Objetivo


sábado, 7 de agosto de 2021

A CHAVE DE CURIÓ

N
a década  70, não recordo o ano,  fizemos uma farra animada num daqueles botecos localizados num final de uma ruazinha deserta em Ribeira do Pombal . A rua não tinha calçamento e nossos sapatos atolavam na areia solta, que caracterizava a maioria das ruas da Cidade naquela época. Calçamento de paralelepípedos só na praça principal a Getúlio Vargas.
A Cidade fica no sertão baiano a cerca de 280 quilômetros da Capital. Para se chegar a Salvador era quase um dia inteiro de viagem num dos  ônibus da empresa São José, do José Mendonça, conhecido por Zé Mendonça, que era irmão do velho Mamede Paes Mendonça, que foi o grande supermercadista em Salvador.
Éramos três jovens estudantes , estávamos de férias ,e todos estudavam em Salvador. As conversas giravam em torno de brincadeiras, apelidos pessoais ,e de quando em vez, chegava um conhecido se aproximava e começava a participar do papo , mesmo sem ser convidado. No interior é assim. Todos se conhecem e se falam, embora de quando em vez, acontece uma intriga, especialmente, por causa de política ou namoro com a filha ou irmã de alguém. O pretendente sempre é acusado, muitas vezes injustamente, de  "que não presta", "não é um rapaz direito", e assim por diante. 
Depois de muitas cervejas e algumas pingas a luz deu o seu primeiro sinal. Agenor Soares Silva, o Tidinho, era o encarregado de ligar e desligar o gerador movido  a diesel, que apagava exatamente às 22 horas. Ele dava três sinais, avisando que a luz ia apagar. Depois, se não fosse noite  de Lua cheia, era um breu total, e a gente ia tateando como   cegos pelas ruas tomadas de areia. Era um suplício chegar em casa.
O  Tidinho era um senhor baixinho , atarracado, e tinha as pernas em forma de alicate. Era uma grande figura. Andava ligeiro e tinha uma boca pequena,mas mesmo assim  sempre estava fazendo piadas e rindo. Tinha vários filhos, e um deles era o craque da seleção pombalense. Chamava-se Moacir, e também, tinha as pernas arqueadas, mas era um bom goleador. Chegou até a treinar aqui no Bahia e não sei a razão porque não seguiu a carreira de jogador de futebol.
Voltando aos  farristas,fomos obrigados ir embora por força da falta de luz . Pagamos a conta e saímos Ao chegar na Praça Getúlio Vargas, o Kleber Moraes era o privilegiado porque morava ali perto, em plena praça, enquanto o Armênio Alves , mais conhecido por Curió, morava numa rua atrás da praça, vizinho do saudoso médico dr. Décio Santana. Já a minha casa é  mais longe, fica na Avenida Santa Cruz, hoje, Evência Brito, que também tinha um areal danado . Atualmente, está asfaltada e lisa como os cabelos da morena  estirados com chapinha.
Nos despedimos, o Kleber foi dormir,e segui com Curió pra deixá-lo em casa, já que era o mais afetado pelas pingas misturadas com cervejas. Finalmente, chegamos à casa do Curíó, quando ele tirou do bolso uma chave, que tinha mais de 10 cm de comprimento. De chave em punho e decidido mirou a porta no intuito de acertar o buraco da fechadura. A escuridão era total. Ninguém enxergava nada a meio metro do nariz.
Fez algumas tentativas, em vão. Pedi para tentar, e ele não consentiu. Quando o indíviduo está puxando fogo, ele é dono da razão. Alguns ficam ricos e valentes.  Numa dessas,  a chave entrou no buraco da fechadura, e o corpo de Curió acompanhou o movimento da chave . Ele bateu a testa na chave , o sangue começou a escorrer. Curió estudava medicina, na Católica . Passou a falar o que iria fazer para estancar o sangue. De repente, a porta se abre e surge d. Vivi, sua madrasta , uma mulher corpulenta, baixinha, de fala doce e muito  distinta, que cuidava do Curió e de seus irmãos como se eles fossem criancinhas. 
Foi neste momento que me transformei em "má companhia", e passei a ser  culpado por levar Curió para beber até àquela hora da noite. Saí ligeiro dali e fui para casa ,onde entrei na ponta dos pés. Passei o resto da noite acordado com medo de d. Vivi contar à minha mãe o que tinha ocorrido naquela noite. 
Passaram-se três dias, e nada de minha mãe comentar alguma coisa acerca daquele incidente. Felizmente, d. Vivi  não contou .Porém, ainda no quarto dia  lá estava Curió com um band aid na testa  se explicando para todo mundo o que tinha acontecido. Quando chegou lá em casa minha mãe foi logo perguntando: Armênio, meu filho, o que foi isto?
Demos boas gargalhadas, e fomos saindo de fininho pela porta da rua... Nova farra , novas conversas e muitas brincadeiras, que hoje não são politicamente aceitas. Tempos bons, que deixaram saudades.

14 comentários:

Unknown disse...

BOM DIA DONA VIVE, QUE VINHA SER IRMÃ DE SEU TIDINHO (SR. AGENOR SOARES SILVA)

Unknown disse...

*VIVI

BLOG DO REYNIVALDO disse...

Marcelo Araújo - Muito Bom !!!

BLOG DO REYNIVALDO disse...

Therezinha Carvalho - Memórias... Muito bom relembrar tudo que um dia vivemos, e nos proporcionaram momentos bons, inesquecíveis, e que nos deixaram felizes. Isto tudo tem um valor imenso. São nossas vivências! Geralmente as pessoas do interior naquela época, quando não eram parentes, eram amigas de verdade, e os filhos se tornavam amigos e companheiros pra tudo. Este texto nos traz um pouco de como amigos conterraneos curtiam férias na sua Cidade.Ascidades do interoior tinham suas particularidades , onde até a luz tinha horário pra ligar e desligar. Não havia muito o que fazer para se divertir,mas todos encontravam meios de preencher o tempo,m e todos se sentiam felizes por estar com suas famílias, amigos e na sua terra. Como não fazer as farras que começavam no barzinho, sem se exceder na cerveja e nas brincadeiras? Tudo isto são memórias do tempo de juventude que devem ser mesmo relembradas,revividas, e agora em forma de texto, compartilhado por nós, um pouco do que os três amigos companheiros viveram. Você Reynivaldo descreveu tão bem e com detalhes estas memórias com o título "A Chave de Curió", de repente em homenagem ao amigo Armênio, apelidado de Curió que se tornou um dos melhores personagens desta história pitoresca.

BLOG DO REYNIVALDO disse...

Iara Brito - Perfeito!

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Bia Jacobina - Tiro o chapéu para vc meu primo querido,pela matéria magnífica que vc escreveu,parabéns amo vcs.Bjs

BLOG DO REYNIVALDO disse...

Rosana Reis - Parabéns meu querido primo 😍 sensacional relembrar aquele tempo maravilhoso 😍 tio Armênio homem espetacular, pena q partiu muito cedo desta vida 💔 Vc é maravilhoso 😍♥️ Deus abençoe sempre ♥️ bjs da prima q ama VCS

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Nilson Dantas Viana Dantas Viana - Pura verdade, conheci Armênio e sou amigo de todos da família. Formou-se médico com muito esforço e nem teve tempo de usufruir a vida.

BLOG DO REYNIVALDO disse...

Nilson Dantas Viana Dantas Viana -Lembro perfeitamente. Bons tempos, não era próximo do trio mas os conhecia bem. Nas férias, todos que estudavam na Capital voltavam para Pombal e a cidade se transformava completamente. O futebol me aproximou de Cleber e nos tornamos grandes amigos. Lembro com clareza de Armênio namorando naquela rua que fica entre Godofredo e o Hospital. Ia e vinha em pleno sol quente. Bons tempos mesmo Reynivaldo Brito. Éramos felizes realmente. Gde Abc

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Jucy Brito -Parabéns meu irmão, pela linda matéria, lembrança magnífico de uma bela juventude.

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Maria Antonia Morais Matos -Que texto magnifico e os personagens .Passou um filme
Abraços amigo

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Rosely Rocha
Saudades define...

BLOG DO REYNIVALDO disse...

Vilma Brito
Muito bom que pena que tudo passa...

Ricardo Borges disse...

Armênio era meu tio. Infelizmente não o conheci. Vivi era minha avó postiça, casada com meu avô, seu Didi. Eu era muito pequeno mas me lembro da TV no meio da praça dentro de um gradeado. Parabéns pelo texto.