesmo as internas são edificadas com pedras à vista. Conta ainda com um importante prédio de formato curioso e alto onde foi instalado o primeiro consulado francês do país. As ruas e ruelas com piso feito de pedras “cabeça de negro”.
São três mil e poucos moradores que vêm sofrendo a decadência de uma cidade, mas continuam esperançosos que o garimpo seja mecanizado, que o turismo chegue para conhecer suas belezas naturais e também que os órgãos responsáveis pela conservação dos monumentos históricos assumam a responsabilidade que lhes cabe. Uma esperança que está prestes a se transformar em realidade já que o turismo vem crescendo em nosso Estado e a pousada que ora estão instalando, poderá ser o primeiro instrumento que possibilite a sobrevivência de Lençóis.
Sem dúvida, vale a pena conhecer Lençóis para você conviver com os casarões coloniais, com os garimpeiros, sentir sua vegetação rica e ouvir o barulho de suas águas descendo das serras.

ARTES VISUAIS - OBRA DE YEDAMARIA ESTUDADA NUMA UNIVERSIDADE AMERICANA


ARTES VISUAIS
A TARDE – TERÇA-FEIRA, 26/02/1991
Texto de Reynivaldo Brito


Uma homenagem e reconhecimento justos vão coroar a obra de uma das mais importantes artistas desta terra impregnada pela cultura africana. Trata-se da pintora e gravadora Yedamaria que está seguindo para os Estados Unidos, onde uma exposição retrospectiva de sua obra será montada na Califórnia State University, Northridge, acompanhada de um belo catálogo bilíngue com várias ilustrações em cores. Lá também fará algumas palestras sobre sua experiência como pintora e sua ascendência social como artista negra. O Departamento de Estudos Pan-Africano estará envolvido no projeto e a publicidade do evento ficará a cargo dos próprios estudantes da universidade, ligados ao setor de arte. A curadoria da exposição é da Dra. Mikelle Omari. Ela hoje é conhecida no exterior como a mais importante pintora negra brasileira da atualidade, tem mestrado nos Estados Unidos e obras em acervos de vários colecionadores estrangeiros.
Yedamaria vem de uma família de professores. Seu avô foi professor nos anos de 1884 a 1912. Sua mãe também era professora e lecionou vários anos. Ela escolheu a arte como forma de expressão e através dela passa sua experiência aos alunos de Belas Artes. Mas a arte fala forte no sentimento desta mulher de fibra que sabe captar a beleza dos objetos simples, que muitas vezes estão descansando preguiçosamente ou despretensiosamente sobre uma mesa se toalha rendada. É um peixe que foi arrancado de seu habitat natural e jaz num prato frio de louça. Ela consegue pintar o peixe neste estado de completa ausência de vida com uma força expressiva que nos traduz tranquilidade e beleza. As frutas coloridas e doces se multiplicam em sua obra. São elementos fundamentais à própria existência primitiva de vida que Yedamaria se identifica e nos serve num banquete mágico. As figuras humanas colocadas em suas telas com os olhares impregnados de fé e esperança neste país que balança e teima não cair. Com suas naturezas-mortas Yedamaria coloca sua família reunida como se habitasse uma antiga casa-grande cheia de parentes de uma família de prole numerosa.
Ela também não esconde que o fato de ser uma mulher negra teria enfrentado maiores dificuldades para que sua obra tivesse um reconhecimento internacional ou mesmo local. Confesso que embora não saiba detalhes dessas dificuldades, não vejo com os mesmos olhos este sentimento de minha amiga Yedamaria. Acho que as dificuldades são comuns a todos artistas, principalmente aqueles que não dispõem de um certo suporte econômico. Pretos e brancos sofrem para trilhar o caminho do reconhecimento. Porém, se nasceram de famílias abastadas, de pais conhecidos no seio da sociedade o trilhar do caminho da fama e do reconhecimento fica mais fácil. Ainda mais no meio artístico a discriminação é quase nula pela própria abertura de sentimentos que têm os intelectuais e artistas. Mas, respeito este sentimento de Yedamaria e admiro acima de tudo a sua luta individual em vencer, a sua persistência em produzir uma obra de qualidade que venho ressaltando há vários anos.
Yedamaria recolheu para o curriculum que leva para os Estados Unidos uma série de depoimentos de críticos e artistas sobre sua obra. Escolhi alguns trechos para ilustrar esta matéria, procurando estabelecer um conjunto harmonioso, como é a sua obra.

Vejamos:
" Na madrugada do mar, os saveiros partem as velas soltas, para a repetida aventura da Bahia de Todos os Santos, nesse mistério de Iemanjá e de vida e morte para os homens cor-de-cobre. Da realidade lírica e dramática vive a pintura de Yedamaria, moça baiana cujos olhos estão cheios do mar e dos barcos. Quem me falou nela pela primeira vez foi Lina Bardi. “Preste atenção a essa jovem, tem talento e futuro”, disse-me a então diretora do Museu de Arte Moderna da Bahia, na tarde magnifica da inauguração da exposição do Museu de Arte Popular, no Unhão restaurado. Em meio a uma discutível exposição da moderna plástica baiana, à qual faltavam alguns nomes fundamentais de nossa arte atual, vários novos tentavam impor-se aos visitantes com seus quadros, óleos, aquarelas, desenhos. Os responsáveis pela mostra haviam recolhido muitas promessas, moços cheios de ímpeto e entusiasmo.
Dessas vocações, quantos sobraram, quantos prosseguiram trabalhando? Alguns poucos, apenas, e entre eles a jovem Yedamaria com seus barcos, suas cores baianas, sua tônica de um lirismo lascinante. Veio a exposição individual, no Teatro Castro Alves e, de repente, a Rampa do Mercado mudara para o Campo Grande. Como se toda a realidade da Bahia só tivesse ela, a pintora, alhos de ver as velas dos barcos, a carcaça dos barcos, a água a rodeá-los, mar infinito.
Não sei que outras coisas irá ela pintar, como continuará seu trabalho, a evolução de sua temática. Sei que seus barcos ai estão; realidade de arte baiana atual. Já o nome da jovem pintora se inscreve mais além da promessa e da incipiente vocação. Tenho muita confiança em Yedamaria. Em seus barcos de luz e cor, ela partiu para conquista sua arte, conquista que realiza dia a dia, em duro e consciente trabalho.

JORGE AMADO

"Ao escrever agora sobre Yedamaria tenho diante dos olhos, na parede de minha sala de trabalho, há quase 20 anos, um quadro de sua exposição de 1963, no Museu de Arte Moderna da Bahia, então sob a feliz direção de Lina Bardi.
A mais jovem ainda pintora, recém-saída da Escola de Belas Artes já revelava toda a sua força criadora e grande expressividade, nos belos quadros da fase dos barcos de cores tão quentes e dramáticas.
Yedamaria segue pelo tempo com as mesmas qualidades, mas agora deixando transparecer um refinamento de personalidade definida, da mão mais afinada, de amadurecimento do ofício.
Dominando todas as técnicas da gravura, os procedimentos da monotipia, da ponta-seca, da Colorgraph, alcançam pelas suas mãos os melhores resultados.
A unidade desta exposição com temática de natureza-morta confirma, pela segurança das composições, no cromatismo harmonioso de tons calmos e suaves, a forma completa da artista Yedamaria na sua plenitude.
Capaz de percorrer os melhores caminhos da arte moderna com experiência própria e erudição acentuada, as influências fauvista no colorido marca nas colagens de frutas e objetos outros a atualidade que, a partir de Braque e Picasso, constituem de maneira radical processos técnicos próprios da arte do século xx.
Yedamaria é a mais importante das artistas negras da Bahia e talvez do Brasil, ainda com uma inestimável folha de serviços na cultura e educação, como professora primária, secundária e superior, pois é professora Universidade Federal da Bahia.
A Sociedade Protetora dos desvalidos fundada por ex-escravos, ao comemorar 150 anos de sua fundação, organizou uma exposição retrospectiva de sua mais ilustre Sócia, a pintora Yedamaria."

CARLOS EDUARDO DA ROCHA

"Uma das satisfações da vida de um artista plástico reside no convívio com seus colegas e amigos, e esta é ampliada quando descobrimos que, o trabalho floresce, que o esforço e a dedicação assim como o talento, continuam crescentemente, enriquecendo a vida.
Yedamaria regressa dos Estados Unidos, com o Mestrado em pintura e gravura, trazendo consigo alguns exemplares do seu aprendizado e da sua contribuição.
Os trabalhos apresentados têm grande força no que tange ao cromatismo e revelam, paralelamente, em perfeito domínio da linguagem técnica. Na temática, estão presentes referências pop assim como uma acentuada atmosfera Fauve. Notamos nas naturezas mortas, além da harmonia de cores e nuances reforçado pelo exuberante tratamento das superfícies, a cristalização de uma maturidade criadora e a excelência do seu domínio técnico chega, por vezes, a confundir o espectador, mesmo quando especialista."

MÁRIO CRAVO JUNIOR

"Yedamaria faz parte da segunda geração de artistas modernos da Bahia. De formação universitária, a sua importância como artistas é altamente relevante, sendo o seu trabalho mais um exemplo de coerência profissional. Nas diversas fases de sua pintura, a espontaneidade criativa composicional, a cor vibrante, instintiva, emocional são constantes e revelam um forte temperamento artístico. A importância de Yedamaria deve ser também considerada em função do seu papel como educadora, atuando positivamente no desenvolvimento da percepção e personalidade de centenas de jovens, na escola média e superior."

JUAREZ PARAIZO

"Poucas palavras definem com muito mais acerto a poderosa presença de Yedamaria nas artes plásticas baianas. Sua posição no meio artístico da Boa Terra deve-se a força, das suas obras, plenas de consciência criadora, integradas aos nossos costumes, à nossa gente. É características baiana, não é sublime porque é terra, povo e mar. É produto da influência de alguém? – isto não acrescentaria nada ao valor da sua obra. Yedamaria tem em sua produção artistas a atmosfera tipicamente baiana. Captando a Bahia com sua notável sensibilidade, tornou-se um dos seus mais representativos artistas plásticos. Assim nos barcos geminados, carregados de luas ardentes."

YVO VELAME

"Depois de seus descobrimentos na Europa, o contato com o ambiente artístico dos Estados Unidos da América foi naturalmente profícuo para a pintora e gravadora Yedamaria, uma artista vigorosa, mas procedente do meio acomodatício, provinciano e folclórico da Bahia, atualmente denominado por um inflacionismo de artistas oficiosos, turísticos, e aduladores. Espirito arejado e sensível. Pra ela, a despeito do meio social, a arte não é uma condição de conforto. Agora, num plano mais amplo e sem perde a sua nota emocional de som eminentemente nativo, com as suas pinturas e gravuras de técnicas mistas, nos oferece uma arte em certo modo refinada e de intenso e expressivo cromatismo."
WILSON ROCHA

RELIGIÃO - COMUNIDADES ECLESIAIS PREGAM A AUTOLIBERTAÇÃO PARA O HOMEM

A TARDE- SEXTA-FEIRA, 12 DE JANEIRO DE 1979
Texto Reynivaldo Brito

O Diretor do Centro de Estudos e Ação Social, padre Cláudio Perani, revela que as Comunidades Eclesiais de Base existentes em todos os país variam muito em suas fórmulas, aspectos e condições, porém, todas estão inspiradas no Concílio do Vaticano II e defendem a libertação do homem por seu próprio esforço. Isto, inclusive, pode ser constatado na Bahia através do trabalho exercitado por alguns padres, em sua grande maioria jovens e estrangeiros que sempre estão presentes nos bairros e localidades esquecidos dos poderes públicos. Eles vivem e sentem o problema de perto e mostram aos populares a necessidade de uma ação para que as medidas e soluções sejam tomadas por quem de direito. Um exemplo é o trabalho que vem sendo desenvolvido junto às populações que lutam por uma moradia. Salvador, hoje apresenta um alto índice de falta de habitação, e constantemente a imprensa está noticiando mais uma invasão de terrenos pertencentes à Prefeitura Municipal ou grandes proprietários, e quando a polícia é acionada para expulsá-los geralmente o pessoal integrante das comunidades eclesiais procura amenizar o sofrimento desta gente através uma série de atitudes consideradas válidas e indispensáveis.
Diz o padre Cláudio Perani que as Comunidades de Base têm como uma de suas principais funções o desenvolvimento da consciência política, mas são apartidárias e não ideológicas. Apenas, elas despertam o povo para os seus direitos. Com isso, desencadeiam um processo de reflexão crítica sobre a realidade dos problemas locais e as causas dessas realidades. Para ele, não são novidades as Comunidades. Elas existem no Brasil há alguns anos como uma renovação como uma esperança eclesial. Elas começaram na década de 60, impulsionadas sob orientação da CNBB através de seu Plano de Emergência e do Plano Pastoral de Conjunto.
Outros consideram que as Comunidades de Base vão aos poucos substituir as paróquias, que de uma maneira geral não têm uma identificação maior com as populações. Elas são mais vivas e atuantes e, atualmente, encontram-se numa fase amadurecimento, pois já contam com fracassos, sucessos e experiências de alguns anos.


NA BAHIA

Na Bahia não existem muitos padres operários, lixeiros, e em outras atividades comuns ao homem das classes média e baixa. Apenas dois padres trabalham em indústrias, mas negaram-se terminantemente a dar qualquer declaração porque “assim prejudicaria o nosso trabalho”. Eles trabalham como operários e a direção das fábricas não tem conhecimento de sua real condição de padres. São simplesmente operários, vivem os mesmos dramas do baixo salário, alimentação ruim, transporte difícil, moradia sem as mínimas condições. Sua missão consiste mostra a seus colegas as reivindicações que devem fazer para melhorar as condições de trabalho.
Outros estão intimamente ligados aos bairros populares e fazem um trabalho mais de assistência social, mantendo e orientando as populações, ensinando mulheres a costurar, homens a trabalhar com eletricidade, carpintaria e assim por diante. A atuação que caracteriza mais a Comunidade de Base é a exercida junto aos invasores. Chegaram a publicar um livreto “Subsídios para uma história das invasões e dos desabrigados de Salvador” depois que “um contato direto com a amarga realidade das vidas de dezenas de famílias, passando pelas privações, sofrendo as consequências do desabamento de seus humildes lares, por longos meses numa persistente espera de um abrigo definitivo, nos mostrou a necessidade de levar toda a verdade de seu drama à população da capital baiana, para desperta-la na busca de uma solução conjunta para o problema habitacional das massas pobres”.

RENOVAÇÃO

Os integrantes das Comunidades de Base já realizaram três encontros. O primeiro realizou-se de 6 a 8 de janeiro de 1975, com a participação de representantes de comunidades do Brasil inteiro; o segundo teve lugar também em Vitória do Espirito Santo de 29 de julho a 1 de agosto do ano seguinte, com a presença de representantes e membros de 24 Igrejas do Brasil, num total de 100 pessoas, e o terceiro ,de 19 a 23 de julho do ano passado, em João Pessoa.
O padre Cláudio Perani continua afirmando que não é fácil ter um quadro objetivo da situação das CEBs, porque é uma realidade muito diversificada devido a várias interpretações esboçadas. Mesmo ficando no âmbito das camadas populares – uma Igreja que nasce do povo – atrás da palavra CEB encontramos estruturas e orientações bem deferentes, algumas vezes a palavra querendo indicar uma renovação mais profunda, um conteúdo verdadeiramente novo, outras vezes simplesmente acompanhando a moda teológico-pastoral e encobrindo o conteúdo de sempre – rótulo novo em garrafa velha. Para Perani hoje o termo CEB não é discriminatório de uma tendência renovadora na Igreja brasileira, mas se deixa perpassar pelas várias orientações que diversificam as atuais tendências dentro da Igreja.
O padre Cláudio Perani entende que o esforço de democratização da Igreja, dando maior espaço às suas bases, não somente determina uma renovação interna, mas também tem reflexos muito importantes para a sociedade toda. O critério fundamental deve ser a opção pelo povo – na linha de escolha preferencial do Evangelho pelos pobres – considerando na sua situação concreta e no processo, de libertação. Dai a importância das CEBs abrirem-se para temas concretos: salário, custo de vida, saúde, educação, moradia, sindicato, politica...Daí, também, a necessidade de reconhecer a consciência crítica do povo e de favorecer ações de reivindicação que façam crescer a solidariedade de classe. “Sem reduzir a missão da Igreja, ocultando sua dimensão de fé”.
Num longo artigo escrito para um dos números do Caderno do Centro de Estudos e Ação Social, o padre Cláudio Perani levanta vários aspectos com relação às CEBs, dizendo, inclusive, que hoje no Brasil a presença das CEBs começa a ter um peso político, e tal conteúdo político sempre existiu porque não há discurso ou eclesial – enquanto discurso religioso histórico – que seja neutro e não tenha incidência política. A novidade que preocupa certos setores consiste na mudança deste conteúdo político. Uma Igreja mais hierárquica e autoritária é levada mais facilmente a apoiar a autoridade civil e, como se constatou na história, torna-se sustentáculo do poder reinante. Na medida em que as CEBs, mesmo ficando numa problemática interna, realizarem uma Igreja mais popular e democrática, que questione o poder hierárquico, poderão quebrar tal solidariedade entre a Igreja e o Estado e tornar-se-ão elementos de oposição na sociedade. “Este é o primeiro aspecto da problemática politica”.