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terça-feira, 4 de janeiro de 2011

RELIGIÃO - A GRANDE FESTA DE OGUM




Texto e fotos Reynivaldo Brito

Publicado jornal A Tarde 31 de julho de 1980.


O terreiro foi embandeirado de véspera para a grande festa de Ogum, o deus ferreiro, senhor da guerra, dono das estradas e amigo de Exu.No dia seguinte ,bem cedinho o terreiro já fervilhava de gente ligada ao culto, convidados e curiosos. Era a matança do boi, o qual passara toda a noite mugindo, preso a um imenso poste colocado ao centro do terreiro.
De repente aparece o alabê ( chefe da orquestra) acompanhado de dois ajudantes que conduziam os atabaques. Era o início da festa e o prenúncio que dentro em pouco entraria o pai-de-santo Zé de Ogum, sacerdote da mais alta linha de Angola, que tem um séquito de centenas de fiéis entre ogans, ekedes, filhos e filhas-de-santo. Os toques iam aumentando até que aparece um mulato baixo e troncudo todo paramentado com uma bonita bata de cor amarela carregando no pescoço dezenas de contas e miçangas. Os toques eram cada vez mais fortes e minutos depois acontecia a primeira “manifestação” de um orixá. Uma senhora negra de cabelos quase esbranquecidos começou a rodopiar e caiu ao solo, sendo imediatamente atendida pela mãe-pequena, do terreiro,que é a segunda pessoa do candomblé.
Minutos depois após a primeira manifestação várias outras pessoas recebiam seus santos e a cerimônia entrava no auge, com o axogum trazendo uma imensa peixeira para sangrar o boi. O círculo foi-se fechando e os toques aumentando. Um ligeiro golpe e o boi caiu tremendo, enquanto o sangue era apanhado numa grande tigela de barro para ser oferecido ao orixá. Ao término da sangria foram cortados a cabeça, as patas dianteiras , as pernas ,e os testículos para oferecer a Ogum.
Segundo Zé de Ogum , nem todo pai-de-santo pode sacrificar um animal deste porte, por custar muito caro e por não ter condições especiais dentro do culto. O boi foi sacrificado para Ogum, que é o dono desta roça, deste terreiro. Este ritual acontece todos os anos e as filhas-de-santo e outras pessoas que participam do sacrifício são obrigadas a permanecer 14 dias na casa sem poder sair.
O boi significa força, poder e decisão.O seu sacrifício tem como conseqüência a paz do terreiro e a concórdia entre seus freqüentadores. Todo o boi foi aproveitado pelo culto.O sangue que saiu de suas veias e artérias foi levado para o ibá, que é uma espécie de santuário onde fica o carrego do santo com os potes, bacias e louças. Ali o sangue , que eles chamam de menga foi colocado em cima das otás, que são pedras sagradas ,com mel e vinho, que é o néctar do orixá.Também vieram as quatro patas e a cabeça do boi que permaneceram durante 21 dias. Depois deste prazo todo o material apodrecido é retirado para fazer o boi-itá, que consiste na limpeza dos ossos. Tudo é jogado numa grande lata de gás com água fervendo até que os ossos ficaram alvinhos largando toda a crosta. Imediatamente em procissão, foram conduzidos para a itá. Concluído este sacrifício a paz está reinando no candomblé de Ogum, no município de Lauro de Freitas, nos arredores de Salvador.
Explicaram os membros do terreiro que a paz está garantida por 14 anos, mas salientaram que para que isto se concretizasse eles tiveram antes que sacrificar sete galos caboclos ( vermelhos) para Exu, que erradamente é sincretizado por pessoas alheias ao culto com o diabo. Dizem eles que no terreiro existem dois exus, o Xoroquê e o Tiriri, sendo este último confundido como escravo, quando na realidade é um orixá.


TRÊS DIAS


A festa durou três dias e três noites. Os cânticos tristes e alegres seguidos com o batucar dos atabaques davam uma idéia de uma festa que não mais tinha fim. Todos estavam cansados e o revezamento em certos dias teve que ser feito. Era um dançar e cantar sem conta, tudo para agradar o pai Ogum, que no sincretismo é o Santo Antônio,sendo seu dia terça-feira,sua cor azul escuro e contas também azuis. A comida preferida é feijoada ( a depender da nação)e inhame assado. Sua saudação é Ogunhaê e sua indumentária é composta de couraças e capangas.
Enquanto isto a comida era servida com fartura.Uma imensa cozinha sempre estava cheia de filhas-de-santo sorridentes que serviam aos integrantes do culto e convidados pratos cheios de feijão,farinha e pedaços de carne assada ou em ensopado.
Numa grande panela foi preparado o Ixé de Exu, que é constituído dos miúdos dos sete galos caboclos ( cabeças, pés,fígados,bofes e vísceras) cozidos com azeite de dendê e em seguida colocado aos pés de Exu.O restante dos galos também foi aproveitado para o ximxim feito com camarão e azeite e distribuído entre os presentes à cerimônia no primeiro e segundo dias. Exu estava “assentaodo”e Ogum já dominava tudo.

FEIJOADA DE OGUM

Finalmente, os integrantes do terreiro alcançaram o verdadeiro auge da festa com grande feijoada de Ogum. Quatorze homens devidamente escolhidos pelo pai-de-santo e ajudados por algumas filhas-de-santo começaram a preparar o barracão principal para a cerimônia. No centro do barracão foram colocadas três esteiras e três alas ( lençóis) brancos e em volta jarros com flores e castiçais com velas. As filhas-de-santo se acercaram, também os ogãs, alabês , ekedes, Kotas, mãe-pequena e outros membros do candomblé e algumas traziam tabuleiro com pipocas, que eles chamam de flores para o velho Omolu.
O doburú foi trazido porque o velho Omulu é amigo inseparável de Ogum,principalmente de Ogum de Ronda.Informa o pai-de-santo Zé de Ogum que o dono de sua cabeça é “um orixá do lado do Ifá que é a terra que não mais existe.Ele é velho e não tem mais condições de dançar.Quando o santo desce fico parecendo um velho, andando devagar e com meus movimentos de modo geral muito limitados”.Porém, quando o Ogum Wari toma conta do corpo do pai-de-santo, ele consegue dançar e cantar durante toda a cerimônia. Este orixá aparece empunhando uma espada e dança como se duelasse, altivo e um tanto indomável.Por se manifestar com feições distintas: Ogum Já,Ogum Xorokê ( ou de Ronda, que durante seis meses de cada ano se transforma em Exu) muitas pessoas o confundem com outros orixá.

QUEM É


O pai de santo Zé de Ogum embora seja um mulato corpulento e de cara feia é uma pessoa dócil. Ele passou toda sua juventude ajudando missas no interior da Bahia, na cidade de Rui Barbosa, onde chegou a ser um sacristão na igreja matriz. Quando houve uma campanha para revitalizar as vocações sacerdotais, eis que o sacristão José Santos Araújo ( seu verdadeiro nome) foi enviado para o seminário de Santa Tereza., que funcionava no imóvel hoje ocupado pelo Museu de Arte Sacra,da Bahia. Passou algum tempo no seminário e seu gosto pela música o encaminhou a aprender órgão. Mas o destino do sacristão era outro. “Abandonei o seminário e comecei a sentir umas coisas diferentes. Pensaram que estivesse maluco e me mandaram para um sanatório.Não tinha nada de maluco”. Apenas segundo explica, hoje mais consciente, sentia a manifestação de seu santo Ogum e foi num velho e tradicional terreiro de candomblé da cidade de Cachoeira, localizada no Recôncavo Baiano, que tudo veio à tona.A mãe-de-santo de nome Paulina cuidou do ex-sacristão e ex-seminarista.Cumpriu todas as obrigações e tempos depois era um sacerdote,trazendo consigo a incumbência de zelar por Ogum e de cultuá-lo por toda a vida., Estava com 18 anos quando iniciou suas obrigações e, hoje aos 46 anos de idade o pai-de-santo Zé de Ogum continua cada vez mais ciente de suas responsabilidade e assume o seu trabalho com muito entusiasmo. Já teve terreiro nos bairros de Pero Vaz e Jardim Cruzeiro e na Cidade de Alagoinhas, hoje está em Lauro de Freitas, nos arredores de Salvador. O terreiro ocupa uma era superior a cinco mil metros quadrados e tem várias construções e santuários. É, talvez, um dos mais espaçosos de Salvador e do ponto de vista arquitetônico o mais bonito.
Hoje ele já tem mais de 25 filhas-de-santo feitas dentro de todo o ritual e cerca de 1.200 borizadas e catuladas espalhadas pelos estados de Sergipe,Bahia,Rio de janeiro e São Paulo, e é um dos mais freqüentados da Bahia.

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