Objetivo


domingo, 29 de agosto de 2021

AS PERIPÉCIAS DO PADRE EPIFÂNIO

Padre Epifânio usava  batinas preta e branca.
Toda Cidade do interior que se preze tem um sacerdote que marcou por seu trabalho  religioso
ou social. Sendo do interior tive o privilégio de conhecer  um desses personagens inesquecíveis que foi o padre Epifânio da Costa Borges  . Era um homem magrinho, esbelto, ligeiro e sempre estava vestido com sua batina negra, e de quando em vez com seu barrete ostentando no alto um pom-pom também preto. Era rigoroso , rezava a missa em Latin, e exigia silêncio na igreja e que as pessoas se apresentassem com roupas apropriadas para uma celebração religiosa qualquer.
Ele assumiu a paróquia de Ribeira do Pombal em 7 de março de 1943, e permaneceu até 5 de fevereiro de 1968, quando foi morar em Alagoinhas na casa de uma irmã , e quando ela faleceu veio para a Casa dos Padres, na Rua Democrata 14, que é um local de acolhimento dos velhos sacerdotes. Ele foi sepultado no dia 14 de abril de 1973,  no Cemitério do Campo Santo. Deve ter morrido no dia 13 ou 14 de abril daquele ano.
Uma foto rara do
Pe.Epifânio  Borges
Quando chegou  organizou a paróquia criando grupos de homens,  mulheres e crianças, incentivou o catecismo e as festas durante a data da padroeira em 15 de outubro realizando belas procissões e trazendo pregadores de outras paróquias . Até a banda de música do Liceu Salesiano do Salvador, famosa na época, ele trouxe várias vezes e conseguia porque tinha  pertencido a Congregação dos padres Salesianos.  
Dizem ser ele o autor do Hino de Santa Teresa cuja letra é esta:Vamos todos à porfia / com amor e devoção / Cantar hino de alegria / e de profunda gratidão (Bis) / Refrão: Coroada de beleza / Ó Teresa de Jesus /Ajudai-nos com firmeza / A levar a nossa cruz ( Bis) / Padroeira poderosa / defendei a vossa gente /da insana venenosa / e dos ardis da vil  serpente ( Bis). Na realidade não encontrei nada escrito que confirmasse a autoria, mas o hino também é cantado há muitos anos sem nome do possível autor. Existe um hino mais novo de autoria de Márcio Alexsandro e Vinicius Santana intitulado Santa Teresa Doutora da Igreja.
Outro detalhe de sua vida era que na década de 40 o integralismo de espalhou pelo país e Ribeira do Pombal tinha um grande contingente de integralistas, inclusive o Padre Epifânio também entrou para este movimento. A Ação Integralista Brasileira era um movimento ultranacionalista , corporativista, conservador e tradicionalista católico,segundo a Wikipédia. Foi fundado em 7 de outubro de 1932 pelo escritor Plínio Salgado. Como se vestiam com uniformes verdes foram apelidados de camisas-verdes e  galinhas-verdes. Esta foto do Pe. Epifânio ao lado foi gentilmente cedida por Ubiratan Cezar Rocha, do seu acervo pessoal. 
Gostava de passar férias veraneando em Dias D'ávila, antes um balneário  muito procurado, e que perdeu esta função com a instalação do Polo Petroquímico, em Camaçari, especialmente da indústria de cobre Caraíba Metais, e outras do ramo petroquimíco que poluiram o município e seu entorno. Quando voltava trazia muitos bombons que eram distribuidos entre as crianças.
Lúcia Morais , a Lucinha.
Na década de 1940 consta que ele esteve várias vezes na cidade de Jeremoabo . No dia 11 de maio de 1947 participou da fundação da Pio União Filhas de Maria , lembra a sra. Edmeia de Oliveira Sá, que tem 100 anos de idade e continua lúcida. 
 A professora   Lúcia Morais ( Lucinha)  disse, "a gente era obrigada a ter uma blusinha de manga e cobrir a cabeça com um véu. Quando alguma insistia em ir para igreja de blusa sem manga e ele visse, dava um beliscão no braço da menina."
Fundou o Apostolado de Coração de Jesus,Congregação Mariana, Associação São Vicente de Paula, os Cruzadinhos formado por crianças. A Associação Filhas de Maria já existia quando ele chegou em 1943. Fazia ensaios regulares usando o órgão e partituras para os cânticos religiosos, relembrou  Lucinha. Ele também organizou as Santas Missões com a participação de fiéis dos distritos do município e trazia  padres de outras cidades  para confessarem os fiéis , rezar missas e pregações. Nas novenas do mês de maio incentivava as crianças a ofertar flores para Nossa Senhora, portanto teve um trabalho pastoral muito importante.

O antigo Abrigo São Vicente que acolhia  idosos.Lembro
 da dedicação de Nilson de Didi, hoje morando
no sul da Bahia. 
Relatou  Nelson Reis, o Zé Amor ,  que era menino e foi levado pelos pais para assistir a missa. Em dado momento os pais se distraíram e ele pegou a corda do sino e deu umas badaladas. Imediatamente, foi contido, mas foi observado pelo padre Epifânio. Terminada a missa o padre se dirigiu a ele e deu-lhe um cascudo. "Doeu  muito, e nunca mais frequentei a igreja." Vocês sabem que a igreja  de Santa Teresa não tem as torres onde se colocam os sinos. Portanto, o sino fica em local acessível aos fiéis. 

Não tinha uma vida social , e quase sempre estava na casa  paroquial cuidando de seus afazeres pessoais. Era um tradicionalista nos costumes e quando tinha que dizer algo usava seus sermões para mandar recados , muitas vezes citando os nomes das pessoas. Sendo uma Cidade de poucos habitantes todos se conheciam, e a fala do padre Epifânio se espalhava rapidamente como um rastrilho de pólvora.

Certo dia os moradores de Ribeira do Pombal foram surpreendidos com o padre Epifânio ostentando a sua batina negra em cima de uma moto alemã reluzente e barulhenta que ele havia comprado. Dava algumas voltas empreendendo uma certa velocidade, mas o que chamava a atenção era aquela figura magrinha andando numa grande  moto, isto por volta da década de 60 . Hoje, quando falamos em moto é uma coisa corriqueira, porque existem aos milhares em qualquer lugar. Mas, naquela época era uma grande novidade, e talvez a única num raio de 100 ou 200 km. Nem soube de quem ele comprou . Lembro que um dia caiu da moto  e tempos depois decidiu vender. Conto esta história para  a falar do padre Epifânio, ao qual Ribeira do Pombal está devendo uma homenagem justa, que deveria ter ocorrido em vida, e isto não aconteceu. 

Tempos depois comprou um Jeep Willys que lhe servia para dar assistência às igrejinhas e seus fiéis localizados nos vários distritos do município de Ribeira do Pombal, alguns hoje foram emancipados ou se tornaram distritos de outros municípios , a exemplo de Banzaê. Nestas viagens ele vestia também sua batina branca devido ao calor intenso que fazia  durante o verão. 

Revelou o vereador Marcelo Brito que  certo dia ele vinha na estrada com destino a Ribeira do Pombal após ter celebrado  uma missa    no então povoado de Banzaê,  e o carro virou . Ao levantar disse:  "Aqui surge uma Nova Esperança". Foi aí que deu origem ao atual povoado de Nova Esperança.

Porém, o episódio que mais marcou o seu sacerdócio foi a venda da imagem original da padroeira Santa Teresa . Certo dia apareceu um antiquario em Ribeira do Pombal e convenceu o padre Epifânio que a imagem estava velha e que ele compraria por um bom dinheiro . Argumentou que o padre poderia colocar uma de gesso no lugar, bem mais vantajoso porque os cupins não danificam. Foi assim que a imagem foi retirada do  altar principal da igreja matriz, que tem mais de 300 anos, e o antiquário viajou para Salvador com esta imagem e outras antiguidades que comprara ao padre e a particulares.

Aí o dia em que padre Epifânio morreu
e foi sepultado no Campo Santo.
Quando  os fiéis descobriram que a santa tinha sido vendida  criaram um movimento, muitos se dirigiram para a igreja e resolveram ficar batendo o sino sem parar até que a imagem fosse recuperada. Foi assim que chegou aos ouvidos de Ferreira Britto, o chefe político local, que imediatamente procurou se inteirar do problema e despachou umas pessoas para Salvador a fim de recuperar de qualquer jeito a Santa Teresa. Enquanto isto, a Cidade ficou em rebuliço com o sino sendo tocado até o momento que os emissários retornaram de Salvador conduzindo a imagem tão venerada até hoje  pelos pombalenses. Até meu pai que não era de frequentar a igreja com assiduidade foi lá ajudar a bater o sino.

Foi também no período que em era pároco de Ribeira do Pombal que o então prefeito decidiu demolir a igreja que ficava na Rua da Santa Cruz, hoje, Avenida Evência Britto.Esta igrejinha era bem antiga, não sei precisar a data em que foi erguida, mas tinha um grande cruzeiro na frente onde as pessoas colocavam ex-votos de barro e madeira pagando suas promessas . Tenho uma vaga lembrança que era d. Laurinda Freire , minha saudosa amiga, que zelava pela igrejinha.

Meu pai Reynaldo Jacobina também sofreu com o rigor do padre Epifânio. Naquela época muita gente morava na zona rural e meu pai tinha muito relacionamento com os trabalhadores e moradores do
entorno de suas fazendas Salgadinho e Pinto , e por isto lhe davam seus filhos para ele ser o padrinho. Era uma forma de mostrar amizade e gratidão. Meu pai era também comerciante e resolveu entrar para a Maçonaria, na sede de Alagoinhas.  Certo dia  levou  alguns futuros afilhados  e o padre Epifânio se negou a batizar as crianças alegando que meu pai era maçon. Foi uma confusão danada! A partir deste dia meu pai juntava seus futuros afilhados e levava para batizar em Cícero Dantas e Tucano. 
Quando  tomava conhecimento que algum marido estava maltratando ou até mesmo traindo sua esposa o padre Epifânio dava um jeito no seu sermão de mandar um recado quase direto, pois a pessoas imediatamente identificavam quem era alvo de suas duras críticas. 
Seu final de vida foi triste e solitário num abrigo dedicado a velhos sacerdotes em Salvador. Lembro que minha mãe contava que alguém o encontrou com uma pequena mala nas mãos nas imediações do Largo Dois de Julho, e ele ficou muito alegre ao ve-lo. Existe um abrigo de sacerdotes na Rua Democrata, número 14,  foi lá onde ficou até sua morte. Ele nasceu em 1888 e morreu com 85 anos de idade em 14 de abril de 1973 no Hospítal professor Edgard Santos.
Padre Emílio, em 2013.

  Foi  substituído pelo padre Emílio Ferreira Sobrinho que assumiu suas funções paroquiais no dia 25 de fevereiro de 1968. Outro que falei sobre o padre Epifânio Borges foi com seu substituto padre Emílio Ferreira que disse te-lo visitado na casa de sua irmã em Alagoinhas, e depois na Rua Democrata no abrigo de velhos sacerdotes. Depois que ele morreu padre Emílio tentou trasladar seus restos mortais para colocar na antiga  igreja matriz, mas não contou com a boa vontade das autoridades locais.
Não consegui junto ao retiro onde ficou dados de seu nascimento e de sua filiação. Nestas minhas buscas tenho constatado que  Ribeira do Pombal é uma Cidade sem memória. Os administradores e mesmo seus habitantes não cuidam de preservar o passado. Este documento do sepultamento do Padre Epifânio consegui aqui em Salvador através de Luiz Catharino Gordilho Filho que é do Conselho da Santa Casa de Misericórdia que administra o Cemitério do Campo Santo. Mas, vou continuar procurando onde e  quando nasceu e a sua filiação. 
NR- Esta reportagem só foi possível graças a abnegação de meu amigo Hamilton Rodrigues, que fez a maioria das fotos e colheu  depoimentos,  Aguinaldo Brito , e de outras pessoas ai retratadas. 






























segunda-feira, 16 de agosto de 2021

CENTENÁRIO DE UM EMPRESÁRIO QUE DEIXOU SAUDADE

 

sábado, 7 de agosto de 2021

A CHAVE DE CURIÓ

N
a década  70, não recordo o ano,  fizemos uma farra animada num daqueles botecos localizados num final de uma ruazinha deserta em Ribeira do Pombal . A rua não tinha calçamento e nossos sapatos atolavam na areia solta, que caracterizava a maioria das ruas da Cidade naquela época. Calçamento de paralelepípedos só na praça principal a Getúlio Vargas.
A Cidade fica no sertão baiano a cerca de 280 quilômetros da Capital. Para se chegar a Salvador era quase um dia inteiro de viagem num dos  ônibus da empresa São José, do José Mendonça, conhecido por Zé Mendonça, que era irmão do velho Mamede Paes Mendonça, que foi o grande supermercadista em Salvador.
Éramos três jovens estudantes , estávamos de férias ,e todos estudavam em Salvador. As conversas giravam em torno de brincadeiras, apelidos pessoais ,e de quando em vez, chegava um conhecido se aproximava e começava a participar do papo , mesmo sem ser convidado. No interior é assim. Todos se conhecem e se falam, embora de quando em vez, acontece uma intriga, especialmente, por causa de política ou namoro com a filha ou irmã de alguém. O pretendente sempre é acusado, muitas vezes injustamente, de  "que não presta", "não é um rapaz direito", e assim por diante. 
Depois de muitas cervejas e algumas pingas a luz deu o seu primeiro sinal. Agenor Soares Silva, o Tidinho, era o encarregado de ligar e desligar o gerador movido  a diesel, que apagava exatamente às 22 horas. Ele dava três sinais, avisando que a luz ia apagar. Depois, se não fosse noite  de Lua cheia, era um breu total, e a gente ia tateando como   cegos pelas ruas tomadas de areia. Era um suplício chegar em casa.
O  Tidinho era um senhor baixinho , atarracado, e tinha as pernas em forma de alicate. Era uma grande figura. Andava ligeiro e tinha uma boca pequena,mas mesmo assim  sempre estava fazendo piadas e rindo. Tinha vários filhos, e um deles era o craque da seleção pombalense. Chamava-se Moacir, e também, tinha as pernas arqueadas, mas era um bom goleador. Chegou até a treinar aqui no Bahia e não sei a razão porque não seguiu a carreira de jogador de futebol.
Voltando aos  farristas,fomos obrigados ir embora por força da falta de luz . Pagamos a conta e saímos Ao chegar na Praça Getúlio Vargas, o Kleber Moraes era o privilegiado porque morava ali perto, em plena praça, enquanto o Armênio Alves , mais conhecido por Curió, morava numa rua atrás da praça, vizinho do saudoso médico dr. Décio Santana. Já a minha casa é  mais longe, fica na Avenida Santa Cruz, hoje, Evência Brito, que também tinha um areal danado . Atualmente, está asfaltada e lisa como os cabelos da morena  estirados com chapinha.
Nos despedimos, o Kleber foi dormir,e segui com Curió pra deixá-lo em casa, já que era o mais afetado pelas pingas misturadas com cervejas. Finalmente, chegamos à casa do Curíó, quando ele tirou do bolso uma chave, que tinha mais de 10 cm de comprimento. De chave em punho e decidido mirou a porta no intuito de acertar o buraco da fechadura. A escuridão era total. Ninguém enxergava nada a meio metro do nariz.
Fez algumas tentativas, em vão. Pedi para tentar, e ele não consentiu. Quando o indíviduo está puxando fogo, ele é dono da razão. Alguns ficam ricos e valentes.  Numa dessas,  a chave entrou no buraco da fechadura, e o corpo de Curió acompanhou o movimento da chave . Ele bateu a testa na chave , o sangue começou a escorrer. Curió estudava medicina, na Católica . Passou a falar o que iria fazer para estancar o sangue. De repente, a porta se abre e surge d. Vivi, sua madrasta , uma mulher corpulenta, baixinha, de fala doce e muito  distinta, que cuidava do Curió e de seus irmãos como se eles fossem criancinhas. 
Foi neste momento que me transformei em "má companhia", e passei a ser  culpado por levar Curió para beber até àquela hora da noite. Saí ligeiro dali e fui para casa ,onde entrei na ponta dos pés. Passei o resto da noite acordado com medo de d. Vivi contar à minha mãe o que tinha ocorrido naquela noite. 
Passaram-se três dias, e nada de minha mãe comentar alguma coisa acerca daquele incidente. Felizmente, d. Vivi  não contou .Porém, ainda no quarto dia  lá estava Curió com um band aid na testa  se explicando para todo mundo o que tinha acontecido. Quando chegou lá em casa minha mãe foi logo perguntando: Armênio, meu filho, o que foi isto?
Demos boas gargalhadas, e fomos saindo de fininho pela porta da rua... Nova farra , novas conversas e muitas brincadeiras, que hoje não são politicamente aceitas. Tempos bons, que deixaram saudades.