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Jornal A Tarde, 02 de janeiro de 1971.
Texto Reynivaldo Brito
Ilustrações Nicolay Tishchenko (1926-1981)
A informação de qualquer atividade na Cidade do
Salvador é uma verdadeira Via Crucis embora existam vários tipos de
veículos para transporte individual e coletivo, com grande quantidade de “táxis
voadores” à sua disposição para que possa chegar a qualquer ponto da cidade da
maneira mais confortável e rápida possível. A verdade é que nem sempre você
chega ao seu destino, ou quando consegue está terrivelmente atrasado e nervoso.
Mas, você é um passageiro, e como tal, deve ser um “cara” paciente…
Se desejar conhecer algum ponto da Cidade, vamos dizer um subúrbio, é
muito fácil. Vá à Estação da Calçada e tome um dos trens suburbanos. É uma
condução que oferece o mais alto índice de segurança, rapidez, e principalmente
elasticidade. Lá não existe falta de lugar, sempre cabe mais um. Os vagões são
tão elásticos que caberiam toda a população da Cidade. A entrada ou acesso aos
vagões, é fácil. Além de você entrar pelas portas laterais, poderá ainda
utilizar das janelinhas. A saída é mais fácil ainda. Pode pisar nas cabeças dos
passageiros e simplesmente “pedir desculpas.” Desta forma você alcança aos
poucos e em segundos, a porta de desembarque…
Os TRENS
Na Estação da Calçada os trens são “ invadidos, “com tanta rapidez e agilidade pelos moradores dos subúrbios, que um malabarista ficaria abismado. É um verdadeiro treino para um circo. Em menos de dois minutos mais de dois minutos, mais de dez vagões já estão superlotados de gente, galinhas, embrulhos, frutas, e coisas inacreditáveis. Uns trepados nos estribos, outros segurando em pequenas saliências. Dentro, centenas se comprimem em meio de sacos, vasilhas e bacias. A presença de um suíno não espanta os passageiros. Quando o trenzinho chega no próximo subúrbio, vem nova invasão. Os “caras “que estavam esperando o trem há algum tempo, investem todos de uma só vez. Em contrapartida, os que já vinham viajando, empurram os que desejam entrar. É um “bafafá dos diabos”. As portas de vez em quando são acionadas pelo maquinista, principalmente quando nota que a invasão está sendo repelida. Este mecanismo das portas quase não falha. Resulta quase sempre em mãos apertadas, narizes quebrados, e outros acidentes sem muita importância. Em poucos minutos o trem começa a bufar e ganha novos metros da linha férrea.
O mecanismo das portas é o maior
inimigo dos invasores. Muitas vezes os passageiros inutilizam estes mecanismos.
Quando isso não acontece, eles passam a abrir as janelinhas que são muitas,
para entrar e sair dos vagões. Ali não existe perigo de acidente com
importância. Quando estão dispostos trepam na parte de fora dos vagões. Os
atrasados pulam por cima dos demais e pedem a tradicional “desculpa” …Os
aproveitadores de quando em vez dão uma beliscada na parte traseira das
mocinhas, e recebem de presente um “tapão” ou uma bolachinha no rosto. Mas eles
já se acostumaram com esse tipo de retribuição. Passam um lenço na face e
passam para outro vagão. Novo beliscão ou um bofetão etc., até o final de
linha.
O ÔNIBUS
sua aparência não deve impressionar o usuário. Sua lataria suja e às vezes esburacada, é prova de sua eficácia no trabalho. Se você ainda não pegou um desses transportes coletivos, experimente. Eles têm cores, tamanhos, itinerários, e preços diferentes. Uns viajam a sessenta quilômetros por hora, outros a oitenta quilômetros por hora. A velocidade depende da responsabilidade do motorista. Agora, em época de festa, eles estão mais ativos, e a velocidade poderá alcançar mais alguns quilômetros por hora...
O motorista é quem dirige o ônibus. Ele senta-se atrás do volante e o seu nome oficial é “chofer.” Mas, durante o dia, ele e sua família são chamados por um bocado de nomes…Seu companheiro, o cobrador, é um sujeito fantástico. Fica sentadinho não sua cadeira recebendo o dinheiro dos passageiros. Se você tomar um ônibus, trate de levar o seu dinheiro contadinho, para não o aborrecer. A exigência do troco perturba a vida do cobrador…
DEVERES
Os deveres do “chofer” estão
registrados no volante à sua frente. Não pode conversar com passageiros,
lotação do ônibus, velocidade, etc., etc. Mas, tudo é “para inglês ver. “Ele é
quem faz a sua lei. O itinerário não é obrigatório. Se o ônibus ou lotação está
vazio, antes do fim do ramal ele volta de onde quer, burla e deixa os
passageiros nos pontos, faz o diabo a quatro, senhoras e velhos reclamam: Seu
motorista, vou saltar em tal lugar, e o senhor não vai passar por lá? O ônibus
é dele? A resposta nunca vem. Ele está preocupado com o seu novo itinerário, e
o negócio é “pé na tábua... A velocidade
sempre está acima do permitido, e o bate papo do motorista com um passageiro
amigo ou um colega, continua dentro dos transportes coletivos. Talvez a razão
disso seja porque não ficou explícito o que seria o “indispensável”.
As grandes colisões são a tônica
no dia a dia do “chofer”. Em média duas pessoas morrem diariamente por colisões
e atropelos fatais em Salvador. Mas, quando o nosso herói encontra pela frente
um “fusquinha”, o negócio é empurrar o “cara “para fora da pista. Em dois ou
três minutos o assunto já vai estar resolvido pelo guarda de trânsito, que
exige “respeito à autoridade”. Vai encher o talão de multa, escrevendo tudo
errado. Quando o advogado do infrator vai responder na repartição competente
pelo ato do seu constituinte, a causa já está ganha, porque alguém conseguiu
esconder o que o guarda escreveu...
LOTAÇÕES
É uma tranquilidade você tomar
uma lotação na Cidade. Elas estão na grande maioria na Praça da Sé, na Praça da
Inglaterra e no Campo Grande. Quando chegar num desses logradouros públicos e
observar uma imensa fila, não desanime. Toma o seu lugar, dentro de uma ou duas
horas no máximo você estará sentado numa das poltronas sujas e empoeiradas. Sua
calça deve cooperar com a empresa, na preservação do seu patrimônio.
Quando você chegar a seu
destino, trate de deixar uma “tirinha” da sua calça de tergal, para ajudar no
enchimento do banco. Se por acaso você não conseguir uma poltrona vazia no
micro ônibus que acabou de chegar não se preocupe. Saia da fila e ande alguns
metros na direção contrária ao itinerário que pretendia seguir, e, quando
avistar um deles, dê com a mão com o polegar virado para cima. O “chofer “é um
cara legal. Dá um freio instantâneo e um dos passageiros é acionado
estrategicamente junto ao motor. Não “titubeie”. Entre mais que depressa e tome o lugar que acabou de ficar “livre”. Mas,
se é uma mocinha que deseja tomar a lotação e esta, está cheia, com apenas uma
risadinha, o problema está resolvido.
O cobrador transmite
imediatamente o seu gesto para a mocinha e a porta lhe será aberta, e você
encontrará um lugar, pois, sempre existe um “cavalheiro “dentro destes
transportes coletivos.
Quando entrar numa lotação tome
posição estratégica. Nela não existe cadeirinha para o cobrador como acontece
nos ônibus. Então, o cobrador se utilizará dos seus ombros, principalmente se
você é um cara robusto. Durante a viagem ele precisará cobrar as passagens, e
assim vai se apoiando nos ombros dos passageiros que estão nas extremidades.
A FILA
A fila é uma “necessidade”... Se
alguém não quiser colaborar com ela, trate de viajar em horários que não
existam filas. Aí terá oportunidade de constatar a grande verdade da lei da
“oferta e da procura”. Os motoristas e cobradores uns verdadeiros “gentlemans”.A
viagem é agradável. O “chofer “vai parando devagarinho em todos os pontos de
embarque e desembarque de passageiros. Umas tapinhas na lataria do veículo
funcionam como verdadeiros sirenes. Os “caras “vão subindo e cada um toma lugar
numa poltrona. Mesmo que você não deseje ir naquele itinerário, tome esta
lotação. Depois de alguns metros, faça um sinal para que o motorista pare o
veículo, dizendo que “tomei o transporte errado, ou que me esqueci da carteira
de cédulas, em casa.”
Dizem os técnicos do DETRAN, que em Salvador existem muitos ônibus, lotações etc.E o que precisamos é de regionalização. Imaginamos que com “tanto” transporte estamos passando vexame, se o número for reduzido!
O TÁXI
O cidadão que estiver no meio da rua esperando um táxi para ir para sua residência, e passar um carrinho em alta velocidade com o taxímetro “LIVRE”, não se afobe. Acene com a mão. Se for hora do “rush”, ou seja, quando você necessita mais deste transporte, certamente que este motorista não para. Mas, quando isto acontecer, esteja preparado para responder a esta pergunta: “O senhor vai pra onde”? Se responder diga que deseja ir para Nazaré, Saúde, Tororó ou qualquer outro bairro próximo do centro da Cidade, ele lhe
responderá que o carro está com
defeito, que vai almoçar, que vai jantar, ou outra desculpa qualquer. Mas, não
se desespere. Volte a seu lugar de origem e continue a acenar para todos os
táxis que passam, mesmo para aqueles que estiverem ocupados. Se algum parar, diga
ao simpático motorista que deseja ir ao Rio Vermelho ou Pituba. O distinto lhe
recebe com uma risadinha e manda você entrar. Depois de viajar alguns metros em
direção a estes bairros, diga que volte para Nazaré, seu itinerário anterior,
pois esqueceu algo. Assim você conseguirá chegar a sua residência.
O motorista de táxi é um sujeito
insatisfeito. Quando pega uma corrida para perto, fica aborrecido. Explica-lhe
que desta forma não consegue pagar as letras do banco. Mas, se o seu destino
era ir até o Aeroporto 2 de Julho, também ele vai se zangar porque não acha
passageiros para voltar, e volta vazio.
A melhor maneira de agradá-lo é
perguntar para onde ele deseja ir. Mantenha-se calmo e sereno. Depois de um ou
dois minutos de viagem ele resolve lhe
transportar até um ponto qualquer da Cidade, embora não fosse o destino que
desejava. Peça-lhe que que volte para a Barra Avenida. Ele lhe pedirá
desculpas, mas, não ouse lhe pedir troco.
Seus negócios, portanto, devem
ser resolvidos de acordo com o itinerário escolhido e gentilmente aceito pelo
motorista do táxi. Se tiver alguma coisa a tratar no centro da Cidade, não
arrisque a mandar que se dirija pra lá, porque imediatamente a porta do
carrinho será aberta e você será convidado a saltar, pois “ o carro enguiçou”. A
verdade é que o motorista do táxi não deseja seguir o seu itinerário, ou
melhor, ele não quer ir para onde você vai... Afinal de contas sua vida ou seus
negócios não lhe interessam...
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