Objetivo


quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

ARTES VISUAIS - WALDELOIR RÊGO, DA JÓIA EXÓTICA À ESTAMPARIA, UM CAMINHO DE TALENTO

ARTES VISUAIS
Jornal A Tarde em 30 de Novembro de 1971
Texto Reynivaldo Brito


Como disse Jorge Amado, Waldeloir Rêgo é "o preferido dos Orixás, aquele que sabe e tem o direito de saber - é o dono dos segredos. O moço baiano nasceu e se formou com a proteção de Senhora e Menininha, defendido por todos os lados".
Etnólogo famoso está entre os três estudiosos que mais conhecem candomblé no País, mas é, antes de tudo, um joalheiro afro-brasileiro de muito talento, ourives de Oxum e joalheiro de Yemanjá. Artista sério, já ganhou um prêmio da Academia Brasileira de Letras pelo seu livro "Capoeira de Angola/ Ensaio Sócio-Etnográfico", assunto do qual conhece todos os meandros. Na foto Waldeloir Rêgo pintando seus tecidos com motivos afros.
Suas jóias exóticas enfeitam, hoje, colos e pescoços de algumas das mais bonitas mulheres do País e do estrangeiro. Mas, não contente com isto, Waldeloir Rêgo investe incansável no terreno da estamparia. I.D
Waldeloir Rêgo disse que a Bahia tem uma grande fama de celeiro de arte, mas no fundo são as mesmas pessoas que fazem seus trabalhos há algum tempo. "Não há realmente renovação de valores. Quanto a "igrejinha" se existe, eu não conheço, nem participo dela ou delas. Procuro me comunicar com todos: os já consagrados e aqueles que começam. Acho no entanto, que é muito cômodo o indivíduo cruzar os braços e acusar outros artistas, já consagrados, de criarem "igrejinhas". O que é preciso - prossegue enérgico - é que esta gente trabalhe e faça coisas boas.

                                                          CRIAÇÃO

Waldeloir é um criador nato. Tanto nas estamparias como nas jóias existe uma liberdade de criação.O artista dispõe não só de formas mas também de elementos ricos em cor . Suas estamparias são dotadas de um cromatismo alegre e ao mesmo tempo místico dentro do complexo afro-brasileiro, já assinalados pelo escultor Mário Cravo.
"Vejo na obra de Waldeloir um renovador, mesmo sem renegar as suas raízes. Examinando -se a sua evolução nos últimos 9 anos constata-se facilmente a progressiva liberação dos condicionamentos litúrgicos presentes nas suas primeiras experiências, datadas de 1962, pois ali se encontravam o cristal e a cerâmica, exatamente os mesmos adereços de nosso candomblé. Já em 1968 a prata começa a se expandir como componente quase que fisiológico da sua joalharia, chegando a ser em 1969, predominante. Mesmo as experiências concomitantemente levadas a efeito pelo artista durante o período, na área do "silk-screen", evidenciam que suas preocupações primeiras condicionadas pela liturgia do candomblé,vinham, pouco a pouco, sendo liberadas das cadeias do imediatismo superficial, permitindo mostrar-nos a sua capacidade de produzir objetos realmente oriundos de atividade criadora".

                                                         O HOMEM

Waldeloir Rêgo nasceu a 25 de agosto de 1930,em Salvador e ingressou na Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia, porém não chegou a concluir o curso. Foi ai que começou a escrever os primeiros artigos, resultantes da pesquisa das coisas e do povo da Bahia, culminando com a publicação do livro "Capoeira Angola / Ensaio Sócio-Etnográfico"que foi premiado pela Academia Brasileira de Letras, com o prêmio Josë Veríssimo, para Ensaio e Erudição, em 1968.
Ao sair da Faculdade de Direito voltou-se para as artes plásticas onde continua até hoje produzindo coisas belas. Participou em 1966 da Primeira Bienal Nacional de Artes Plásticas da Bahia; em 1967 do III Salão de Arte Contemporânea de Campinas; em 1968 do XVII Salão Nacional de Arte Moderna do Rio de Janeiro, e da Segunda Bienal Nacional de Artes Plásticas da Bahia; em 1969 participou do XVIII Salão Nacional de Arte Moderna do Rio de Janeiro e em 1970 do XIX Salão Nacional de Arte Moderna e expôs na Galeria Bonino, ambas no Rio de Janeiro.
Ganhou o Prêmio Nacional de Artes Decorativas, na Primeira Bienal Nacional de Belas Artes da Bahia, Medalha de Ouro no Terceiro Salão de Arte Contemporânea de Campinas e o Prêmio Isenção de Júri e Medalha de Prata do XIX Salão Nacional de Arte Moderna do Rio de Janeiro.
Waldeloir persegue uma temática afro-brasileira e sua atividade criadora vem se desenvolvendo na confecção de jóias artísticas, e pintura sobre tecido, pelo processo "silk-screen", em seu atelier próximo ao Convento do Desterro.
Nas jóias utiliza a prata e pedras semi-preciosas, e formas nascidas da recriação de detalhes de armas, insígnias, fôlhas sagradas e dos próprios utensílios de adorno dos deuses afro-brasileiros ou usados em seus rituais, vai elaborando seus colares, gargantilhas, anéis e pulseiras.
Certa vez afirmou o crítico de arte do Jornal do Brasil, Walmir Ayala, que Waldeloir Rêgo "é um exemplo de alto nível, nesta concepção da jóia como objeto precioso, por suas invenções de espaço, por sua aproximação à liberdade arquitetônica da escultura que é cada dia mais uma arte habitável. Só que as jóias de Waldeloir Rêgo habitam o corpo e pousam com a graça e a agressividade das coreografias do candomblé, na imagem de um colo, de um pescoço ou de um pulso".

                                         IGREJINHA

O artista é contra as "ïgrejinhas" tão reclamadas pelos novos artistas plásticos baianos que se acham prejudicados. Diz ele: "em primeiro lugar, falar de artes plásticas na Bahia é um negócio difícil e delicado sobretudo porque não há uma movimentação artística satisfatória em nossa terra e mesmo renovação de valores, como está acontecendo em outros centros do sul do País.
Existe uma falta de informação geral. O artista baiano em sua grande maioria está desinformado ou melhor está totalmente por fora porque não sabe o que está ocorrendo e se fazendo de novo em termos de artes, não só no eixo Rio-São Paulo como no exterior.
Tudo aqui - continua - fica no ouvi falar. É por esta e por outras razões que acho de suma importância a Bienal de São Paulo porque ali nós ficamos sabendo o que ocorre não só no Brasil como no exterior. É um contato necessário para o artista plástico".

Nota: Waldeloir Rêgo faleceu aos 71 anos no dia 21 de novembro de 2001.

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

CINEMA - GLÁUBER ROCHA: SUA OBRA EXIGE UM ESPAÇO DIGNO

Publicado em 3 de dezembro de 1982.
Texto Reynivaldo Brito
Fotos A Tarde


No dia 22 de agosto do ano passado morria no Rio de Janeiro o mais discutido e aplaudido cineasta do Terceiro Mundo, o Baiano Glauber Andrade Rocha, e, em Salvador, no ex-Cine Guarani, hoje Cine Glauber Rocha, ocorreram recentemente uma exposição, uma mostra retrospectiva de seus filmes e alguns debates entre cineastas que viveram experiências juntamente com Glauber.


Na foto Gláuber filmando em frente ao Museu de Arte Sacra com figurantes da Idade da Terra. Nestas filmagens ele teve um desentendimento com o então diretor do museu o espanhol valentin Calderon.

Mas, nenhum estudioso da cinematografia nacional conhece tão bem a obra de Glauber como sua própria mãe D. Lúcia Rocha, que antes de ser mãe do cineasta deve ser vista como uma artista, responsável que foi pelo figurino de vários de seus filmes. Ela está presente a todos os acontecimentos que envolvem a vida e a obra de seu filho. Participa de opiniões, relembra fatos e agora está voltada para a concretização de uma idéia que é a criação de um espaço onde seja reunida a obra poética e cinematográfica deste baiano da cidade de Vitória da Conquista, reconhecido em todo o mundo como um dos mais inovadores diretores de cinema das últimas décadas.

                                                       INQUIETAÇÃO

- Desde os primeiros anos notei que Glauber não tinha o mesmo comportamento de seus primos. Vivíamos na cidade de Vitória da Conquista e lá os meninos normalmente gostam de montar cavalo, caçar e jogar bola. Glauber, porém, gastava o seu tempo lendo e consumia muitas horas folheando revistas em quadrinhos. Ele também leu muitos livros antes tidos como leitura para adultos. Leu a Bíblia muito cedo e discutia muitas de suas passagens. A leitura da Bíblia foi uma coisa quase natural pois sempre fomos presbiterianos e ele fazia muitos sermões sobre o que encontrava de interessante.



DESIGUALDADES


Lembra D. Lúcia ( foto)  que certa vez Glauber chegou em casa aborrecido: “Minha mãe como pode o prefeito ter uma casa tão grande e tão bonita e o tio Antonio não ter onde morar?”. Expliquei o porquê e ele ficou ainda inconformado. O tio Antonio de que falava era um empregado que morava numa pequena fazendola de propriedade da família Rocha., o qual tinha na época 12 filhos menores e vivia numa miséria terrível. Isto demonstrava, segundo D. Lúcia Rocha , que seu filho era um inquieto e inconformado com as injustiças do mundo. Esta inquietude fez com que saísse da escola regular e passou a ser alfabetizado em sua própria casa. E já perto de fazer admissão queria discutir a todo custo o descobrimento do Brasil, porque não aceitava a versão de que nosso país foi descoberto por acaso. Quando seu velho pai, Adamastor Rocha, mandava que fosse ajudar na loja ele ficava o tempo inteiro desenhando quadrinhos no rolo da máquina registradora com legenda e tudo que depois passava lendo para membros de sua família.Foi naquele instante que percebi que meu filho ia ser cineasta. Ele sabia nomes de diretores, assistentes, produtores de cinema de várias partes do mundo. E nestes filmes que desenhava no rolo da máquina os personagens eram pessoas da família e de suas ralações.”
Glauber crescia e a família teve que procurar a cidade grande para educá-lo . Assim o Sr. Adamastor e D. Lúcia vieram com seus filhos e se estabeleceram no bairro da Mouraria, em pleno centro de Salvador. Glauber, como todo bom protestante que se preza foi estudar no Colégio Dois de Julho, que na época tinha uma educação fundamentada em colégios protestantes americanos. Estávamos por volta de 1946. Lá ele escreveu uma peça intitulada “Llito, o príncipe de ouro", que montou juntamente com seus colegas. Ele fez o papel de príncipe e D. Lúcia Rocha fez o primeiro traje para o artista que iniciava sua carreira. Nesta época, lembra sua mãe, a professora Maria Nazaré Seixas me chamou e disse: “D. Lúcia descobri um artista. Ele será um grande artista, um gênio.” Ao que D. Lúcia retrucou : gênio ou genioso?
Foi neste ambiente protestante e lendo a Bíblia que Glauber, aos 13 anos de idade, concluiu o seu curso ginasial sendo o orador da turma. D. Lúcia ainda guarda o seu discurso que em certo trecho diz : “Colegas, parar agora seria fatal. Agora que tomamos o primeiro impulso, mais do que nunca necessitamos mergulhar nos mistérios dos livros, procurando com mais afinco o roteiro que nos levará, não mais a uma simples e primeira parcela, mas sim ao todo do tesouro maravilhoso, o mais valioso dos tesouros, o tesouro que o futuro guarda carinhosamente para todos nós que é o tesouro da sabedoria”
Glauber, o discutido jovem, sempre acreditou em Deus, diz D. Lúcia. Acreditava e muito. Sempre, desde criança, conversávamos abertamente sobre seus problemas e posso
afirmar que dos cineastas que conheço foi o que mais pregou o nome de Deus. Basta lembrar os temas e os nomes de seus filmes. Até em Barravento, onde ele mostra sua visão sobre o candomblé baiano, o nosso Deus está presente. Ele sempre dizia que “a minha igreja não tem portas”. O que existia de diferente nele é que era um crente fora dos padrões a que estamos acostumados conviver.
Voltando a falar de Glauber ainda adolescente, sua mãe lembra que depois de viver naquele ambiente burguês e de uma disciplina protestante severa ele matriculou-se no Colégio Estadual da Bahia ( Central) . “Foi uma decisão pessoal de Glauber que ira conviver com pessoas carentes e inteligentes, explica D. Lúcia. Ali sua criatividade cresceu. Participou de vários movimentos culturais no grêmio do Colégio da Bahia juntamente com Paulo Gil Soares, João Carlos Teixeira Gomes, Fernando Rocha, Calasans Neto e outros, hoje professores universitários, escritores e artistas baianos. Juntos fundaram a Jogralesca que foi um movimento cultural importante na Bahia. Mais tarde terminou o curso clássico e fez vestibular para Direito, sendo aprovado.

                                                                BOM FILHO

Um jovem tão inquieto que só queria saber de arte era um bom filho? Bom é pouco, revela D. Lúcia . Glauber era um filho extremado, inteiramente voltado para a família. Era muito atencioso comigo e com o pai. Quando meu esposo sofreu um acidente automobilístico e ficou inutilizado para o trabalho, Glauber sofreu muito. Quando em 1952 faleceu sua irmã Ana Marcelina de apenas 10 anos, de leucemia, seu sofrimento foi pior ainda. Lembro que ele fez na época um poema que ainda guardo. Quer ver? Antes que respondesse D. Lúcia desapareceu no corredor e retornou minutos depois com um papel datilografado: era o poema "Anunciação”, que diz em seus primeiros versos: “Nasceu de mim / Verdes naus em Floração / Sendo mais raivosos quão”. Glauber não se conformava com a morte da irmã e tivemos que mudar de casa. Fomos morar nos Barris e como as dificuldades financeiras aumentavam resolvi abrir um pensionato. O velho Adamastor continuava doente e D. Lúcia lutava sozinha para sustentar a casa. “Mas nunca deixei de dar toda a força a Glauber.” Lembra da dificuldade para que seu filho freqüentasse a Faculdade de Direito. Mas, logo depois começou a namorar Helena Inês que também estudava por lá e meses depois estavam casados e vieram morar na pensão de D. Lúcia.
De repente ela atalha e relembra que antes disto, logo que passou no vestibular, Glauber foi premiado com uma viagem ao Rio de Janeiro. As coisas tinham melhorado um pouquinho com a pensão e ele ganhou a viagem por ter sido aprovado no vestibular. Foi para o Rio de Janeiro e de lá fez uma carta pedindo Cr$500,00 para comprar um carro. “Como eu tinha umas economias devido a venda de algumas coisas que tinha em Vitória da Conquista, prometi que enviaria o dinheiro e assim fiz. Mas, quando ele retornou veio de navio e eu sempre indagando pelo carro. Foi quando ele me disse: "está aqui dentro”, apontando para sua mala. Quando chegamos em casa ele abriu a mala e ficou em minha frente com uma máquina, que era sua primeira câmera. Rimos muito. Foi com ela que ele iniciou as filmagens de “Barravento” e fez um pequeno filme com Helena Inês que é um ensaio de expressão corporal intitulado “Pátio”.
Outro fato curioso que ela lembra é que naquela época os calouros eram vítimas de trotes muitas vezes violentos nas escolas universitárias. “Certa vez, o Glauber me disse : mamãe ninguém vai raspar a minha cabeça. Não vou deixar que imbecil nenhum coloque a mão em minha cabeça. E, assim mandou que um barbeiro amigo cortasse bem baixinho o seu cabelo. Como vemos, tudo aconteceu muito cedo na vida de Glauber, mas nunca podia imaginar que sua morte também fosse ocorrer tão cedo. Basta dizer que foi nos primeiros meses da Faculdade de Direito que ele conheceu Helena Inês e com pouco tempo estavam casados. Vieram morar conosco, como já disse anteriormente e quando se separaram Paloma ficou em nossa casa. Hoje ela está uma moça e estuda Medicina, na Universidade Federal da Bahia. Assim ele trancou sua matrícula no terceiro ano de Direito e foi fazer “Deus e o Diabo na Terra do Sol”. Foi uma luta muito grande porque o produtor do filme Luiz Augusto Mendes, não tinha dinheiro para investir muito e Glauber ficava muito angustiado com as dificuldades. Quando ele terminou o filme mudamos para o Rio de Janeiro. Foi muito difícil no Rio. Sempre vivemos com dificuldades, e ali elas aumentaram. Eu continuava fazendo as roupas e ajudando não somente a Glauber como a Nelson Pereira dos Santos, Joaquim Pedro de Andrade e outros nomes ligados ao cinema novo. Quando ele foi fazer “Terra em Transe” já estava casado com Rosa Maria Pena, com quem viveu seis anos. Não tiveram filhos”.


                                                    PROBLEMAS POLÍTICOS

D. Lucia lembra dos dias tristes que viveu quando Glauber Rocha juntamente com outros intelectuais foram presos. “ Durante 17 dias fiquei sem saber onde ele estava. Resolvi procurar o ministro Juracy Magalhães que mandou um bilhete e terminei localizando Glauber, que estava preso juntamente com Carlos Heitor Cony, Thiago de Melo e outros. Quando foi solto ele terminou o filme que levou quase clandestinamente para fora do país, foi para a Itália e não pode mais voltar. Ficou sete longos anos no exterior, trabalhando e mostrando através dos seus filmes toda a inquietude que sempre foi uma marca registrada de sua personalidade. Na Europa ele rodou “O Leão de Sete Cabeças”, “Claro”, “Câncer”, “ABC do Brasil e Cabeças Cortadas”. Antes ele voltou uma vez ao Brasil e fez “O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro”. Nesta época brigou muito com a censura e retornou à Europa.
Conta D. Lúcia Rocha que “nesta ocasião sofri muito. Me dói muito lembrar que muitos o tacharam de louco. Mas ele era um gênio e como todo gênio foi incompreendido”. Ela relembra chorando que foi trabalhar na TV Globo para sustentar a família e sempre mandava algum dinheiro para ele, principalmente nos primeiros meses de exílio. Ela trabalhava tanto que adoeceu, e foi através do cineasta Luis Carlos Barreto que Glauber conseguiu retornar para junto de sua mãe doente. Em outubro de 1976 ele chegou e ela foi operada do coração em São Paulo devido à interferência de seus colegas de profissão, pois não tinha dinheiro suficiente para custear a operação. Ele chegou desconfiado, pois a situação política ainda estava tensa e não tinha passaporte.
Mas aconteceu outra desgraça em sua vida. Anecy Rocha, sua irmã e amiga, caiu no poço do elevador de um prédio. Ele estava escrevendo “Riverão Sussuarana”e no final do livro ele conta a morte de Anecy. Ficou inconformado e acusou na época o cineasta Walter Lima Júnior, então esposo de Anecy de tê-la jogado no poço. Morreu convicto que Walter assassinara sua irmã, embora a polícia não tenha comprovado nada. Um ano após, morreu Adamastor, seu pai, e onze meses depois Glauber retornava ao Brasil, vindo a falecer no Rio de janeiro.
Glauber tem ainda, além de Paloma, mais dois filhos menores de sua ligação com Paula Gaitan que são Erick Aruake e Ava Pátria Índia Iracema, e Pedro Paulo, de 7 anos de idade, com outra mulher, que hoje é funcionária da Embrafilme.
      A visão do cineasta de formação protestante sobre o candomblé baiano em seu filme Barravento

                                                        SUA OBRA

Conhecedora profunda da obra do filho, D. Lúcia tem inúmeros poemas, peças e outros escritos feitos por Glauber. Ela pretende instalar um centro cultural que cultue a memória de seu filho. Para isto conta com o apoio de intelectuais baianos e do governador Antonio Carlos Magalhães que está empenhado em sua concretização. D.Lúcia lembra que “sempre que ele viajava dizia : minha mãe leve meu material para a Bahia. Deixe tudo lá. E para satisfazer seu desejo fiz três viagens de ônibus trazendo várias malas com coisas dele. Certa vez trouxe 16 malas e fui presa na Rodoviária, confundida como boutiqueira, que compra roupas em São Paulo e Rio de Janeiro para vender aqui, devido ao número excessivo de malas. Mas estou com grande parte de sua obra, embora saiba da existência de outros materiais no exterior. Assim, pretendo que a memória de Glauber seja cultuada à altura de sua importância para a cultura deste país. Não falo apenas como mãe, mas também como admiradora da obra deste que foi e sempre será o mais ousado dos cineastas brasileiros”.

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

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terça-feira, 4 de janeiro de 2011

RELIGIÃO - A GRANDE FESTA DE OGUM




Texto e fotos Reynivaldo Brito

Publicado jornal A Tarde 31 de julho de 1980.


O terreiro foi embandeirado de véspera para a grande festa de Ogum, o deus ferreiro, senhor da guerra, dono das estradas e amigo de Exu.No dia seguinte ,bem cedinho o terreiro já fervilhava de gente ligada ao culto, convidados e curiosos. Era a matança do boi, o qual passara toda a noite mugindo, preso a um imenso poste colocado ao centro do terreiro.
De repente aparece o alabê ( chefe da orquestra) acompanhado de dois ajudantes que conduziam os atabaques. Era o início da festa e o prenúncio que dentro em pouco entraria o pai-de-santo Zé de Ogum, sacerdote da mais alta linha de Angola, que tem um séquito de centenas de fiéis entre ogans, ekedes, filhos e filhas-de-santo. Os toques iam aumentando até que aparece um mulato baixo e troncudo todo paramentado com uma bonita bata de cor amarela carregando no pescoço dezenas de contas e miçangas. Os toques eram cada vez mais fortes e minutos depois acontecia a primeira “manifestação” de um orixá. Uma senhora negra de cabelos quase esbranquecidos começou a rodopiar e caiu ao solo, sendo imediatamente atendida pela mãe-pequena, do terreiro,que é a segunda pessoa do candomblé.
Minutos depois após a primeira manifestação várias outras pessoas recebiam seus santos e a cerimônia entrava no auge, com o axogum trazendo uma imensa peixeira para sangrar o boi. O círculo foi-se fechando e os toques aumentando. Um ligeiro golpe e o boi caiu tremendo, enquanto o sangue era apanhado numa grande tigela de barro para ser oferecido ao orixá. Ao término da sangria foram cortados a cabeça, as patas dianteiras , as pernas ,e os testículos para oferecer a Ogum.
Segundo Zé de Ogum , nem todo pai-de-santo pode sacrificar um animal deste porte, por custar muito caro e por não ter condições especiais dentro do culto. O boi foi sacrificado para Ogum, que é o dono desta roça, deste terreiro. Este ritual acontece todos os anos e as filhas-de-santo e outras pessoas que participam do sacrifício são obrigadas a permanecer 14 dias na casa sem poder sair.
O boi significa força, poder e decisão.O seu sacrifício tem como conseqüência a paz do terreiro e a concórdia entre seus freqüentadores. Todo o boi foi aproveitado pelo culto.O sangue que saiu de suas veias e artérias foi levado para o ibá, que é uma espécie de santuário onde fica o carrego do santo com os potes, bacias e louças. Ali o sangue , que eles chamam de menga foi colocado em cima das otás, que são pedras sagradas ,com mel e vinho, que é o néctar do orixá.Também vieram as quatro patas e a cabeça do boi que permaneceram durante 21 dias. Depois deste prazo todo o material apodrecido é retirado para fazer o boi-itá, que consiste na limpeza dos ossos. Tudo é jogado numa grande lata de gás com água fervendo até que os ossos ficaram alvinhos largando toda a crosta. Imediatamente em procissão, foram conduzidos para a itá. Concluído este sacrifício a paz está reinando no candomblé de Ogum, no município de Lauro de Freitas, nos arredores de Salvador.
Explicaram os membros do terreiro que a paz está garantida por 14 anos, mas salientaram que para que isto se concretizasse eles tiveram antes que sacrificar sete galos caboclos ( vermelhos) para Exu, que erradamente é sincretizado por pessoas alheias ao culto com o diabo. Dizem eles que no terreiro existem dois exus, o Xoroquê e o Tiriri, sendo este último confundido como escravo, quando na realidade é um orixá.


TRÊS DIAS


A festa durou três dias e três noites. Os cânticos tristes e alegres seguidos com o batucar dos atabaques davam uma idéia de uma festa que não mais tinha fim. Todos estavam cansados e o revezamento em certos dias teve que ser feito. Era um dançar e cantar sem conta, tudo para agradar o pai Ogum, que no sincretismo é o Santo Antônio,sendo seu dia terça-feira,sua cor azul escuro e contas também azuis. A comida preferida é feijoada ( a depender da nação)e inhame assado. Sua saudação é Ogunhaê e sua indumentária é composta de couraças e capangas.
Enquanto isto a comida era servida com fartura.Uma imensa cozinha sempre estava cheia de filhas-de-santo sorridentes que serviam aos integrantes do culto e convidados pratos cheios de feijão,farinha e pedaços de carne assada ou em ensopado.
Numa grande panela foi preparado o Ixé de Exu, que é constituído dos miúdos dos sete galos caboclos ( cabeças, pés,fígados,bofes e vísceras) cozidos com azeite de dendê e em seguida colocado aos pés de Exu.O restante dos galos também foi aproveitado para o ximxim feito com camarão e azeite e distribuído entre os presentes à cerimônia no primeiro e segundo dias. Exu estava “assentaodo”e Ogum já dominava tudo.

FEIJOADA DE OGUM

Finalmente, os integrantes do terreiro alcançaram o verdadeiro auge da festa com grande feijoada de Ogum. Quatorze homens devidamente escolhidos pelo pai-de-santo e ajudados por algumas filhas-de-santo começaram a preparar o barracão principal para a cerimônia. No centro do barracão foram colocadas três esteiras e três alas ( lençóis) brancos e em volta jarros com flores e castiçais com velas. As filhas-de-santo se acercaram, também os ogãs, alabês , ekedes, Kotas, mãe-pequena e outros membros do candomblé e algumas traziam tabuleiro com pipocas, que eles chamam de flores para o velho Omolu.
O doburú foi trazido porque o velho Omulu é amigo inseparável de Ogum,principalmente de Ogum de Ronda.Informa o pai-de-santo Zé de Ogum que o dono de sua cabeça é “um orixá do lado do Ifá que é a terra que não mais existe.Ele é velho e não tem mais condições de dançar.Quando o santo desce fico parecendo um velho, andando devagar e com meus movimentos de modo geral muito limitados”.Porém, quando o Ogum Wari toma conta do corpo do pai-de-santo, ele consegue dançar e cantar durante toda a cerimônia. Este orixá aparece empunhando uma espada e dança como se duelasse, altivo e um tanto indomável.Por se manifestar com feições distintas: Ogum Já,Ogum Xorokê ( ou de Ronda, que durante seis meses de cada ano se transforma em Exu) muitas pessoas o confundem com outros orixá.

QUEM É


O pai de santo Zé de Ogum embora seja um mulato corpulento e de cara feia é uma pessoa dócil. Ele passou toda sua juventude ajudando missas no interior da Bahia, na cidade de Rui Barbosa, onde chegou a ser um sacristão na igreja matriz. Quando houve uma campanha para revitalizar as vocações sacerdotais, eis que o sacristão José Santos Araújo ( seu verdadeiro nome) foi enviado para o seminário de Santa Tereza., que funcionava no imóvel hoje ocupado pelo Museu de Arte Sacra,da Bahia. Passou algum tempo no seminário e seu gosto pela música o encaminhou a aprender órgão. Mas o destino do sacristão era outro. “Abandonei o seminário e comecei a sentir umas coisas diferentes. Pensaram que estivesse maluco e me mandaram para um sanatório.Não tinha nada de maluco”. Apenas segundo explica, hoje mais consciente, sentia a manifestação de seu santo Ogum e foi num velho e tradicional terreiro de candomblé da cidade de Cachoeira, localizada no Recôncavo Baiano, que tudo veio à tona.A mãe-de-santo de nome Paulina cuidou do ex-sacristão e ex-seminarista.Cumpriu todas as obrigações e tempos depois era um sacerdote,trazendo consigo a incumbência de zelar por Ogum e de cultuá-lo por toda a vida., Estava com 18 anos quando iniciou suas obrigações e, hoje aos 46 anos de idade o pai-de-santo Zé de Ogum continua cada vez mais ciente de suas responsabilidade e assume o seu trabalho com muito entusiasmo. Já teve terreiro nos bairros de Pero Vaz e Jardim Cruzeiro e na Cidade de Alagoinhas, hoje está em Lauro de Freitas, nos arredores de Salvador. O terreiro ocupa uma era superior a cinco mil metros quadrados e tem várias construções e santuários. É, talvez, um dos mais espaçosos de Salvador e do ponto de vista arquitetônico o mais bonito.
Hoje ele já tem mais de 25 filhas-de-santo feitas dentro de todo o ritual e cerca de 1.200 borizadas e catuladas espalhadas pelos estados de Sergipe,Bahia,Rio de janeiro e São Paulo, e é um dos mais freqüentados da Bahia.