Objetivo


domingo, 2 de abril de 2023

UM FRADE SINGULAR

 

Reprodução da página original
Jornal A Tarde, 24 de agosto de 1971.

Texto de Reynivaldo Brito . Fotos de Rubens Magalhães

Há quarenta e quatro anos que Frei Elias Medeiros Ferro, irmão leigo da Ordem dos Carmelitas Calçados, vive cuidando do Museu do Carmo. Poeta e devotado batalhador pelo museu que fundou, pede, luta, sofre e quando não está mostrando aos turistas curiosos as peças de prataria e imagens antigas, está fazendo versos. Já publicou cinco livros, inclusive um recente com o título Poesias Escolhidas que ele mesmo vende aos visitantes no "seu mundo", o Museu do Carmo.

Frei Elias é humilde e muito comunicativo. Gosta de recitar os versos que compõe deixando transparecer a vontade imensa de comunicar-se com os seus semelhantes. As únicas horas de que dispõe é quando está mostrando as raras peças do Museu do Carmo aos turistas. Conheceu Graciliano Ramos e foi seu auxiliar quando o escritor de Vidas Secas residia em Palmeiras dos Índios, cidade onde nasceu Frei Elias. Durante três anos, sentiu de perto a grandeza do escritor e do homem.

                                                            HISTÓRIA

Frei Elias Medeiros Ferro "canta"as belezas
 do Museu do Carmo, "seu mundo", mas 
 aproveita para recistar versos de sua lavra.

É Frei Elias Medeiros Ferros quem fala: "No século passado o nosso convento teve grandes obras de consolidação e limpeza; as capelas, com o tempo, ficaram estragadas e tiveram substituídos os seus altares. Quem executou este magnifíco trabalho foi Cipriano Francisco de Souza, que se revelara exímio artista na restauração da Matriz de Santo Antônio Além do Carmo."

"O Cristo Atado à Coluna é uma das mais belas peças do Museu do Carmo, escultura em madeira do fim do século XVIII e atribuída ao artista baiano Francisco Chagas, mais conhecido por O Cabra. Frei Elias não para por aí. "O Cabra é o autor da imagem de Nossa Senhora do Carmo entronizada no altar mor de nossa igreja . Segundo depoimento da época, a criança que serviu de modelo ao escultor faleceu no dia em que a imagem foi benzida. Ele recusou-se a fazer a cópia desta imagem destinada a Portugal e por isto teria sofrido graves vexames e perseguição, inclusive foi recolhido na época a uma cadeia pública onde foi açoitado, terminando louco".

Frei Elias conheceu o escultor Pedro Ferreira também baiano e autor de grandes imagens. "Conheci Pedro Ferreira, um mulato comunicativo e criador. A imagem de São Francisco de Assis, do altar mor, que está abraçado com Cristo na igreja de São Francisco é de sua autoria, como também , este Senhor Morto que temos em nosso Museu. Ele residia no Matatu , em Brotas. É uma pena que hoje não conheçamos escultores de imagens como antigamente".

Enquanto conversava com Frei Elias, um grupo de quatro turistas aproximava-se para ver as peças do "seu mundo". Imediatamente ele solicitou do repórter um minuto e foi mostrar as peças. Repetia com a mesma paciência aquelas mesmas informações que já foram transmitidas a milhares de visitantes desconhecidos.

Mas não perde tempo. Vai a uma mesa que tem ao centro da sala onde ficam os objetos de prata e traz o seu livro e começa a recitar a sua poesia preferida na qual usa e abusa da aliteração, que é a repetição de fonemas idênticos. "A tempestade tisna o tempo e torna / Tristonha treva - a tarde transparente. /Terrível turbilhão tudo transtorna. / Trazendo a tromba túrgida e tremente. / O terror da tragédia tenebrosa. / Tonteia e traz tremores da tormenta. / Tudo transverte e turva a temerosa / Torrente, transmutada e turbulenta. / O transeunte trôpego tropeça. / Temendo a truculência do tornado / E, trêmulo, transfere-se à travessa./ Transportando-se ao toldo do tablado. / Trêfego, o torvelinho, em turvação, / Terminou tendo tudo transformado. / Traduzindo a total transformação: / Tombando o templo as torres e o telhado. / Tardio o temporal tornou-se, tendo / Trocado a tropelia do tufão. / Tranquiliza-se o tétrico e tremendo / Troar tonitruante do trovão. / A tarde transmudou-se totalmente, /Em tom de triunfal tranquilidade / E, tonta, transbordante e transluzente, / Trovava troçando a torva tempestade".

Os turistas ouviram com atenção os seus versos, e seguiram pedindo desculpas por não comprarem o seu livro.

                          TRABALHO ARTESANAL

No Museu do Carmo  artesanato ajuda
 muito. É um trabalho cuidadoso
mas compensado no valor artístico
daspeças em prata ali elaboradas.
No Museu do Carmo há um curioso trabalho artesanal em prata de lei: vinte operários trabalham em condições primitivas para conservar a autenticidade dos castiçais, bandejas, vasos e objetos ornamentais que vão enfeitar as residências, os braços e os pescoços dos turistas.

A prata chega em barras de São Paulo, e ali são derretidas num forno de barro para serem trabalhadas pelos vinte artesãos - em sua maioria rapazes com idade média de vinte e cinco  a trinta anos - que passam o dia inteiro trabalhando com pequeninas ferramentas , dando formas aos balangandãs e outros objetos de arte.

Edvaldo Santos labuta com cinzelamento e recebe as peças apenas com o formato inicial e, aí, num trabalho moroso e cuidadoso vai colocando os enfeites. De lá, as peças seguem para o “mateamento” onde desenhos em formas de chuvisco vão sendo encrustados nas peças. Agora vão ao forno onde é retirado todo o breu que serviu para dar consistência às peças para serem trabalhadas. Em seguida, os artesãos as conduzem para um pequeno tanque de ácido para serem clareadas, depois  são polidas , e em seguida, armadas. As peças, à esta altura, já estão prontas para serem negociadas.

 


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