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sexta-feira, 21 de maio de 2010

RELIGIÃO - FLORES E GALOS BRANCOS PARA ACALMAR O TEMPO


Texto e Fotos Reynivaldo Brito
Jornal A Tarde – quarta-feira 30 de agosto de 1979.


Uma das festas mais significativas dos candomblés da corrente de Angola é a dedicada ao Tempo, que no sincretismo religioso é representado por São Lourenço. Assim, todos os anos, no dia 10 de agosto, os terreiros de candomblé realizam suas obrigações com matanças de galos brancos e oferta de muita comida : acarajés, abarás, pipocas, entre outras, especialmente, às dezenas de crianças que para l;á se dirigem em busca da boa comida da seita. A festa é dedicada ao Tempo e as mães ou pais-de-santo ( yalorixás e babalaôs ) fazem esta obrigação para acalmar o vento que segundo acreditam é “capaz de derrubar e acabar com tudo”. Exatamente num dos terreiros de Angola mais importantes da Bahia – dirigido por Altamira Maria da Conceição Souza a saudosa yalorixá Mãe Mirinha do Portão, foi realizada a festa do Tempo e pela primeira vez permitida a presença de repórter que documentou parte das obrigações. Não foi, no entanto, permitido fotografar a matança , feita sem a presença de vários convidados.
A cerimônia começou com a mãe-de-santo reunindo todas as suas filhas e ogãs embaixo da chamada árvore do Tempo, uma gameleira branca centenária, quando foram entoados cânticos acompanhados pelos atabaques. Em seguida vieram outras filhas-de-santo trazendo nas cabeças tabuleiros e cestos contendo as chamadas comidas brancas.Começaram a dançar e a cantar em louvor ao Tempo.Por mais de uma hora ouviam-se de longe os cânticos ora alegres, ora tristes, todos dedicados a São Lourenço. Era a preparação para a chegada do santo. Depois a festa teria prosseguimento no barracão onde todas se apresentaram vestidas com as cores e trazendo os instrumentos dos seus respectivos Orixás.

                                    AO AR LIVRE

O curioso é que a maior parte da ocorreu na “roça”( terreiro) e também convidados, que, de quando em vez, eram saudados com bocados de pipocas 9 que eles chamam de flores).
Horas depois, os mais ligados ao terreiro foram para o peji ( santuário0 do Tempo para passar ( esfregar mesmo) as pipocas ( flores) nos corpos e especialmente nas cabeças para descarregar o corpo. Um ato feito com muito respeito e crédito pelos integrantes do culto.Alguns, ao terminar de esfregar as flores, jogavam um pouco nos demais. Uma atitude de total descontração, mas que não pode ser levada como brincadeira porque o infrator seria certamente expulso da casa. A mãe-de-santo ordenava o ato e observava, silenciosa, todo o seu desenrolar. Cara fechada e contrita, ela reiniciou cantando os rebates de Angola chamando os “santos”de suas filhas. Um chamamento repetido e cadenciado até que começaram a chegar os Orixás e as filhas e o dono da festa ficaram manifestados. Ao leve toque da mãe-de-santo e com a ajuda de algumas filhas-de-santo os manifestados eram conduzidos para uma parte dos fundos da casa onde foram devidamente restabelecidos, e minutos depois já estavam dançando novamente.

                                          OS MADRASTOS

Muitos acompanharam de longe a festa do tempo. Eram dezenas de pessoas que por razões econômicas ou mesmo doença não podendo participar enviaram seus panos brancos ( madrastos) . Esses panos antes de serem enviados foram devidamente esfregados no corpo ( a exemplo das pipocas) para descarregar, e no terreiro foram dependurados na árvore do Tempo. Ficarão lá durante todo o ano. Alguns não resistem e caem, mas não podem ser retirados do lugar e os que permanecem serão retirados no ano seguinte.
Este ano o Terreiro de Mãe Mirinha do Portão recebeu muitos panos de gente ligada à casa que reside em São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná e até no Rio Grande do Sul. Este santuário dos panos brancos é chamado de Atim do Tempo, que também recebeu bocados de abado ( milho torrado) colocados pela mãe-de-santo e suas filhas, sua Mãe Pequena, Maria das Graças e seus ogãs no peji.
O milho é torrado apenas com areia. Não utilizam sal, manteiga ou qualquer tipo de óleo. Em seguida , as filhas-de-santo colocaram finas fatias de coco. Porém, quando a pessoa é chamada para esfregar as flores ( pipocas) no corpo, é obrigada a retirar os pequenos pedaços de coco. Eles não permitem que as flores sejam chamadas de pipocas. Explicou um ogã do terreiro que “pipocas são as coceiras que saem do corpo. O que os leigos chamam de pipocas para nós do culto é flor e, é por isso que a gente joga nos convidados e esfrega no corpo para descarregar dos maus-olhados e outras porcarias que os inimigos nos dedicam”.

                                                   MATANÇA

O ponto alto da festa foi a matança dos galos brancos cujo sangue era oferecido ao santo. Desde à tardinha que encontramos as filhas-de-santo com alguns galos nas mãos. Eles estavam sendo preparados para o sacrifício. Porém, as pessoas convidadas e nem o repórter puderam assistir e muito menos documentar. Todos estavam curiosos para presenciar o sacrifício e acompanhar as danças e os cânticos, que foram realizados no barracão com a presença apenas das pessoas ligas do culto.
Informou Mãe Mirinha que ‘fizemos nossas obrigações.O público não pode assistir à matança porque não é bom e temos que acalmar o tempo. Quem é que pode com Ele?”- perguntou, e ela mesma respondeu! “Só a gente fazendo as obrigações para acalma-lo, para domina-lo. Ele derruba e acaba com tudo em qualquer lugar do mundo!”.
No dia 16, o candomblé de Mirinha do Portão teve uma obrigação , quando foram torradas novas flores para Obaluaê, e finalmente em 26 de dezembro, primeiro sábado do mês, será o dia dedicado a Iansã, Santa Bárbara, deusa dos ventos, fogo e das tempestades. É uma das esposas de Xangô, única que lhe fez companhia nas suas campanhas, revelando-se excelente guerreira.

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