Objetivo


sábado, 30 de abril de 2022

JOÃO ALFREDO CONTA BASTIDORES DA POLÍTICA POMBALENSE

João Alfredo vive entre o comércio e a atividade política.
 Hoje vamos falar de João Alfredo Bittencourt, natural da vila da Mirandela, com 77 anos de idade. Tem uma trajetória de luta pela sobrevivência desde muito jovem e já foi um próspero comerciante atuando em vários segmentos a ponto de ter mais de 70 funcionários. Experimentou momentos de dificuldades perdendo quase tudo que tinha conquistado e teve até que vir para Salvador, em busca de ajuda de um irmão negociante de automóveis. Refez sua vida e atualmente já se apresenta como um comerciante que atua nos ramos de locação de automóveis e mercado em Ribeira do Pombal. Tem a política no sangue e uma boa memória capaz de relembrar detalhes dos bastidores da política de Ribeira do Pombal das últimas décadas em que não apenas foi um espectador, mas um atuante protagonista. Ele não soube explicar as razões, mas tem uma tendência de sempre se indispor com o grupo político que apoia e quase sempre se torna seu opositor. 

O João Alfredo de Bittencourt é filho de João Alfredo Almeida Bitencourt e de Maria Batista Bitencourt, nasceu em 5 de março de 1945, na Vila da Mirandela, de uma família de onze irmãos, Antônio de Alfredo, Jorge (falecido), José (falecido), Pedro, Raimundo, sendo seis homens e cinco mulheres Sebastiana, Raimunda, Josefa, Ana Maria e Joana. A origem de minha família é do povoado de Tamboril, onde meu bisavô fundou aquela povoação e chamava-se João Batista Bittencourt de Aragão (Batistão), que era um magistrado que se apaixonou, casou e acabou se transferindo de Salvador para morar naquele local.  Ele a conheceu em Carnaíba do Pires que era filha de um coronel dono de grandes extensões de terras na região.  

Foto 1. João Alfredo e esposa Lucineide na frente do
seu mercado. Foto 2. O imóvel do antigo atacadão que
ele possuía, mas que foi fechado por problemas financeiros.
Na Mirandela foi estudar aos 8 anos de idade na escola da professora Maria Amélia Bittencourt. Naquela época as crianças só podiam estudar a partir dos 8 anos de idade. A professora era sua prima e pouca gente tinha uma formação escolar naquele tempo. Isto foi uma marca da família Bittencourt sempre procurar uma boa escolaridade. Estudou com ela até o terceiro ano primário e fui em 1956 para Escola Rural da Mirandela e tinha como professora Francisca Alice Costa, que era de Ribeira do Pombal, mas que ensinava na Mirandela. "Era uma grande mestra, uma grande educadora. Com ela aprendi muita coisa, na realidade era de uma família de professoras como Enide Costa, Francisca, Maria José, Salomé e seu irmão José Dantas Costa. Eu tinha vocação para estudar, mas naquele tempo não tinha o segundo grau em Ribeira do Pombal e ao concluir o primário teria que ir para Alagoinhas, mas meu pai não tinha condições de bancar os meus estudos. Lembro de uma frase dita pela professora Francisca, eu ainda adolescente, ai meu pai respondeu a ela que não tinha condições. Foi ai que ela retrucou "peça até esmola, mas bote este menino para estudar.' Esta frase até hoje ecoa nos meus ouvidos". Eu tinha muita vocação para estudar. O tempo passou e me conformei, passei a trabalhar na lavoura com meu pai. Aos 14 anos, em 1960, fui para São Paulo procurar trabalhar, tentar a vida. Lá fui trabalhar no Pata, que era uma fábrica de produtos de plásticos. Trabalhei dois anos por lá e resolvi voltar com 16 a 17 anos trabalhei muito em olaria, serviço pesado. Mas, sempre almejando abrir um comércio, e já em 1963 consegui abrir um boteco na Mirandela. Aprendi muito e foi crescendo e com dois anos já tinha o maior comércio da Vila da Mirandela. Passei a ser proprietário de olaria, comprei um caminhão e fui crescendo no comércio , adianta João Alfredo."

"Já na década de 1970 vim para Ribeira do Pombal, e aqui me estabeleci. Abri um comércio onde progredi muito chegando a ser um dos maiores comerciantes da região, talvez o maior, cheguei a ter 70 a 80 empregados com carteira assinada. Tinha distribuidora de gás, indústria de milho e supermercado.  Foi uma vida de muito trabalho. Constitui família na década de 1960 casando-se com Maria Eurides Ferreira Bittencourt, que também era da Mirandela e tivemos quatro filhos: José Augusto, José Roberto, Alessandra e João Alfredo Filho. Foram estudar em Salvador e todos têm curso superior. Foi o grande cabedal que dei à meus filhos. Vivemos 32 anos, mas a vida muda, e se encarrega de mudar as coisas. Hoje estou ainda no comércio, evidente não naquele nível que tive antes, mas sempre com a cabeça voltada para o comércio. Tenho outra família hoje e uma filha de 22 anos, a Joana Alves Bittencourt que está na Faculdade, com e minha atual esposa Lucineide Alves dos Santos. Estamos juntos há quase 30 anos.  Me sinto feliz e realizado, não tenho vaidades. Entendo que a gente obedece a um ciclo princípio, meio e fim, e eu já estou caminhando para esta parte do fim. Não tenho muita coisa a fazer mais. Tenho esta menina que estou educando."

                                        VIDA POLÍTICA AGITADA 

Foto 1- João Alfredo discursando no Dia no 1º de maio em 
homenagem ao Dia do Trabalho. Fotos 2 e 3 - Discurso
no comício do candidato ao Governo Paulo Souto,1996.
Veja como as coisas mudam. No meu tempo de criança a política já era polarizada em Ribeira do Pombal, e hoje se fala em polarização da política nacional entre o Presidente Bolsonaro e o ex-presidiário Lula, como se fosse um coisa ruim. Aqui eram os Bocas Brancas representados pelo grupo de Ferreira Brito, do PSD, e os Boca Pretas pelo grupo de Cardoso Brito que era da UDN. Na época do Dadá eram os Pardais e Nilson Brito os Morcegos. Depois passaram a chamar de Grilos, os que do grupo de Nilson Brito e os Pardais representados por Dadá. Atualmente Zé Grilo é o líder dos Pardais.  Disse seu João Bittencourt que começou sua vida política na escola com a professora Maria Amélia Bittencourt que era muito envolvida com a política. Na época existiam aqui os partidos políticos PSD e UDN e ela era udenista. Terminei gostando da política e já adolescente comecei a acompanhar em 1958 o general Juraci Magalhães, tudo pelo rádio, que tinha uma hora certa de a gente se juntar para ouvir o noticiário. Em 1962 já estava adulto e foi uma eleição para vereador, prefeito, deputados federal e estadual e Governador. Dei meu primeiro voto em Nilson Brito para vereador, votei em Clidionor Ferreira Rocha (Nozinho), que foi um candidato arranjado de última hoje e votei em Lomanto Júnior. A eleição para Presidente foi antes em 1960, e não votava, mas torci pela vitória de Jânio Quadros. 


"Continuamos na política e apoiamos Pedro Rodrigues, que tinha perdido em 1976, e Nilson Brito abriu mão e foi ser vice dele, sem a menor resistência, embora ele fosse o candidato natural porque tinha os votos. Lembro de Nilson Brito me dizer: "Precisamos ganhar a eleição." Não era fácil ganhar de Ferreira Brito. Eu fui eleito vereador, Tota Santos e dr. Nelson também. Ganhamos com 1.400 votos de frente. Naquela época eram muitos votos! Elegemos 10 vereadores de 13 que compunham a Câmara Municipal. Foi uma vitória maiúscula. Fui eleito Presidente da Câmara, tendo continuado com meu comércio. Era muito amigo de Tota Santos, mesmo depois dele ter morrido há mais de 20 anos sempre lembro dele. Sei que Tota Santos arranjou uma briga com o tio que era o prefeito Pedro Rodrigues e voltamos para a oposição. Levamos vários vereadores." 
Já em 1966 estava envolvido e Nilson Brito me convenceu a votar em Nailton Brito, seu irmão, e o candidato único a prefeito Pedro Rodrigues. Estava na trincheira da oposição em 1970 e veio nova eleição e fizemos um grande movimento, inclusive nas ruas com os estudantes e elegemos Dr. Décio de Santana, o qual Ferreira Brito o apoiou de última hora. Foi uma eleição dura. Nilson Brito se promoveu com este movimento e depois da eleição de dr. Décio sua esposa Lúcia Bacelar foi ser a Secretária de Educação Municipal. Foi ai que Nilson Brito vendo o meu envolvimento na política me convidou para ser candidato a vereador. Como gostava da política terminei entrando e sendo eleito com uma boa votação e Nilson Brito perdeu a eleição de prefeito, mesmo apoiado por dr. Décio Santana. Isto foi em 1972 o meu primeiro mandato. Terminei em 1975 sendo Presidente da Câmara e até assumi a Prefeitura por 30 dias, porque naquela época não existia a figura do vice-prefeito. Ferreira Brito veio para Salvador se submeter a uma cirurgia no coração. Com seu retorno fiz amizade com ele e muito jeitoso. Em 1976 e passamos a apoiar o grupo de Ferreira Brito. Sendo o Edval Calazans (Divá) que era muito querido e Ferreira Brito me chamou no dia da convenção e disse que eu seria candidato a vice-prefeito. Houve uma resistência, mas Ferreira Brito era assim, consultava todos os amigos, mas no fim

João Alfredo e Salú na posse de Edvaldo Calazans, em 1977.
prevalecia a vontade dele. Do outro lado, o concorrente era Pedro Rodrigues e o vice Antônio Bernardo Costa. Foi um páreo duro, uma campanha pesada e ganhamos por apenas 97 votos de vantagem. Nunca houve uma eleição em Ribeira do Pombal como esta. Assumi como vice-prefeito isto em 1977, e logo depois me indispus com Divá. Voltei para a oposição. Roda, roda e roda sempre volto para a oposição. Tinha uma vida comercial arrumada. Fizemos um grupo com Antônio Rodrigues dos Santos (Tota Santos), Antonino Ferreira Nobre (Vandinho) e Antônio Passos Conceição (Cabeção), João |Batista Ribeiro (Zito da Cachaça), dr. Nelson Cardoso, José Martins Carvalho (Zé Bagaço), Salustiano Barreto Mendonça (Salú), José Carlos Oliveira (Ninho de Himério) e muitos outros. Este grupo era independente e quando chegou a eleição de 1980. A lei previa a eleição em 1980, mas o regime militar prorrogou os mandatos até 1982. "

"Em 1986 Nilson Brito tinha assumido a Prefeitura e veio a disputa pelo Governo do Estado entre
Waldir Pires e Josaphat Marinho. Já estávamos junto com José Renato, porque Ferreira Brito morreu
em 1985, e Waldir Pires ganhou a eleição. Tocamos em 1988 tentamos fazer uma candidatura de oposição aí o Edval Calazans (Divá) quis ser candidato, e eu fiquei segurando. Seu filho Dadá tinha chegado e disse que seu pai não renunciava à candidatura. Eu tinha brigado com ele e o Salú, Tota Santos, Ninho e outros não queriam ele. Terminei fazendo um acordo com Nilson Brito e aí saiu dr. Nelson Cardoso como candidato e Divá foi ser vice. Nosso grupo estava forte e ganhamos com 3 mil votos. Nilson Brito prefeito, e eu era o vice. Eu caminhava para ser o candidato natural a prefeito. Tinha uma resistência contra mim que queria ser Presidente da Câmara, então voltei para a oposição."

Chegamos a 1992 e eu queria me candidatar a prefeito e Dadá que era vereador também queria ser candidato. Não chegamos a um acordo. A política não tem lógica. Nilson ao invés de apoiar Vandinho apoiou José Renato, filho de Ferreira Brito. Me procuraram a investi na minha candidatura com apoio de dr. Nelson Cardoso, Vandinho e Antônio Cabeção, e outros. Tomei gosto, mas não fui bem-sucedido. Zé Renato ganhou, eu e Edvaldo Cardoso (Dadá) somados os votos tivemos 9 mil e Zé Renato se elegeu com 7 mil votos. São coisas da política. 

 Em 1996 já não tinha mais força na política. O Vandinho queria ser candidato de oposição e aí o Dadá não abriu mão de sua candidatura. Acho que Vandinho ficou muito vaidoso e através do dr. Jairo nos levaram para Dadá na casa de Zito da Cachaça, e Dadá me perguntou se aceitava ser o vice dele. Coloquei meu filho José Augusto para ser vereador. Houve muita confusão e Nelson Cardoso termina sendo o vice. Dadá é empossado e pegou a pasta de Educação com muitos recursos. Nem me chamou para a posse. Fui ser Secretário de Obras, porque a necessidade me obrigou, naquele momento. Fiquei um ano, espaço muito curto, sem condições nenhuma. Procurei o Dadá e disse-lhe umas verdades e fui tocar minha vida com dificuldade." 

João Alfredo com os filhos Roberto, Augusto, Joana,
Alessandra e João Filho.
"Chegou o ano 2000 e Dadá com um trabalho bem avaliado foi para a reeleição. Nilson Brito me convidou para ser vice. Vieram outras confusões e fui ser candidato a vice. Perdemos, foi uma eleição disputada. Em 2002 ganhamos na Justiça e fomos tomar posse. Ficamos 40 dias e a Justiça terminou dando o mandato a Dadá. Em 2004 Nilson Brito não quis ser candidato e apoiamos o Zé Grilo e ganhamos a eleição. Ele fez um bom trabalho. Em 2008 veio a eleição e Zé Grilo se candidata a reeleição. Em 2012 o Ricardo Maia tinha sido bem votado para vereador apoiado por Zé Grilo e outros candidatos eram Manoel Luiz Oliveira (Sampa Rio) e Antônio Bernardo Costa Neto (Toninho). Lá atrás vinha o Ricardo Maia. Do outro lado, seria o Edvaldo Cardoso (Dadá) e Vandinho. Ricardo Maia venceu e era até então homem de confiança de Zé Grilo."

"Entrei na campanha e os Britos vieram com o filho de Dadá. Passei uma semana na casa de Nilson Brito para ele apoiar o Ricardo Maia. Até que ele se convenceu. Ganhou a eleição. Entrou fazendo um bom trabalho e deu um chega para lá no seu mentor Zé Grilo. Quando veio 2016 o Dadá colocou o Moura, mas Ricardo Maia foi reeleito.  Depois colocou como seu candidato o Erickson Santos Silva e reuniu o grupo. Os filhos de Dadá fizeram uma composição e Zé Grilo como candidato, mas foi

Antonino e o pai Waldomiro Araújo,
amigos
 de muitos anos.

interditado pela Justiça Eleitoral. Aí ele colocou a esposa Nair como candidata, mas perdeu. A política me prejudicou muito na vida pessoal e financeira. Não me arrependo do que fiz. Fui eu que quis fazer isto. Perdi e quebrei. Ainda quero ver outras eleições e participar. Não vou para a linha de frente, mas quero participar", finalizou.

Em seu depoimento o ar. Antonino Araújo, 63 anos, funcionário público, meu pai Waldomiro Araújo estão com 94 anos e lúcido. Para mim um grande batalhador da vida. Quero falar de um amigo que é também amigo de meu pai João Alfredo Bittencourt, conhecido como João Alfredo. É um grande lutador e sempre que poso vou na casa dele tomar um café contar histórias do passado, que me envolvem também. Quando tinha 13 anos embarquei num caminhão dele, que fazia a linha de Euclides da Cunha para a feira de Ribeira do Pombal, e daqui fui para São Paulo sem meus pais saberem. Sempre que encontro com ele   relembro alguns fatos e dar boas risadas. Ele fala da olaria onde

João Alfredo com a esposa Lucineide e a filha Joana.
trabalhou, foi vice-prefeito aqui e hoje é um comerciante.  A filha Alessandra  Alves Bittencourt disse que "não seria possível falar do nosso pai sem considerar o seu compromisso com a nossa formação, em todos os sentidos. Trabalhador obstinado, a perda de seu filho Dener o faria lutar para que nós outros tivéssemos acesso. Acesso à saúde, à boa educação e conforto – mas não, necessariamente, luxo. Também recebemos muito amor. Papai era amoroso, sem perder a firmeza sobre nós e sempre foi muito exigente quando se tratava da nossa moral e ética. Este resumo seria bem completo, não fosse pelo fato de não dar à educação o peso que ele de fato deu.

Ele nunca mediu esforços para que recebêssemos a melhor educação. Entendia bem que, para obtermos êxito, precisaríamos de exemplo. Leitor ávido, mesmo sem ter concluído os estudos naquela época, não faltava em casa livros, enciclopédias e revistas. Lembramos bem que ele voltaria à escola para concluir sua a formação através do Programa Supletivo. Até onde pudemos assistir, esses valores nortearam a forma como se relacionou com os seus funcionários e clientes, sempre incentivando e acreditando que as pessoas podem ir além de seus próprios limites por meio do esforço e do conhecimento. Sabemos que ele lutou muito para que os valores praticados em família e com aqueles que lhes eram caros, pudessem alcançar muito mais pombalenses.
Pois bem, os seus esforços não foram em vão. Como pai, ele formou dois engenheiros, um economista e um empresário que seguem muitos dos seus exemplos e semeiam amor. E já não fosse muito, ele 
continua o seu trabalho árduo para viabilizar a formação de sua filha mais nova, inteligente e estudiosa, que trilha o mesmo caminho que ele nos ensinou. Além disso, conhecemos muitas pessoas cujas vidas foram transformadas por esse amor à educação que ele carregava e que tanto nos inspirou."

Antônio Pereira chorou de emoção

"Para o sr. Antônio Pereira da Costa, (Antônio Chorão) 82 anos, tivemos muito tempo de lados opostos, mas sempre foi um político direito, honesto em suas palavras. Tudo que ele fez foi bem-feito e com responsabilidade. Labutei com muitos políticos, porém nenhum igual a ele. Foi traído por muitos e é difícil encontrar um homem igual a ele. Quem negociou com ele torna-se amigo aqui em Sergipe e em qualquer outro lugar. " Ele terminou se emocionando e chorando, numa demonstração o porquê do apelido de Antônio Chorão. Ribeira do Pombal perdeu por não ter elegido ele prefeito. Ele foi traído por muitos que se diziam amigos e por várias vezes mostrei a ele que estava sendo enganado.”

NR- Agradecimentos a meu parceiro Hamilton Rodrigues por sua busca de informações para escrever  este texto. Estava pronto para chegar ai na última quinta-feira , mas devido um problema de saúde na família tive que adiar a minha ida. Estou ansioso para rever meus parentes e amigos .




 

sábado, 23 de abril de 2022

O ENFERMEIRO QUE VIROU POLÍTICO

Salú gostava de falar em público e tinha boa desenvoltura.
Lembro de Salú com seu jeito calmo de falar e agir semelhante àquela pessoa que está assistindo a um tumulto e pouco se abala. Ao contrário, vem sempre procurar apaziguar e encerrar as animosidades. Salú foi vereador em quatro legislaturas e se integrou totalmente ao modo de vida dos pombalenses. Gostava de chamar as pessoas quando encontrava de  "porrretinha”, e por isto ficou conhecido por "seu Porrretinha".  Ele era natural de Barra do Mendes, na Bahia, onde nasceu em 27 de fevereiro de 1927, e foi batizado com o nome de Salustiano Barreto Mendonça, filho de Antônio Mendonça Sobrinho e Virgínia Sodré Mendonça.

Viveu toda sua infância em sua cidade natal e trabalhou com seu pai na agricultura por alguns anos. Aos 23 anos casou-se com Antonieta Lamêgo Mendonça com quem teve nove filhos: Maria Virgínia Lamêgo Mendonça do Nascimento, Marta Maria Mendonça Macedo, Marcos Antônio Lamêgo Mendonça, Maria Salete Lamêgo Mendonça Rodrigues de Souza, Mário Orlando Lamêgo Mendonça, Mecenas Salustiano Lamêgo Mendonça, Marcelo Augusto, Maria Rúbia Lamêgo Mendonça do Nascimento e Maria Cristina Lamêgo Mendonça. Iniciou a trabalhar em 1952 na antiga  Superintendência de Campanhas de Saúde Pública - SUCAM e deu seguimento aos seus estudos para técnico em enfermagem. Envolvido no seu trabalho de atender às pessoas mais necessitadas terminou tomando gosto pela política partidária.

Salú discursando ao lado
dos vereadores Antônio
de Alfredo e Adelino.
                           COMBATER A PESTE BUBÔNICA

Foi transferido em 1965 de Itaberaba, onde exercia suas funções, para Ribeira do Pombal, que estava enfrentando um surto de peste bubônica. Naquela época os serviços de saúde no município ainda eram muito precários, e Salú foi escolhido para ficar à frente do posto de saúde pública do município. 

Lembro que no fundo da nossa casa havia um buraco, onde antes as pessoas iam pegar barro para a construção de suas casas. Anos depois este buraco se tornou um lixão a céu aberto com a presença de muitos porcos que procuravam alimentos e se enlameavam com as águas dos esgotos.  Existiam pequenos monturos em vários pontos da Cidade, e era comum a presença de porcos e cachorros em busca de restos de alimentos. Os esgotos corriam a céu aberto e os primeiros metros de canalização de esgotos foram feitos na Cidade durante a gestão de Dr. Décio de Santana. 

Como as pessoas criavam porcos soltos nas ruas de quando em vez o prefeito através dos órgãos de saúde tomava uma medida drástica que era eliminar os porcos e até cachorros. E para isto alguns fiscais da Prefeitura, inclusive Ricardo Borges Gama (Didi), pai de meu saudoso amigo Armênio Alves, saíam com espingardas eliminando-os o que gerava uma comoção e revolta dos donos desses animais. Muitos corriam e prendiam seus porcos e cachorros enquanto os fiscais estavam atirando, e no dia seguinte lá estavam de volta  nos monturos, que são  esses pequenos montes de lixos, onde proliferam ratos, baratas e mosquitos. 

Num rápido contato informal que tive com o ex-prefeito  procurei saber se ele tinha algum projeto para construção de uma estação de tratamento de esgotos. Ele me respondeu que já existia algum estudo, e que naquela ocasião, fazem uns cinco anos que tive esta conversa, e que a previsão era de um custo de R$ 58 milhões. O custo é significativo, mas pode ser financiado a longo prazo através o BNDES ou Caixa Econômica Federal ou mesmo  como concessão a uma empresa privada de acordo o Marco do Saneamento Básico. Acho que é hora da população pombalense cobrar dos gestores municipais o tratamento dos esgotos em defesa da saúde .

Voltando ao Salú  em 1971 foi eleito para o cargo de vereador e a partir daí a política passou a fazer parte de sua vida. Este primeiro mandato durou de 1971-1972 e começou a desenvolver ações de interesse da comunidade tais como lutar pela autonomia política da Câmara dos Vereadores, trabalhar pela vinda do sinal de TV através a torre da antiga Tebasa, votação do plebiscito para a criação da Micareta na Cidade, e foi o autor de um projeto de lei para a construção de um Ginásio Esportivo na sede do município.

Vieram novas eleições quando é reeleito vereador com mandato de 1973-1976. Ai o Salú Enfermeiro, como era conhecido, já estava completamente integrado à vida política e social da Cidade. Sócio fundador do Lions Clube de Ribeira do Pombal, Presidente do Grêmio Social de Ribeira do Pombal e da Liga Esportiva Pombalense. Foi reeleito para o seu terceiro mandato de vereador de 1977-1982, e neste período assumiu a Presidência da Câmara de Vereadores, por duas vezes. Foi reeleito pela quarta vez 1983-1988, quando exerceu o cargo de Segundo Secretário da Câmara Municipal de Ribeira do Pombal, quando no exercício de seu mandato em 14 de abril de 1988 sofreu um enfarte e veio a falecer.

João Alfredo fala da amizade
                    AMIGOS NA POLÍTICA 

O ex-vereador e comerciante João Alfredo Bittencourt, 77 anos, disse que  teve a oportunidade de conhecer o Salú logo que chegou à esta terra na década de 70. Chegou como enfermeiro e fez um bom trabalho combatendo algumas doenças, especialmente o surto de peste bubônica que se acometeu sobre a Cidade. Candidatou-se a vereador e foi eleito no mesmo período que fui candidato a vice-prefeito na chapa com seu Edvaldo Calazans, (Divá). Ele teve uma votação boa por trabalhar na saúde e conhecer muita gente. Daí em diante me elegi vice-prefeito e ele vereador. Estreitamos nossa amizade e posso dizer que chegamos a ser amigos. Saíamos para o interior do município e frequentávamos as nossas casas. Terminei indo para a oposição, parece uma mania que tenho, sempre termino na oposição, e isto tem me custado caro. Nossa amizade era tanta que consegui que Salú rompesse com Ferreira Brito, com quem tinha uma amizade de muitos anos. Eu também tinha, mas nos indispomos com o então prefeito seu Divá e terminamos formando um grupo independente. Era eu, Salú, Tota Santos, que era vereador também, Vandinho da Passos Nobre, o

Foto 1. As filhas Marta, Virginia, Salette, Rúbia e Cristina.
Foto 2.Salú dançando com a filha Rúbia.
 Foto 3. Os filhos Marcos, Orlando, Mecenas e Marcelo. 
médico Nelson Cardoso e Zito da Cachaça. Fomos fazendo política até que no ano de 1982 tivemos um papel fundamental na candidatura a prefeito de Pedro Rodrigues. Salú inclusive, já era meu compadre, pois batizei uma das filhas dele. Fomos para eleição, bom tribuno, bom de palanque fomos bem-sucedidos. Nos elegemos vereadores. Dei uma contribuição na eleição dele conseguindo que José Rodrigues Gois (Zé Careca), do Barrocão, que era um cabo eleitoral forte votou nele por meu intermédio. Quando veio a posse de Pedro Rodrigues fui ser candidato a presidência da Câmara de Vereadores e o Salú foi ser o Secretário. Ele era muito competente na parte administrativa. Fomos andando e fizemos uma amizade cada vez mais sólida. Foi bem-sucedido na política, construiu uma família muito bonita. Foi um cara que veio de fora e fez muitas amizades aqui. Infelizmente morreu precocemente, e muito merecidamente moro na rua que leva o seu nome.” Foi homenageado pós morte com seu nome de Escola Municipal Salustiano Barreto Mendonça e com o nome da rua onde residiu seus últimos anos. 

O ex-comerciante João Batista da Silva (Zito), de 84 anos, hoje aposentado, é uma

O sr. João Batista Silva ( Zito)
espécie de conselheiro, que agrega muita gente e suas opiniões são sempre procurando apaziguar. Dizem que é uma pessoa que sempre tem algo a dizer, e por isto reúne quase todos os dias em sua casa à noite muitos amigos de várias tendências políticas que vão lá trocar ideias sobre vários assuntos. Ele não gosta que seus amigos briguem por política ou qualquer outro assunto. O Salú era um dos frequentadores desta roda de amigos. Disse seu Zito que “o Salú deixou falta no seu tratar, no seu jeito de ser. Era carismático, respeitador.” Foi eu que fundei a maçonaria aqui com o finado Marivaldo Aragão e João de Alfredo. Abri um supermercado e um depósito de bebida. O coronel da PM comandante do batalhão de Alagoinhas tinha entrado na maçonaria na mesma época. Quando fui nomeado delegado de polícia o procurei e pedir mais soldados para garantir a segurança dos pombalenses. Aí ele disse escolha os homens. Respondi não sei. Vou mandar 20 homens para lá e duas viaturas. Aqui tinha três soldados. Passei uns dois anos sendo Delegado, e José Francisco de Farias Assis (Feitosa) era o suplente depois de dois anos eu entreguei a ele. Tinha uns inimigos muito complicados em Cícero Dantas, mas lá eu tinha uns quarenta homens meus amigos. 

Foto 1. Os pais de Salú: o Sr.Antônio Sodré Mendonça e
d.Virgínia Barreto Mendonça. Foto 2. Salú com a esposa
Antonieta Lamêgo Mendonça. Foto 3. Salú no aniversário
do neto Rodolfo, filho de Marta Maria Mendonça Macedo.
Tenho 84 anos e sou natural de Cícero Dantas, mas vim para Ribeira do Pombal gostei daqui e estou até hoje. Cheguei aqui em 1972 fui casado com Maria Ivanda Oliveira Silva (Vanda), falecida,  e tenho sete filhos: Ana Maria, Ângela Maria, Rosângela, Josefa Eliana (Lila), Marcelo, João Fábio e Humberto. Voltando a falar de Salú era um bonachão, quando bebia ficava zangado. Uma vez teve uma briga com Juca Brito e deu trabalho para apartar. O Juca saiu com uma perna machucada. Tudo isto por causa de política. Lembro neste dia ele tinha rompido com Ferreira Brito e estava bebendo onde é o bar onde hoje é da filha de Salú, na padaria.  Era um bom sujeito, bom pai, bom amigo. Você sabe que na política é assim o cara é um bom amigo e por causa de política deixa de ser, e às vezes vira até inimigo.

Eu sempre tive meus amigos. Quem escolhe meus amigos sou eu e não a política. Eu disse a Natan Brito, aqui chega amigos de todas as tendências Vinicius Valadares, Paulo Neves, Marcelo Silva, Luiz Eduardo Brito Luz (Duda), José Carlos Oliveira (Ninho de Himério), Bergson Ribeiro,  e outros, e batem papo sobre política. Vinicius Valadares é oposição e o Natan que é da situação. Aqui eles discutem política e outros assuntos numa boa. Vivo cheio de amigos de todas as tendências. Em Cícero Dantas trabalhei no DNOCS por dois anos, e foi Oliveira Brito que me arranjou este emprego. Fui vereador e apoiei José Lourenço e votei em Waldir Pires que perdeu, e eu ganhei. Depois vim para Pombal e não mais me candidatei. O Waldir Pires era mais velho do que eu dez anos. Vereador não tinha ordenado, não ganhava nada."

Sua filha Marta fala do pai
Finalmente, a sua filha Marta Maria Mendonça Macedo, que já trabalhou na Receita Federal, na Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos , e foi secretária executiva dos prefeitos Ferreira Brito e Edval Calazans de Macedo, e no Baneb por onde se aposentou por tempo de serviço e atualmente é uma micro- empresária disse “que Salú foi um grande pai, um grande esposo e também um grande amigo. Ao chegar em Ribeira do Pombal fez grandes amizades. Sempre teve a política no sangue e se destacou como político se elegendo vereador por quatro mandatos. Foi um aliado de Ferreira Brito por muitos anos e durante várias gestões. Prestou seus serviços na saúde e na Prefeitura de Ribeira do Pombal, recebeu na Câmara de Vereadores o título de Cidadão Pombalense. Era conhecido por tratar as pessoas de “seu Porrretinha”. Honrado e respeitado por todos e mesmo com trinta e três anos de falecido ainda é lembrando com carinho. Hoje tem uma grande avenida onde ele residiu, e moramos atualmente que tem o seu nome. Fez ainda muita caridade e prestou serviços relevantes ao município. Fico emocionada ao falar de meu pai e sei que ele contribuiu para o desenvolvimento de nossa Cidade”.O surto de peste bubônica atingiu o Brasil em 1899 e a Bahia em 1904, alastrando-se para o interior do estado na década seguinte. Buscamos contribuir com estudos acerca da história da saúde e das doenças no interior do Brasil, haja vista que já há uma importante produção sobre boa parte das capitais brasileiras

                                  PERIGO PERMANECE

Foi para combater esta doença terrível que é a peste bubônica ou peste negra que o técnico em enfermagem Salustiano Barreto Mendonça veio para Ribeira do Pombal. Sua missão era exterminar os principais hospedeiros que são os ratos e alguns animais domésticos. As condições de saneamento básico na Cidade eram muito precárias. Por incrível que pareça à esta altura ainda não temos sequer uma estação de tratamento de esgotos na Cidade , e em muitas ruas as águas servidas correm à céu aberto, o que representa um perigo para a saúde da população pombalense. Os dejetos estão sendo jogados in natura. Espero que com a aprovação recente do Marco de Saneamento Básico as autoridades locais se preocupem com este grave problema para que outras doenças sejam evitadas.

Quanto à peste bubônica trata-se de uma infecção bacteriana grave que é transmitida por pulgas. Os sintomas incluem o inchaço dos gânglios linfáticos, que podem ficar grandes como ovos de galinha, na virilha, na axila ou no pescoço. Outros sintomas incluem febre, calafrios, dor de cabeça, fadiga e dores musculares. Portanto, requer tratamento hospitalar urgente com fortes antibióticos. No século XIV a peste bubônica ou peste negra atingiu o continente europeu dizimando um terço da sua população. É causada pela bactéria yersinia pestis e surgiu na Ásia Central, trazida para a Europa pelos navegantes genoveses.

NR- Mais uma vez meus agradecimentos ao parceiro Hamilton Rodrigues que incansavelmente busca as informações com os parentes e amigos dos aqui lembrados. Muitas das fotos são feitas por ele, e o importante é que  faz este trabalho com muita satisfação.




sexta-feira, 15 de abril de 2022

O MESTRE ZABUMBEIRO SIMÃOZINHO

A zabumba de Simãozinho  voltará a animar as festas
religiosas da Paróquia de Ribeira do Pombal.
O Simãozinho é um desses personagens que   contribui para que nossa Cidade preserve a   essência da sua alma sertaneja. Seu nome é   Simão Bispo da Cruz, 84 anos. Tem pouco   mais de 1,50 e uma disposição invejável em   realizar seus afazeres e principalmente um   prazer imensurável   em tocar sua zabumba   para animar as pessoas   nos locais onde for   convidado. Já foi ajudante de pedreiro,   pedreiro, carpinteiro sempre em busca de uma   sobrevivência digna para sustentar sua numerosa prole. Mas, a música o arrebatou desde criança olhando e ouvindo seu pai Flaviano da Cruz tocando e conduzindo sua zabumba. É  filho de   Flaviano Bispo da Cruz e Francisca Maria de   Jesus. Teve como irmãos Raimundo Bispo de   Jesus e Valentim (falecidos), Juarez e João   Bispo de Jesus. Foi casado durante 25 anos   com Teresinha Maria de Jesus e tiveram   dezenove filhos: Creuza, Nivaldo, Célio,   Lourdes, José, Carlos, Oswaldo (falecido), José Domingos (falecido), João, Antônio, Cristiano, Maria das Graças, Elzamir , Marlene, Maria José, Cristina. “Dois foram peguços ( nasceram mortos), não vou dizer os nomes.  Agora no seu segundo relacionamento com Maria das Graças Santana do Nascimento (Gracinha) já completaram 27 anos de convivência, e não tiveram filhos. Mas, d. Gracinha teve cinco filhos do seu primeiro marido.

Iniciou a vida como ajudante de pedreiro, alguns anos passou a trabalhar como pedreiro e carpinteiro. Mas, a sua vocação era ser zabumbeiro e para isto teve que aprender a fazer seus próprios instrumentos. “Sou aposentado, mas ainda faço meus trabalhos pequenos. Não faço trabalho graúdo porque já não posso mais fazer. Não é por não poder. É porque a idade está boa, né. Ainda sábado mesmo arranquei uns aipins, raspei, botei na prensa de noite e no dia seguinte torrei duas fornalhas de farinha, que deu dois sacos.”

Simaõzinho e sua esposa Graça que o acompanha.
Tem setenta anos que toca instrumentos. Aprendeu  com seu pai vendo-o tocar. “Quem nasce dentro do  samba, tem que ser sambado  também”, diz o  Simãozinho com seu jeito matreiro  de se expressar.  Toquei muito nas novenas nas roças,  depois com  Donana da pensão com as quadrilhas.  Arranjei uns  meninos aqui na Rua da Ribeira, que na  época tinha  muito mato, uns filhos de Raul de Felipe. Portanto  eram três irmãos: Alfredinho, Antônio e  Benedito que aprenderam comigo a tocar. Quem  primeiro me chamou para tocar foi o velho Quinca  Pereira, tio de Oswaldo Rocha. A mulher de seu  Quinca era tia do Oswaldo Rocha, atual dirigente do  órgão da Cultura, em Ribeira do Pombal. Tocamos  cinco dias nas novenas de São Vicente. "
Continua Simãozinho:"Pombal não tinha uma pedra  de calçamento em canto nenhum! Ninguém sabia o  que era  calçamento em Pombal. Eu tinha  12  anos de idade, e já tinha aprendido a tocar, e certo dia com outros  meninos amanhecemos o dia tocando. Pombal era um chiqueirinho deste tamanho”, e faz o gesto com as mãos formando um pequeno círculo. Ele relembra que seu Manoel Ernestino achava muita graça daqueles meninos tocando, e aí disse: “me dê um chapeuzinho de vocês aqui”, e colocou na cabeça.

                                             SUAS LEMBRANÇAS 

Relembrou  que "em frente a casa de seu Manoel Ernestino na festa da padroeira Santa Tereza D'ávila , no dia 15 de outubro, faziam uma espécie de curral onde ficavam os bois e outros animais doados pelos fazendeiros locais para fazer o leilão com o objetivo de arrecadar dinheiro para a manutenção da Paróquia. Eram bois de 25 e até 30 arrobas! Tudo na areia! Não tinha nada calçado. Depois a gente ia para o Curralinho, no final da festa de Santa Tereza, num caminhão. Ia meu pai, João Felix, Manoel Felix no caminhão de Cardoso Brito ou de José Leôncio, que comprou um Chevrolet e seu filho Sebastião acabou de tanto correr dentro da rua. Quanto mais chovia trovoadas e fazia buracos mais ele gostava de colocar o caminhão dentro dos buracos. Acabou com o caminhão”, conta Simãozinho

“Meu pai tinha os zabumbeiros dele. Ele se criou sem pai, quando meu avô morreu tinha quatro anos de idade, sendo o mais novo da família. Meu pai Flaviano da Cruz era pedreiro e trabalhou 55 anos como coveiro do cemitério da Cidade. Já os  10 anos de idade  tocava com meu pai a caixinha. Com a morte dele ficaram os instrumentos, ele não fazia seus instrumentos foram  adquiridos  de outras pessoas. "

Simãozinho e Gracinha fazendo um tambor da Zabumba.
"Depois passei a fazer gaitas com canudos de mamoeiro. A primeira música que toquei foi Asa Branca, tão cantada por Luiz Gonzaga. Por ali eu fui. O velho seu Tidinho (Agenor Soares da Silva) tinha uma tenda de fazer foguetes. As casas na época não tinham muros. E no fundo da casa de seu Tidinho eles jogavam pedaços de bambus que não serviam para o fabrico dos foguetes e de outros fogos de artifícios. Sobravam esses pedaços de bambus, tabocas, aí eu pedia e ele me dava. Eu pegava e media para ver se dava para fazer uma gaitinha e levava os que serviam. Então eu saia com aqueles pedaços de tabocas e com uma faquinha bem amolada fazia a boca, os furos e tinha que arranjar cera de abelha mandaçaia e fazia o tampo da gaita. (Esta abelha é considerada a abelha social brasileira). Meu pai criava abelhas e eu pegava escondido a cera. Hoje sou o mestre Simão da Zabumba, e meu Grupo Raio de Sol era formado por Simãozinho na flauta,  Valdelice na flauta dois, na caixa o Zé Caboco ( falecido) , na zabumba (tambor) Miguel, e nos bacamartes Zequinha e Juarez.”

"No dia 3 de maio vamos  para a Serra da Gruta que fica a uns 13 quilômetros de Euclides da Cunha. Vou levar umas cinquenta pessoas para animar a festa. Tocar para mim é um prazer que não sei descrever. Eu acho muito bonito tocar, e gosto de fazer os instrumentos que monto e desmonto sempre procurando um melhor som. Minha zabumba é de madeira e de cordas. Não gosto de zabumba de metal. Instrumento de cultura popular é feito de madeira, na mão grossa. Quem tem máquinas boas faz com mais facilidade, usando compensados. Eu uso a madeira timbira que tiro no mato.", diz Simãozinho.

O velho e saudoso Flaviano da Cruz , e os zabumbeiros que
acompanharam o cortejo fúnebre tocando até o cemitério


              MORTE DO FLAVIANO
 "O velho  Flaviano da Cruz passou quinze dias acamado, muito doente. Eu trabalhava na madeireira Castro, e minha companheira Gracinha foi ajudar a mulher dele a cuidar de meu pai. Todos os dias ia almoçar na casa dele para poder ver como estava. Durante à noite eu ficava cuidando dele juntamente com meu irmão Raimundo. Foram quinze dias de sofrimento até que  no dia 14 para o dia 15  de maio de 2001 ele veio a falecer. Veio muita gente para o velório e o Cardoso do Hospital apareceu com um cd de músicas de zabumba para tocar durante o velório. Foi quando meu irmão Raimundo achou estranho e não queria permitir. Mas, eles conseguiram convence-lo, e o cd foi tocado. No dia seguinte caiu numa sexta-feira chuvosa, então  decidimos que o cortejo até o cemitério seria acompanhado pelos zabumbeiros. Na frente do cortejo iam três  homens conduzindo as duas grandes velas e a cruz, e os zabumbeiros acompanhando  durante todo o cortejo até o cemitério." O seu Flaviano Cruz morreu aos 94 anos de idade.

“Já o bacamarte - assegura Simãozinho - é dos tempos velhos. Surgiu para animar os festejos de São João. A gente soltava os foguetes grandes, que chamamos de foguetões, muitos pequenos . Após o estouro da última bomba entra o bacamarte para animar. Ele lamenta que muita gente bebe e faz besteiras durante esses festejos populares. Ficam atirando com os bacamartes na fogueira e no pau de sebo. Teve um dia durante os festejos de Todos os Santos, na Boca da Mata, que passaram a noite para derrubar um  pau de sebo. Eram dezesseis bacamartes atirando. Foi muito fogo até o pau de sebo cair completamente destroçado”

O produtor cultural Oswaldo ressalta a
 importância de Simão para a cultura.
"Estamos programados para tocar no dia 3 de maio na festa da Santa Cruz, do Serrote, no município de Sítio do Quinto. Dia 4 de maio começa o novenário de Nossa Senhora de Fátima, no Pombalzinho, e vai até o dia 13. "As alvoradas que a gente fazia antes da pandemia  vamos retomar  com o Simãozinho à frente, diz Gracinha." 
         
                 A  ZABUMBA DE VOLTA 
 Lembra o produtor cultural Oswaldo Rocha Gois  que o "Simãozinho  participa de outro movimento que é o do bacamarte de origem portuguesa. Esta manifestação do bacamarte permanece viva e forte na Boca da Mata com seu Marcílio, e Simãozinho também faz parte.”

"A zabumba foi afastada das festas da padroeira Santa Tereza nos anos 80 para cá. Não deixaram espaço para a zabumba, e agora o padre atual Rosivaldo Gama , que tem um olhar sensível para as manifestações populares tem buscado esta parceria com o órgão de Cultura para colocar a zabumba de volta. Recentemente, fizemos uma novena de São José, e quem abrilhantou pela primeira vez durante nove dias foram os zabumbeiros do Grupo Raio de Sol, comandado por Simãozinho” afirmou Oswaldo Rocha Gois, que é professor de História e produtor cultural.

Foto 1.O Grupo Raio de Sol com dois bacamartes.
Foto 2. Exibição  no Shopping Barra, em Salvador
Prosseguiu Oswaldo Rocha: “Vou falar sobre seu Simão, o Simãozinho, que é um artista popular e folclorista importante porque além de fazer música, ele produz seus instrumentos usando elementos naturais como madeira, couro, cordas de feitas de caroá ou de folha do ouricurizeiros. O seu pai Flaviano cruz tinha sua zabumba, mas não fabricava seus instrumentos. Portanto, mais um diferencial do Simãozinho que é muito hábil em fabricar seus próprios instrumentos, além aceitar encomendas de outros zabumbeiros. Tem regiões que chamam a zabumba de banda de pífanos. Aqui nós chamamos de zabumba, e é muito ligada com a religiosidade do povo, especialmente com a igreja católica. Ele viaja para vários lugares levando a sua arte e o nome de nossa Cidade para várias localidades  e até para Salvador. É uma espécie de doutor da cultura popular. Recentemente, a TV Cultura da Bahia fez um documentário muito interessante sobre o trabalho de Simãozinho. “
Falando dos bacamartes Simãozinho disse  que é  um militar lhe perguntou certa vez se a arma dava tombo ao atirar e ele respondeu que “sim, e muito”. ao atirar tem que ter muita responsabilidade”. 
Conta Simãozinho que "estava fazendo uma apresentação na frente da casa do médico dr. Nelson Cardoso. Aí fizeram uma rodinha e eu atirei. Disse logo que menino de menor não podia ficar por perto. Certo dia fui fazer uma apresentação durante uma novena em Tanque Novo e um homem ficou na minha frente na hora que eu ia acionar o bacamarte. Foi aí que falei. Rapaz, saia da minha frente pelo amor de Deus! Eu não vim aqui para atirar em gente não. Vim aqui para fazer festejos. Lembro que é pólvora pura com uma bucha de papel. É um tiro muito forte. Não podemos facilitar. Temos que atirar com responsabilidade e aguentar o coice que o bacamarte  dá”.
Oswaldo Rocha Gois elogia a postura de Simão  " porque ele como artista compreende a importância da cultura popular. É um produtor cultural que participa das atividades que o órgão de cultura local realiza. Já participou de um documentário feito pela Universidade Federal da Bahia, em 2005, e de um grande evento no Shopping Barra, em Salvador, sendo um dos convidados principais. Foram participar o Simãozinho e d. Maria de Beja, do Reisado. Aqui  ele tem se esforçado muito para que esta arte não morra. As gerações atuais não estão interessadas em produzir o trabalho de zabumba. Ele faz instrumentos e até fornece para as aldeias indígenas da região. “

O zabumbeiro Ladislau.
 No seu depoimento d. Maria das Graças do Nascimento,   sua companheira Gracinha, disse que tinha cinco filhos, mas tiraram um   de mim, agora só tenho quatro: Rita, Roberto, Cristiane e Rosel, e   Robenildo (Nininho), falecido. Como o meu companheiro Simão   (Simãozinho) não tivemos filhos. Ele é um  apaixonado pela zabumba.   Tanto toca como faz seus instrumentos e eu o ajudo. É um mestre da   zabumba e vem desde o avô dele. Eu me adaptei a ele e estou presente e   acompanho os seus passos”
 Informa o zabumbeiro Ladislau Santos da Soledade, de 51 anos,   solteiro, que já tocou muito com Simãozinho que atualmente tem seu próprio grupo de tocadores. "Eu tenho uma zabumba com todos os  instrumentos, porém ainda não coloquei o nome de meu grupo. Já completei uns dez anos de apresentações.  Foi o Simão quem fez todos os instrumentos que usamos o tambor, a caixa e as gaitas. Sempre estou tocando onde for possível, quando somos convidados” 

                                                       A  ORIGEM DA ZABUMBA 
"Sua origem não é unanimidade entre pesquisadores. Alguns acreditam que tenha surgido na Europa, outros na África e, ainda, há quem afirme que é de origem indígena. Alguns pesquisadores dizem  que o pífano teria chegado ao Brasil por meio de jesuítas e militares portugueses. Já em terras brasileiras, teria sido apresentado aos indígenas – que passaram a utilizar o instrumento em rituais de dança – e disseminado pelos sertões, ao longo dos anos. As bandas de pífano são grupos instrumentais de percussão e de sopro. Alguns pesquisadores apontam semelhanças entre as bandas de pífano e orquestras africanas de São Tomé e Príncipe. Os instrumentos que compõem a banda podem variar de acordo com a região ou estado brasileiro. No entanto, em geral, a base é formada por dois pífanos – que comandam a banda –, um surdo, um tarol (instrumento de percussão similar à caixa) e um bombo (tambor cilíndrico de grande dimensão), também conhecido como zabumba. Além desses, caixa, tambor, pratos de metal, triângulo, ganzá e viola também podem integrar a banda. A denominação do conjunto também pode variar entre cada estado nordestino, além de Minas Gerais e de Goiás, localidades onde são mais populares. Por exemplo: banda de pífanos, zabumba, cabaçal, esquenta-mulher, banda de negro, terno, banda de couro, musga do mato e pipiruí." Fonte MultiRio.

NR- Quero agradecer a Hamilton Rodrigues meu parceiro neste projeto de resgatar a memória dos que contribuíram e contribuem para o desenvolvimento econômico, politico, social e cultural de Ribeira do Pombal. Agradecemos à todos àqueles que queiram cooperar de alguma forma para que possamos realizar este projeto como uma contribuição para as futuras gerações. Não existe presente sem passado. 

 


sábado, 9 de abril de 2022

MEU AVÔ "IOIÔ" FERREIRA DE BRITO

 
Foto 1. Meu avô sentado com seu semblante sereno.
Foto 2. Ele com idade de uns 60 anos. Foto 3.Na
Fazenda  Salgadinho com seu tradicional pijama.
T
enho lembranças do meu tempo de criança e de minha alegria quando meu pai nos colocava em sua Rural Wyllys, de cor azul, e íamos passar o dia na Fazenda Salgadinho pertencente ao meu avô João Ferreira de Brito, seu Ioiô Ferreira, como era carinhosamente chamado, nos aguardava. Quase sempre estava sentado numa velha poltrona de tiras de madeira ou num extenso banco no alpendre de sua casa, que descortinava uma bela lagoa, o bananal e o canavial, as mangueiras e os coqueiros centenários do brejo. No inverno ou durante as chuvas de trovoadas a lagoa enchia, e as águas passavam em velocidade percorrendo quilômetros vencendo cercas, e outros obstáculos até desaguarem no rio Itapicuru. Meu avô nasceu em Ribeira do Pombal em 6 de outubro de 1886 e faleceu em 7 de novembro de 1964, aos 78 anos de idade.  Além de fazendeiro ocupou alguns cargos públicos como Delegado de Polícia, Intendente Municipal de 1924 a 1927, e várias vezes Presidente do Conselho Municipal de Ribeira do Pombal. Era um homem de 1,95 de altura, magro, com barriga de jovem, austero, respeitado, mas de fácil diálogo e gostava de uma boa conversa. Tinha uma verdadeira adoração pelo ex-Ministro Oliveira Brito, seu sobrinho, e era muito ligado a Ferreira Brito. Ele era considerado como uma espécie de poder moderador da política pombalense, sempre procurando agrupar os membros da sua família para não haver dispersão, e evitar conflitos com a oposição. Várias reuniões para escolha de candidatos a prefeito, vice e vereadores foram realizadas em sua presença na icônica Fazenda Salgadinho, hoje  desfigurada.

É de meu avô que hoje vou falar. Lamento não ter tido mais convivência com ele porque quando terminei o meu curso de Admissão vim estudar interno em Salvador, no Ginásio Salesiano e depois no Colégio Antônio Vieira. Portanto depois de meus 15 anos só o via durante as escassas férias. Vocês que hoje têm muito mais contato e intimidade com seus avós valorizem esta convivência, e que seja fraterna, amiga e não de conflitos desnecessários.

Meu avô era filho de Antônio Ferreira de Brito  (Ferreirinha) e Josefa Soares de Brito. Seu pai era considerado o chefe  político em Pombal, foi  Intendente, filiado durante a  Monarquia  ao Partido Conservador. Deixou uma numerosa prole de 16 filhos : Antônio Ferreira de Brito Filho,  Licério Ferreira de Brito, Rogaciano Ferreira de Brito ( Dantinhas), Maria Ferreira de Brito Costa (Iaiázinha), Ana Ferreira de Brito Costa, Josefa Ferreira de Brito ( Iaiá Dona), Domingos Ferreira de Brito ( Brito), conhecido também como o velho Brito dono  do sobrado que foi demolido, Cecília Ferreira de Brito Macedo, Maria Ferreira de Brito Rabêlo ( Iaiá), João Ferreira de Brito  (Ioiô), Ana Ferreira de Brito Gama (Sinhazinha), Alzira Ferreira de Brito Ávila, Joaquim Soares de Brito (Quincas), Bêdo Ferreira de Brito, Teresa Ferreira de Brito Fontes e Silvia Ferreira de Brito. Ao olhar a árvore geneológica da família Brito Dantas a qual foi organizada por Claudio de Brito Reis até o ano de 1992 notei que houve muitos casamentos entre primos , um exemplo é que meu pai Reinaldo Jacobina Brito era primo carnal de minha mãe Nivalda Dantas Brito.


                    O ACIDENTE

Foto 1. Nesta garagem ocupada por um carro era o quarto
onde ocorreu o acidente. Foto 2. Imóvel que lhe serviu 
de moradia na rua Júlio Guerra de Almeida, 67.
Meu avô  gostava de ler, mesmo morando na fazenda onde a luz era de
candeeiros e placas a querosene ele se esforçava para saber das notícias da Bahia, como se chamava antigamente no interior a nossa Salvador, e do Rio de Janeiro que era a capital do país. Foi assinante da Revista Seleções , que ainda hoje circula. É uma revista de variedades. E foi assim que num dia fatídico do ano de 1948 lendo o jornal adormeceu e as chamas do candeeiro atingiram o jornal, e em seguida a rede onde adormecia. Foi encontrado desmaiado e queimado atrás da porta do quarto onde tinha ido descansar. As queimaduras foram tão sérias que teve que amputar a perna esquerda. Esta amputação foi feita numa emergência em Ribeira do Pombal em precárias condições e sem anestesia adequada pelo seu genro dr. Décio de Santana. Meu avô gritava   tanto por causa das dores dilacerantes, que os filhos foram levados para as proximidades da igrejinha da Santa Cruz, que existia na entrada da Cidade, próxima onde ficava o antigo Quartel.  Dias depois o levaram para Salvador onde foi submetido a outra amputação para reparar a cirurgia de emergência.

Neste dia não estava em sua fazenda, e sim na casa de sua filha Josefa Jacobina Costa   (Sinhá), que ficava vizinha à casa dos meus pais. Ele tinha vindo da Boa Hora, povoado hoje pertencente ao município de Ribeira do Amparo, onde teria ido resolver uma disputa de limites de terra com um vizinho de sua propriedade de nome Venâncio. Cansado da viagem tomou seu café  deitou numa rede e foi ler um jornal. Recebia com certa regularidade jornais do Rio de Janeiro, especialmente o Jornal do Brasil e o Jornal Correio da Manhã que eram enviados pelo seu sobrinho Oliveira Brito. então deputado federal, e foi algumas vezes Presidente da importante Comissão de Constituição e Justiça, e depois Ministro da Educação e Cultura e Ministro de Minas e Energia, no Governo João Goulart. 

 A cicatrização  foi lenta e dolorosa. Como era um homem sensível deitado em seu leito onde ficou por longo período lembrou de suas andanças pelo sertão em busca da sobrevivência e fez um lindo poema se despedindo dos amigos, das estradas por onde passou e dos morros que sempre admirava. Veja:

                Despedida do Sertão

"Adeus povo de Massacará / Dê lembrança ao Caimbé /Não me esqueço de Rosário/ Nem também do Aribicé. /Adeus minha Serra Branca/Tão bons amigos deixei / Não esqueço da Varzinha / Onde muito passei. / Tratamos de Bom Jardim / Adeus Antônio de Isabel / Não posso nunca esquecer / De José Dantas Xavier. / Não sei qual foi nossa culpa / De sermos tão condenados / De trazer a mesma sina / de ambos morrer queimados. / Adeus meus bons compadres / Comadres minhas amigas / Adeus casa em que embalava / Seus filhinhos com cantigas. / Adeus meus afilhadinhos / Deus os queira abençoar /Não terei mais o prazer/ De ir aí os abraçar. / Adeus Cachoeira da Ilha / Riacho de Caimbé / Adeus meu fiel amigo / Euclides de Aribicé. / Adeus velhos, adeus velho / homem, menino e mulher / Não posso nunca esquecer/ do povo de Caimbé. / Adeus florestas, caatingas / Estrada que eu viajava. /Adeus casas dos amigos / Que eu sempre me hospedava. / Adeus povo hospitaleiro / Do meu amado sertão / Se tens agravo de mim / A todos peço perdão. / Faz um ano que me acho / Aqui no leito deitado/ Peço perdão a todos / E quero ser perdoado. / Eu carrego sobre os ombros / Uma pesadíssima cruz / Daquela que foi cravado / o nosso Amado Jesus.

Bom Conselho, sertão da Bahia, 27 de setembro de 1949. "

Seu sobrinho Oliveira Brito o levou para o Rio de Janeiro onde ganhou a sua primeira perna mecânica, o que lhe deu mais um pouco de mobilidade. Quando a perna o incomodava e o feria no lugar da amputação era hora de voltar para trocar a perna mecânica. Durante a sua vida trocou de perna mecânica por sete vezes, e ele guardava todas elas. Para viajar ao Rio de Janeiro geralmente era tio Milton Jacobina que vinha buscá-lo, levava até o aeroporto Dois de Julho em Salvador, e o embarcava num avião para o Rio de Janeiro. Lá já o esperavam o seu Godinho, que era secretário de Oliveira Brito ou então o próprio. Ele nunca aceitou esta amputação. Tinha momentos que ficava silencioso com o semblante fechado, e lembro dele olhando em silêncio as terras que tanto amava. 

                                                      SUA TRAJETÓRIA

Temos ai  os dezoito  filhos de Vovô. Nos dois primeiros
blocos os filhos do casamento com minha avó Beatriz. No
terceiro bloco, os filhos que teve com d. Joana Alves dos
Reis, e no quarto bloco os filhos com d. Ana Alexandrina.
O meu avô João Ferreira de Brito nasceu em 6 de outubro de 1886 em Ribeira do Pombal.Já adulto foi tropeiro na região de Euclides da Cunha com seus burros e mulas viajava negociando com animais e cereais. Comprou uma pequena propriedade no Caimbé e tinha uma casa simples no povoado que lhe servia de abrigo em suas andanças em busca da sobrevivência. Muitas vezes levava longas temporadas nesta região. Mas, sua moradia era em Ribeira do Pombal na Fazenda Salgadinho que tinha uma extensa área que ia até a localidade de Bodó. Ali mantinha vários agregados em suas terras, os quais construíam casas e cultivavam principalmente milho e feijão, além de criar algumas cabeças de gado e ovinos. 

Foto 1. A casa da Fazenda Salgadinho.
Foto 2. Meu pai Reinaldo com Joselito e Heraldo.
Casou-se com Beatriz Vieira Jacobina e tiveram 15 filhos, sendo dois partos de gêmeos, porém, num desses partos os gêmeos não sobreviveram.  Anos depois houve a separação e o desquite, e meu avô Ioiô Ferreira colocou seus filhos num carro de boi e os levou para a Fazenda Salgadinho onde os criou.

Quando ficaram adultos os homens tomaram cada um o seu rumo sendo que o mais velho tio Antônio Jacobina foi morar em Jequié, meu pai Reinaldo Jacobina foi para Jacobina, tio Deraldo Jacobina terminou fixando residência em Santo Antônio de Jesus, e depois Salvador. Tio Lourival foi para Jequiriçá, onde foi prefeito e faleceu precocemente aos 50 anos de idade. Tio Justiniano Jacobina era coletor federal e morou em Itaberaba, chegou a ser prefeito, foi ele que levou água encanada para a Cidade. Depois foi transferido para Itapetinga e comprou uma bela fazenda, mas anos depois retornou para Itaberaba onde veio a falecer. Tio Milton Jacobina foi investigador de polícia, chefe do trânsito em Vitória da Conquista e passou boa parte de sua vida em Salvador, negociando com automóveis. Naquela época não existiam concessionárias os carros eram importados, até que Juscelino Kubistchek trouxe a indústria automobilística para o Brasil.
 Mesmo assim, ele continuou comercializando seus automóveis e terminou indo morar em Ribeira do Pombal. Aqui foi covardemente assassinado pelas costas.Tio Joãosito esteve morando no Rio de Janeiro  onde trabalhou nas Lojas  Sendas.Voltou para a Bahia e foi trabalhar na Rede Ferroviária com seu irmão Deraldo Jacobina , depois se fixou em Ribeira do Pombal .Trabalhou nos Correios e  fundou um cinema .
 Já minhas tias permaneceram em Ribeira do Pombal e aqui constituíram suas famílias. Minhas tias Maria Emília (Nenê) e Julieta, casaram-se e ficaram por uns anos a morando na Fazenda Salgadinho, depois se mudaram para a Cidade de Ribeira
Tia Orádia Jacobina
do Pombal. Já tia Perpétua (Santinha) veio para Salvador acompanhando as filhas Lícia e Delci que vieram estudar.
Minha avô Beatriz teve uma filha do seu segundo relacionamento que é tia Orádia Jacobina de  Santana completamente integrada como todos os outros irmãos enquanto viveram e com os que ainda vivem.

Meu avô teve um relacionamento com d. Joana Alves dos Reis  do qual nasceram dois filhos Rogaciano Alves dos Reis e Ariston Alves dos Reis. Mas, nas suas idas para o sertão onde permanecia algumas semanas conheceu no povoado de Caimbé a jovem Ana Alexandrina de Jesus, nascida em 2 de junho de 1916.  Era uma cabocla bonita, e meu avô se apaixonou por ela e terminou vindo com ele para Ribeira do Pombal. Foi ela quem o ajudou a criar seus filhos mais novos. Deste relacionamento nasceram mais três filhos Rosa Batista Brito, Raimunda Batista Brito e João Batista Brito, que é o caçula. Ficaram juntos até o seu falecimento em 7 de novembro de 1964. Com a vinda de Ana meu avô trouxe ainda primos, tios e a mãe dela de nome d. Alexandrina. Tinha as feições de uma cabocla, talvez descendente direta da tribo Caimbé que habitava aquela região de Euclides da Cunha. Os parentes de d.Ana Alexandrina  vieram porque na região onde moravam não havia emprego e meu avô os recebeu, e aqui construíram suas vidas e deixaram descendentes.  Meu avô teve 21 filhos , sendo um deles adotado que é Deraldo Ferreira da Silva , hoje, com 70 anos de idade. 

Seu filho Deraldo falando de meu avô João Ferreira de Brito   relembrou que foi adotado por ele a Ana Alexandrina de Jesus e morou muitos anos com o casal na Fazenda Salgadinho. A adoção ocorreu porque seus  pais biológicos decidiram retornar para o município de Euclides da Cunha, o povoado de Caimbé. 
"Criado pelo casal convivi com os meus irmãos adotivos Rosa,Raimunda e  João. Graças ao emprenho da família consegui estudar na cidade de Catu onde conclui minha formação profissional de Técnico em Agropecuária. Tive uma vida profissional bem avaliada, e hoje estou aposentado. Resolvi retornar para residir em Ribeira do Pombal ao lado de meus irmãos. Sou casado há 45 anos com Maria Lúcia O.s. da Silva e temos duass filhas Fabiana e Aline.", disse Deraldo Ferreira da Silva.
Deraldo Ferreira ,com a esposa Maria Lúcia, e as filhas
Fabiana e Aline.

E continuou, "hoje relembro que meu pai Ioiô Ferreira era o agropecuarista bem sucedido na Região de Ribeira do Pombal. Criava gado mestiço  de leite e para recria. Possuía muitos ovinos e suínos os quais contribuiam com as receitas da propriedade, atividades que ajudavam na auto-sustentabilidade da Fazenda Salgadinho. Devo salientar que ele administrava suas terras com muita sabedoria e empregava métodos avançados para a época. Usava muito o sistema de meeiro na exploração de culturas de feijão, milho, arroz, melancia, cana de açúcar, manga, coco, batata doce, abóbora, mandioca e aipim. Também explorava de maneira muito inteligente o brejo  com um sistema de drenagem muito bem definido e orientado para irrigar as plantações de subsistências através de uns canais que a gente chamava de regos. Com esta irrigação natural garantia as plantações de subsistência das famílias que lhes prestavam serviços. "

"Implementou a pesca anual durante a Semana Santa garantindo peixes para as famílias de seus agregados . Eram pescados  traíras, corrós, caboges, piabas, jundiás e outros. Mandava ainda tirar centenas de cocos secos para distribuir entre eles. Outra coisa que lembro é que meu pai mantinha um ótimo relacionamento com os empregados e meeiros. Estava sempre preocupado com a educação das crianças e dos jovens que moravam na prrpriedade . Estimulava os pais e aos jovens para que eles não deixassem de estudar",disse  Deraldo Ferreira da Silva.

Em conversa com Antônio Bernardo Brito Costa, (Antônio de Totinha) seu neto, que conviveu com ele bem mais do que eu , ele relembrou  "que mesmo idoso nosso avô tinha um corpo de um jovem.  Quando veio morar na Cidade eu é que fazia a barba dele em dias alternados. Teve um dia que ao passar o barbeador em seu rosto provocou um pequeno ferimento e saiu um pouco de sangue. Vovô ficou bravo e me xingou. Aí pediu álcool para tentar estancar o sangramento. Ordenou: " Vá pegar o álcool!" Eu disse vovô com álcool vai doer. Ao que respondeu:" Deixa doer." Lembro que o seu cunhado Francisco de Jesus (o Chico Bala) o ajudava a montar em seu cavalo castanho da cara branca de nome Guarape; e percorria suas terras, olhando as cercas, fiscalizando os trabalhadores e conversando com seus agregados que moravam em sua fazenda."

                     CASA SEMPRE CHEIA

Foto 1. Ana Alexandrina na juventude.Foto 2.
Ana com Joselita filha de  Rosa, e ao fundo
uma vizinha.Foto 3.Os três filhos de vovô
com Ana : a Rosa com Raimunda e João,
na Fazenda  Salgadinho.
Mesmo depois que os filhos cresceram e tomaram seus destinos, e a filhas casaram a casa de vovô no Salgadinho estava sempre cheia. Tinha um fogão grande a lenha que não apagava nunca. Quando a gente olhava lá estavam várias panelas com carne de boi, carneiro, feijão e arroz.  Nos finais de semana reuniam de 30 ou mais pessoas entre filhos,  netos e agregados.

Devo salientar  que sua companheira Ana Alexandrina nunca fez um gesto de desagrado ou cara feia. Sempre estava com aquele semblante sereno e um riso contido. Quem o ajudava na cozinha era sua mãe d. Alexandrina, que apesar da idade tinha uma disposição invejável, e alguma esposa de um de seus agregados. 

A gente brincava muito, montava cavalo, ia para o brejo chupar manga, cana e outras frutas. Tinha muitas bananeiras, e quando a lagoa estava cheia apreciávamos as águas passarem fazendo um barulho característico. Já o vovô ficava quase sempre sentado com sua bengala na mão direita, às vezes levantava e observava a gente brincar.  

Certo dia alguns netos resolveram montar num jumento que era novo e ainda não estava amansado completamente para a montaria. Colocaram um cabresto e um saco de a linhagem no lombo do animal e começou a montaria. O jumento derrubava um a um. Até que chegou a hora de Antônio Bernardo. Os irmãos e primos dele o tratam de Tonho. Ele montou e o jumento começou a pular, peidar e dar umas carreiras incontroláveis até que o derrubou. Deu coices e um deles acertou no rosto de Tonho, que na hora ficou inchado e vermelho. Tonho quando jovem já tinha umas bochechas avermelhadas e ficaram mais ainda vermelhas. Foi uma das poucas vezes que vi meu avô rir com mais desenvoltura.

Outro fato que foi lembrado por minha irmã Indaiá Jacobina foi que nossa prima Denise Brito Costa, (falecida) irmã de Tonho, era muito ativa e gostava de montar bicicleta, isto lá pela década de 50. Meu avô reclamava, porque achava que bicicleta era para ser montada por homens. Depois vieram àquelas bicicletas que tinham uma curvatura na frente do banco facilitando a montaria pelas mulheres. Hoje as mulheres usam normalmente qualquer tipo de bicicletas inclusive participam de torneios nacionais e internacionais.

Recordou ainda Antônio Bernardo que vovô não frequentava bares e que parentes que moravam na cidade de Estância, em Sergipe, lhe enviavam de presente um pequeno barril cheio de aguardente. Era uma cachaça especial que ele gostava de beber e este barril era guardado por Ana cuidadosamente no quarto do casal.Muitas vezes matava um boi ou carneiro e doava parte para seus agregados. Ele não tinha com eles uma relação de patrão e empregado. Era como se fosse uma extensão de sua família, mesmo porque entre seus agregados estavam cunhados, tios e sobrinhos de sua companheira Ana Alexandrina.

João é o caçula dos filhos de meu avô.
O João Batista Brito (Tio João) é o caçula de todos os filhos de vovô, e dos outros relacionamentos anteriores só está viva minha tia Tereza Jacobina (Teté), com 98 anos de idade. Revelou  tio João que vovô "era uma pessoa que tinha um grande relacionamento por toda a região independente da condição social. Certo dia um desses amigos  conhecido por Zé de Júlio ficou ao léo como se diz no popular, sem moradia,  pois era de uma família muito pobre. Meu pai cedeu uma área em suas terras onde Zé de Júlio e seus filhos construíram suas casas e ainda fornecia alimentos para eles". 
Naquela época quando ocorria  uma seca por alguns anos seguidos no Nordeste, especialmente no sertão, muita gente morria de fome e de sede .

Outro fato lembrado por tio João se refere ao brejo. Que é uma área que fica logo após a lagoa onde a água aflora com menos de um metro de profundidade. Lembro que tinha locais onde a gente pisava e ficava balançado com a água quase na flor da terra. Pois, neste pedaço de terra vovô dividia em pequenas glebas e ali seus agregados, na qualidade de meeiros, cultivavam  quiabos, laranjas, hortaliças, limão,etc."

 NR- Quero agradecer mais uma vez a Hamilton Rodrigues que tanto batalhou para coleta de fotos e informações para que pudesse escrever este texto. Também agradeço a Tio João e  às outras pessoas que de alguma forma nos ajudaram.