Objetivo


sexta-feira, 21 de maio de 2010

RELIGIÃO - OLGA DE ALAKETO: O CANDOMBLÉ CURA E MATA



A TARDE - TERÇA-FEIRA 8 DE MAIO DE 1979
Texto Reynivaldo Brito

A ialorixá Olga de Alaketo é uma das mães-de-santo mais respeitadas do Brasil. Ela reina em seu terreiro no bairro do Luis Anselmo, em Salvador, onde exerce seu poder temporal e espiritual sobre diversas filhas e filhos-de-santo, ogans, ekedes e outros elementos integrantes do candomblé. Está com 53 anos de idade e tem dez netos. É uma negra bonita e Iansã é “dona”de sua cabeça. Dança divinamente e gosta de freqüentar , em companhia de gente da alta sociedade, a vida noturna do Rio de Janeiro e São Paulo. Quando Denner estava no seu esplendor da alta costura, Olga de Alaketo cansou de exibir sua etiqueta. Como toda mulher, é vaidosa e gosta de se apresentar bem vestida. Porém, na hora de suas “obrigações”, acontece uma brusca transformação. Olga recebe seu santo e reina com toda sua autoridade em Alaketo, que, em ioruba significa um pedaço do céu.E este pedaço do céu está em Salvador, onde ela se sente à vontade , completamente voltada para a sua religião, o candomblé.
É também apontada como a única ialorixá baiana que vive viajando pelo país afora, fazendo trabalhos de recuperação de jovens toxicômanos e também tem um terreiro em São Paulo. Já esteve várias vezes na África e por duas vezes consecutivas participou, como convidada especial, do Festival Internacional da Nigéria. Embora tenha uma vida de rainha, ela está sempre sensível às necessidades de suas filhas-de-santo. E um exemplo disto aconteceu no último festival da Nigéria, pois quando chegou ao aeroporto de Dakar foi informada que só haviam reservado acomodações para ela. Zangada, preferiu dormir no aeroporto, ao lado de suas filhas-de-santo, até que tudo foi contornado. É uma mulher de atitudes seguras e, às vezes, é incompreendida. Aos que lhe procuram, costuma dificultar o estabelecimento de uma diálogo mais demorado. Quase sempre faz cara feia, assustando seu possível interlocutor. Também não gosta de dar entrevistas e muito menos ser fotografada.
Vejam vocês que Olga tinha um filho fotógrafo profissional chamado de Louriel Barbosa, com o qual fiz várias reportagens e,que desapareceu misteriosamente. Ele já maduro foi trabalhar com o jogo do bicho e terminou assassinado.Faço este registro em sua homenagem, lembrando das boas gargalhadas que dava quando enfrentávamos uma dificuldade para realizar uma reportagem.
Mas, voltando a Olga de Alaketo, depois de romper esta barreira, ela se revelava ser uma mulher dinâmica, preocupada com as coisas que acontecem fora do seu terreiro. Aqui ela fala de sua preocupação com a violência, com a falta de respeito de algumas pessoas para com o candomblé e de outros assuntos de importância.


CRÍTICA AO ABUSO

Olga de Alaketo firma que hoje em dia o candomblé é respeitado por muita gente. “É uma religião respeitada.Mas, por outro lado, muitos estão entrando indevidamente no assunto e há alguns até que se arvoram de pais e mães-de-santo e não têm nem uma conta lavada.Isto tira o real valor do candomblé porque confundem as pessoas mal informadas. Outra coisa, é a utilização desenfreada que está acontecendo com alguns compositores que colocam em suas músicas nomes de Orixá e mesmo de mães-de-santo.A esses eu tenho a dizer que tomem cuidado com os exageros. Uma homenagem ainda se admite, mas daí o individuo passar a colocar em suas músicas ou composições parte de coisas do nosso culto é uma afronta e, acima de tudo, uma desonestidade que não podemos admitir”.
Olka diz que existem muitas maneiras de compor sambas , polcas, valsas e outros ritmos. “Mas acontece que não gosto desde tipo de coisa , porque agora estão usando até trajes de iaôs ( iniciadas) durante o carnaval. Para mim, carnaval é carnaval e candomblé é candomblé.Não podemos , assim, permitir que o candomblé seja diminuído. É preciso que as coisas estejam colocadas em seus devidos lugares. Alguns, por exemplo, me perguntam se os turistas me atrapalham. Costumo responder que todos nós somos turistas quando viajamos ou deixamos a nossa cidade. O problema é saber lidar com eles, que muitas vezes não estão acostumados a entrar num terreiro de candomblé. Me dou muito bem com os turistas. Eles chegam aqui, entram e ficam separados. Os homens para um lado e as mulheres para outro. Não me incomodam e muito menos fazem qualquer coisa prejudicial.Muitos ficam até terminar a “obrigação”e não conto quantos já convidei para participar de minha mesa, juntamente com minhas filhas-de-santo. Tudo no mais profundo respeito, e, assim, tenho feito muitas amizades. O que eles não podem e não devem querer saber é de nossos preceitos, que somente a nós do culto pertencem”. De repente ela resolve acrescentar que tem, hoje, pessoas ligadas a seu terreiro que começaram como turistas.”Chegaram, viram e ficaram impressionadas e hoje são gente do culto. O que não posso é revelar os seus nomes”, disse Olga.
A mãe-de-santo volta ao problema da utilização indevida de vestimentas do candomblé no carnaval e por grupos folclóricos e pergunta: “Por que ninguém sai com um castiçal e a hóstia pelo meio da rua? Ora, porque seriam censurados. Ninguém apanha um andor de Nossa Senhora da Conceição e sai por ai cantando samba de carnaval. Mas quando tem a procissão está tudo certo. Daí achar que está errado. O candomblé merece respeito como qualquer religião e deve ser mais recolhido a seus terreiros”.

FORA , NÃO


Ela mesma faz questão de afirmar que fora do seu candomblé, das suas “obrigações”, é uma mulher normal. Por isto é criticada, porque muitas vezes é convidada a participar de festas de casamento, batizado e aniversário ela comparece vestida normalmente, sem qualquer conta ou indumentária que a identifique como mãe-de-santo.Diz ela que o mesmo comportamento têm suas filhas-de-santo , que são instruídas para não comparecerem em quitandas, bares e outros locais vestidas ou trazendo contas sagradas do culto. “As contas são para ser usadas para “fechar”e “proteger” os nossos corpos. Minhas obrigações sagradas .No meu candomblé ninguém faz ou tem este comportamento”.
Olga de Alaketo , a seguir, revela que Antonio Carlos e Jocafi fizeram uma música com ela. “Mas tudo foi feito dentro de uma seriedade e ainda não existia este relaxamento. Também o Martinho da Vila fez uma música em meu nome. Ele não me conhecia, mas mandou dizer que queria me homenagear a terminei por conhece-lo há poço tempo, no Canecão, no Rio de Janeiro, pois eu estava com uns amigos numa mesa, quando me apresentaram. Sou uma mulher viajada, que anda. Mas só ando onde posso me apresentar, porque tenho um nome e uma posição a zelar dentro do meu culto”.
Essas músicas não envolvem nada de santo e é exatamente por isto que Olga de Alaketo não fica aborrecida.O que não admite é chegar em sua casa para tirar pontos de candomblé e mesmo fotografar suas filhas-de-santo dançando ou em transe na hora que recebem o santo. Isto para ela seria um grande sacrilégio, embora tenha conhecimento que outras pessoas deixam. Para Olga, o conhecimento e a amizade, que ela tem em vários estados e até no exterior, são provenientes do bem que ela faz. Ä gente tem amigos porque faz o bem. Não é de música rodando no prato de uma radiola.”


MINHA CRIAÇÃO

Na conversa com o repórter, que durou mais de duas horas, a ialorixá revelou que esta sua disposição de freqüentar , com assiduidade, a sociedade é porque foi criada assim.”Não é nada de vaidade. A minha mãe-de-santo era professora e falava cinco idiomas. Tinha cultura e freqüentava a sociedade e sempre estava a meu lado.Ela falava até o latim, o guarani, e era uma criatura muito relacionada. Ela se chamava Dionísia Francisca Regis, me criou assim e por isto acho que tenho que viver assim.Viverei assim até o fim. Aqui na Bahia tem muita gente que me viu criança e via como eu era tratada na escola. “
E continuou : “Outro dia em São Paulo , uma pessoa me perguntava se me lembrava na professora Basília e respondi que ela tinha sido minha mestra nas escolas Visconde de Cairu e Maria Quitéria. Então relembrou que eu ia com minha tia-avó ou com a professora e tinha minha mesa e moringa para beber água, tudo separado, porque , mesmo estudando, eu fazia minhas obrigações, aliás, faço obrigações desde que nasci.Lembro que sentava separada das colegas. Fui criada assim por causa de minhas obrigações. Quando cresci , freqüentava as casas dos amigos de minha mãe-de-santo e de minha mãe que me gerou. Não é por causa da morte delas que vou me relaxar. Não. Tenho oito filhos, quatro casados, e quatro que estão sob minha responsabilidade, e meus filhos foram criados do mesmo jeito que eu fui criada. Todos têm obrigação, mas participam e têm uma vida normal, relacionando-se com as pessoas que achamos eu devemos nos relacionar”.

BOATES

Revela Olga de Alaketo que vai em boates e restaurantes da moda. “Vou em boates, em restaurantes, teatros, etc. Vou bem acompanhada e sei me comportar. E ainda tem mais : se tiver que dançar eu danço, e como. Só não faço beber, porque não gosto de bebidas. Sei com quem vou. Às vezes, fumo um cachimbo. Sei com quem saio e com quem volto. Não freqüento esses locais com qualquer pessoa. Ai é que está o segredo: em você escolher aquelas pessoas que você pode acompanhar, embora no mundo a gente termine se misturando com quem é bom e ruim”.
Ela afirma que é por isto que “a gente tem que saber escolher as companhias e, quando perceber que4 está no meio de gente ruim, deve procurar imediatamente se afastar. Isto para não levar fama ruim. Assim, minha vida é esta. Visito meus amigos, viajo, mas não vou dançar candomblé. Sou também muito convidada para passear, conhecer as cidades. Ás vezes, também sou convidada para fazer exibição. Lembro que, numa viagem recente que fiz aos Estados Unidos me pediram para fazer uma demonstração e fiz, mas nunca evocando obrigações do culto. Fui, me apresentei e sai em filmes e livros. Na África também já fui com meus filhos e filhas-de-santo e recebo cartas e presentes de amigos que deixei por lá.”


SERIEDADE E HERANÇA

Não quis falar das discussões existentes em torno da seriedade ou não de muitos dos terreiros de candomblé espalhados pelo país, especialmente na Bahia, que são centenas. Disse, que “sobre isto não posso falar, porque não conheço quase os outros terreiros. Conheço pouco o Terreiro do Gantois, que já fui algumas vezes, porque minha mãe era contraparente de Menininha do Gantois e quando me chamam eu vou. Mas não me meto nessas coisas. Acabou. Vou ainda na casa de Irene, que é filha do finado Felisberto Banboché, que era africano. Conheço a raça dele toda na África. Nos conhecemos de muitos anos, porque fomos criados aqui, juntos.Agora, aos outros não vou porque não conheço as pessoas.Fico em minha casa , onde recebo meus amigos, e vou nas festas que sou convidada. Agora, nas minhas horas de obrigação não quero saber de nada. Fico inteiramente dedicada a meu terreiro”.
A seguir, ela fala de seu candomblé .Mostra o imenso terrenos que pertence a Alaketo, em que só podem reinar , ali, pessoas ligadas por sangue. Isto é , parentes consangüíneos. E mulher. Eu sou a herdeira da quinta geração, porque meu pessoal morre muito velho. De mim passará para uma neta ou bisneta. Para filha não vai dar mais. Quando indaguei, por que não seria uma filha a herdeira de Alaketo, ela revelou que “não vou ter mais filha, graças a Deus”.
Mas a senhora não tem quatro filhas, sendo duas casas e duas soleiras? “Tenho,mas elas não podem. Já vêm desde que nascem. Porém, minhas netinhas estão sendo todas elas preparadas , mas ainda não têm nenhuma com o “sinal”. Olga não mais adiantou a respeito deste “sinal” dizendo apenas que “tem uma marca, um sinal”.
Já tem dez netos, sendo sete mulheres, entre elas poderá estar a herdeira do candomblé ou, quem sabe, será uma neta, que ainda nascerá de suas duas filhas e dois filhos, que ainda são solteiros, ou mesmo dos que já estão casados.
A mãe-de-santo Olga de Alaketo fala o ioruba com fluência e diz que embora tenha oportunidade de aprender o inglês e o francês, prefere continuar falando o português e o ioruba, que são línguas de sua cultua. Fala ainda alguma coisa em angola.

A VIOLÊNCIA

Quando perguntei sobre a violência no mundo, Olga disse que “as coisas sempre existiram, mas eram mais reservadas. Não era como agora, esses assaltos, essas coisas. Ontem mesmo presenciei cinco homens pegarem um rapaz, que mora aqui ao lado, para tomar o dinheiro. O que me dói por dentro não é o roubo propriamente , mas a perversidade que estão fazendo com as pessoas. Pegam as pessoas, matam, fasem todo tipo de maldade. Acredito que esses meninos são doentes. São garotos que precisam de conselhos e tratamento . Muitas vezes são recalques que carregam e depois vão despejar em cima de outras pessoas que nada têm a ver com os problemas deles”.
“Os mais velhos dizem que os pais fazem para os filhos pagar. Eu acredito piamente nisto. Me lembro de uma pessoa que viveu muito bacana, mas que aprontou muita miséria para os outros.Essa pessoa morreu e esses filhos têm pago coisas que você duvida. Uns são mais velhos do que eu e outros mais moços. Faz pouco tempo que encontrei como uma, que me perguntou se me lembrava do tempo de criança, quando ela me levava para a escola.Eu respondi que lembrava e fiz críticas a seu comportamento. Ela baixou a cabeça e começou a chorar. Hoje está pagando o que fez o seu pai, quando vivo.”
“Cansei de ouvir os mais velhos dizerem: “Isto que ele está fazendo os filhos dele vão pagar”. E, hoje, vejo eles pagando o que o pai fez por este mundo de meu Deus. É por isto que peço a Deus , para não fazer mal a ninguém, para que meus filhos não venham apagar. Peço a deus que, se tenho que fazer uma coisa para matar, para que me dê forças para acender uma vela para o anjo-da-guarda, para que esta pessoa veja o mal que está fazendo. O indivíduo que faz mal a um e a outro, termina fazem do mal a si próprio, “porque não tem coisa pior, que uma pessoa mal-querida. O problema do tóxico, mesmo, é porque esses meninos vêem os pais deixando as mães, batendo nas mães, e isto revolta as crianças, que terminam por buscar o tóxico. Não tem coisa pior que um filho presenciar uma mãe ser espancada por quem quer que seja, principalmente pelo pai. Daí o tóxico ser uma fuga para esquecer esses problemas e muitos terminam viciados. Tenho cuidado de vários jovens e quando conversamos afloram esses problemas ou outros semelhantes”.


CANDOMBLÉ MATA

Pessoas que desconhecem o candomblé imaginam que tudo é feitiçaria para fazer mal aos outros> Muitos também acham que o candomblé mata e aleija . – Dona Olga de Alaketo , o que a senhora acha desta visão a respeito do candomblé?
-“Bom, vou lhe explicar uma coisa. Não há médico que cure, que não mate.Nem que seja por erro. É mesmo que o candomblé. Não há que não cure, que não mate.Às vezes , não quer fazer por mal. No momento, a gente está pedindo por bem,porque não guardo rancor de ninguém e muito menos quero guardar . Mas,a gente está pedindo para o bem e só vem o mal. Quando vejo uma pessoa falando mal do candomblé, eu deixo falar. Já chamei várias pessoas a atenção por falarem mal do candomblé: O que não está certo é você generalizar.Têm condomblés bons e ruins. Às vezes , até dentro de uma mesma família, têm irmãos bons e ruins. É a Mesma coisa”.
“Outro dia, continua Olga de Alaketo, estava assistindo televisão, onde alguns crentes estavam falando . Apareceu uma moça e disse que era de candomblé e havia abandonado o culto porque lá aprendera a tomar tóxico e generalizou que no candomblé se toma tóxico. Fiquei indignada porque esta moça deveria dizer onde foi que aprendera a tomar tóxico, inclusive revelando o tal terreiro, já que ele existia, segundo ela. Ora, partir daí para generalizar é um exagero e uma atitude errada, porque os terreiros, em sua grande maioria, são locais de obrigações sérias e que merecem respeito. Eu não conheço nenhum candomblé que faça isto. Eu mesmo nem sei distinguir uma flor de maconha. Nunca vi, não quero ver”.


ACREDITA EM DEUS

Continuando seu depoimento , a ialorixá revela que acretida em Deus. “Eu não o vejo, mas o sinto, é uma coisa que sai de dentro de mim, que não sei explicar. Todo é sentido naturalmente. Daí o respeito que a gente tem que ter com o sentimento oculto. As pessoas que procuram o candomblé geralmente estão

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