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quinta-feira, 6 de outubro de 2011

RELIGIÃO - MONGES BENEDITINOS - O TRABALHO E AS IDÉIAS

A TARDE – DOMINGO, 3 DE SETEMBRO DE 1978
Texto Reynivaldo Brito


Uma das personalidades do clero em Salvador mais conhecidas era d. Jerônimo de Sá Cavalcante, ( foto) já falecido, um cearense natural de Fortaleza que dividiu sua vida sacerdotal entre a Bahia e Pernambuco, onde deu os primeiros passos para a fundação da atual Faculdade de Filosofia daquele estado. Ordenou-se na Alemanha, em Beuron ,em 1939.No ano de 1942 retornou ao Brasil, sendo designado para servir na cidade de Garanhuns, interior de Pernambuco, vindo depois para Salvador. Foi durante dez anos o prior do mosteiro e renunciou em abril de 1975 depois de uma entrevista dada a um jornal local sobre o divórcio, tema proibido naquela época a debate público por sacerdotes. Mas, o monge não mudou e suas idéias continuaram sendo defendidas visando à defesa e promoção da pessoa humana.
Dizia d. Jerônimo que sua preocupação era de estar presente não apenas nos momentos de angústia da comunidade, mas, também, nos momentos de alegria. Pouco antes de ser monge estava estudando muito a Teologia para sentir e encontrar a doutrina do povo. "Quando falamos em cristianismo lembramos o Cristo que no século IV foi descoberto pelos homens como sendo o Deus. Hoje estou estudando esta problemática que considero difícil e da mais alta importância para nós. Sei que é uma problemática difícil de ser entendida por alguns. Enquanto a igreja se apresenta no plano social, é claro que, todos entendem e aceitam, quando tratamos de Deus surgem as dúvidas para as quais temos e também buscamos respostas. E, o Cristo que trouxe a sua mensagem. Por isto não estou preocupado em fazer, mas estou preocupado em ser. Reflito sobre a Teologia da Libertação e chego até aos miseráveis que habitam este Nordeste e mesmo os Alagados, que é uma comunidade com mais de 100 mil almas, vivendo uma vida sub-humana sob todos os aspectos. Compreendo que o desequilíbrio dessas regiões ou locais em relação a outras desenvolvidas não é porque Deus quer e, sim, porque os homens vivem distorcendo as coisas e só pensam na riqueza” – Dizia d. Jerônimo numa entrevista que fiz para a revista Manchete.
Confessou que existem posições contraditórias dentro do próprio mosteiro e foi mais além “dentro da própria ordem”. “Mas isto – adiantou – demonstra a nossa independência. Basta dizer que os mosteiros são independentes. Tem governo próprio através do abade e do prior. Acho a discórdia muito válida e é bom salientar que na base estamos irmanados no mesmo pensamento em busca do Cristo que dá resposta aos nossos problemas”.
Continuava afirmando que "o matrimonio é uma comunidade de amor. Para isto o cristianismo deveria ter uma preocupação constante com a essencialidade do matrimonio que é o amor. Não existindo amor não sou favorável que as pessoas continuem juntas. E, vou mais além. Quando estudo a questão da reprodução humana vejo o problema do ponto de vista teológico que o casal tem essencialmente o direito de ter um filho que quer e quando quiser. É um direito do homem, inerente a ele de exercer a sua função reprodutiva em plena liberdade e sem constrangimento, seja ele qual for, procurando descobrir aquelas normas que dirige e governa no mundo. O filho não é fruto do fatalismo ou da simples Providência Divina. O filho é resultado exclusivo da vontade de duas pessoas: um homem e uma mulher. Eles é que decidem a geração de um ser. É um ato altamente humano onde participa a liberdade plena do casal. Sei que alguns ainda vêm o casamento no cristianismo o encontro sexual do homem e da mulher como primordialmente reprodutivo, quando na realidade deve ser unitário, o que pode ser comprovado pela Teologia e a própria Ciência."
Falando sobre seu contato com a Juventude quando participava e orientava os integrantes da Juventude Universitária Católica – JUC declarou d. Jerônimo que sentia e compreendia a revolta do jovem. “O meu contato atual com os jovens permite que tenha uma idéia que o jovem demonstra uma rejeição ao cristianismo hoje apresentado. Isto porque o jovem não encontra este cristianismo respostas para seus anseios e nós que os lideramos do ponto de vista espiritual precisamos ter muito cuidado na apresentação da doutrina de Cristo. É preciso entender e falar a linguagem do jovem para ser aceito e influir em seu comportamento."
E continuou " Não apenas os jovens rejeitam o cristianismo hoje em dia. Isto porque o cristianismo que muitos apresentam é puramente europeu fora de nossa realidade. É bom para nós brancos, descendentes de europeus, mas não para o índio ou o negro. E dentro deste ponto de vista que ora desenvolvo meus estudos para entender a doutrina própria da comunidade em que gravito”.
Além de estudar d. Jerônimo tinha várias atividades fora do mosteiro entre as quais era membro da Associação de Dirigentes Cristãos de Empresas (fundador) e trabalhava no Inocoop, órgão encarregado de orientar e traçar a politica das cooperativas habitacionais. Visitava fábricas e mesmo conjuntos habitacionais já construídos para saber das necessidades dos adquirentes. Sua luta no Inocoop era pela construção de unidades habitacionais dignos e de fácil aquisição. Era ainda conselheiro de vários casais que enfrentam problemas matrimoniais.
Finalizando sua entrevista d. Jerônimo de Sá Cavalcante, um monge de idéias consideradas progressistas fez questão de afirmar que tinha muita fé em Cristo e acreditava que tudo começa do homem para Deus. Esperava ter ainda saúde para continuar ajudando a todos aquelas que precisam e a entender os problemas sempre renovados da juventude.

                                                                   ARTISTA
Já o irmão Paulo Lachenmayer chegou à Bahia em 1922 com mais três colegas: José Endres Lohr, atual arquivista e historiador, Conrado Metzger, já falecido e d. Clemente da Silva Nigra, que dirigiu o Museu de Arte Sacra da Bahia por um longo período. Por serem alemães sofreram muito durante a II Guerra Mundial, o que é relembrado com tristeza pelo irmão Paulo um artista nato que estudou com grandes mestres em sua terra natal a escultura e arquitetura interior de templos. Ele faz questão de afirmar que “não sou decorador. Sou um arquiteto especializado em interiores sacros. Não trabalho com arte profana. Sei que muitos arquitetos fazem trabalhos em interiores de templos, mas na realidade não conhecem o assunto e fazem coisas realmente condenáveis. Ele foi consultado sobre a ambientação dos interiores das catedrais de Brasília e Rio de Janeiro, sendo que nesta última ficou muito aborrecido com umas determinações tomadas pelos responsáveis pela construção da igreja e terminou arrumando suas malas e retornando a Salvador, depois de dois anos orientando os trabalhos. Diz irmão Paulo que o grande problema é a incompreensão de algumas pessoas que não concordam com a necessidade da união da funcionalidade dos objetos com o próprio ambiente sacro dos templos”.
Na qualidade de escultor o irmão Paulo fez um grande Cristo crucificado completamente diferente dos que estamos acostumados a ver. O seu Cristo fundido em bronze e depois reproduzido em escala industrial sereno e não está retorcido na cruz. Parece aceitar os castigos impostos pelos soldados romanos com certa serenidade.
Conta irmão Paulo que fez ainda uma Santa Terezinha, bem moderna, e o então cardeal d. Augusto Alvares da Silva, já falecido, mandou retirar as duas imagens porque não representavam o Cristo e a santa. Isto foi um grande golpe e de lá para cá nunca mais esculpiu. Com isto belas e modernas imagens deixaram de ser esculpidas voltando-se para criar brazões para irmandades, prefeituras e igrejas. Um trabalho que o tornou conhecido não apenas no Brasil, mas em vários países. E hoje um estudioso da Heráldica. Para ele a Heráldica não tem aprendizado, tudo depende da convivência. Pelos livros ninguém aprende Heráldica. É preciso sentir e entrar na alma desta arte.


                                                                  RECOLHIDO

O monge d. José Lohr Endres vive praticamente recolhido. Quase não participa das reuniões e orações feitas em conjunto. Sua vida está ligada às pesquisas que desenvolve sobre a ordem no Brasil e no exterior. Publicou em 1975 um extenso trabalho intitulado “Catalogo dos bispos gerais, provinciais, abades e mais cargos da Ordem de São Bento do Brasil” de 1582 a 1975 onde traz informações detalhadas sobre mais de 500 religiosos. Um trabalho paciente e considera de grande importância para o estudo da ordem beneditina.Atualmente, encontra-se no prelo um livro de quase 300 páginas. “O ordem de São Bento no Brasil”, que deverá se lançado dentro em breve. Além destes d. José está escrevendo e revendo outros trabalhos já concluídos.
É responsável pelo arquivo do mosteiro e mantém sob sua guarda importantes documentos. Muitos historiadores o procuram para consultas sobre assuntos ligados a História da Bahia, da qual a ordem tem uma participação considerável.
O monge d. Mariano Costa Rego é o responsável pelo setor de serviço social, fundado por ele há três anos, que já conta com mais de dois mil atendimentos. Foi nomeado pela Arquidiocese de Salvador como coordenador da Comissão de Ecumenismo. Disse que “por enquanto estamos mantendo contatos com religiões cristãs. Mas, devido à própria formação religiosa baiana teremos que expandir nossos contatos com outras religiões e seitas”. Ensina ainda duas cadeiras na Faculdade de Filosofia da Universidade Católica do Salvador e receber incumbências e solicitações do bispo que “assumo com grande alegria“.
Falando sobre seu trabalho a frente do Serviço Social do mosteiro de São Bento da Bahia diz d. Mariano que “temos duas faixas de atendimento. Para os nossos funcionários e para o pessoal que nos procuram. O atendimento aos funcionários é mais efetivo, pois procuramos acompanhá-los em seus desejos e necessidades”.
Tem uma idéia bastante interessante sobre o celibato. Diz que o celibato é uma escolha positiva da descoberta de um amor maior, que é plenamente capaz de catalizar todas as forças a serviços de Deus. Isto é enquanto um homem casa e ama uma mulher, nós amamos a todos.

                                                                                     REALIZADA


A prioresa do novo mosteiro das monjas beneditinas em Salvador Joana Calmon Villas Boas disse que “estamos aqui para um grande trabalho de promoção humana que esperamos contar com a ajuda dos baianos. Há 20 anos que estou na ordem, depois de ter sido professora com curso de mestrado no Canadá e outros países da Escola de Enfermagem da Universidade Federal da Bahia. Entrei para o mosteiro um pouco tarde não porque a vocação chegou depois. Mas porque tive que orientar a criação de meus irmãos devido ao falecimento de minha mãe. Isto foi bom porque conheci a vida exterior. A vida religiosa foi para mim uma imensa riqueza que Deus me deu. Sou plenamente feliz como pessoa, como era antes de entrar pra o convento, pois era uma profissional respeitada e venho de uma família de certos recursos. O que desejo agora é trabalhar com minhas colegas. Vamos ter uma vida contemplativa refletindo com as pessoas que vão nos procurar, com os jovens e casais. Pretendemos desenvolver um Serviço Social tendo uma vista a promoção humana”.
Junto com a prioresa veio à monja Vera Lúcia Parreira Horta, carioca, que estava no mosteiro de Belo Horizonte há 10 anos. Moraram alguns anos em Salvador onde frequentava a Escola de Teatro e Dança como qualquer universitária. Chegou a estudar dança. Abandonou tudo e abraçou a vida religiosa. Ela é uma das principais pelas orações que são contadas, feitas pelas monjas.

                                                     VIDAS DOS HOMENS

O abade d. Timóteo Amoroso Anastácio, do Mosteiro de São Bento da Bahia afirma que o que caracteriza a vocação monástica é a busca de Deus. O monaquismo (e a vida religiosa em geral) só se define por este objetivo: buscar a Deus. Por isto, quaisquer que sejam as suas atividades pessoas e comunitárias, a vida do monge é toda orientada para esta finalidade. “Mas esta busca se faz numa comunidade de irmãos que descobriram em si idêntico apelo se consagram a isto, através da oração particular e comum, do trabalho, do serviço dos homens”.
– É interessante notar que a verdadeira busca de Deus jamais se realizou, no monaquismo beneditino, à custa do desapreço pela vida dos homens, pela história dos homens. Em toda parte onde floresceu este tipo de vida, processou-se naturalmente uma admirável harmonia entre o culto e a cultura, isto é, a busca de Deus e a solidariedade com os valores humanos autênticos. Deste modo, os monges beneditinos nunca podem alienar-se das aspirações mais genuínas dos homens, especialmente do grito mais ou menos conscientes que sobe da consciência humana por liberdade, justiça, solidariedade e paz.
D. Timóteo adianta que “unidos em sua vida o ideal do lema “ora et labora”, os monges tentam juntar e harmonizar as três dimensões essenciais do homem em geral: a adoração de Deus, o trabalho de construção da historia humana e a fraternidade universal. Nem sempre, ao longo da história beneditina de quase 1.500 anos, temos sido plenamente fiéis a esse tríplice sentido da nossa vida. Mas esse ideal está sempre chamando o monge. Ele crê na nitidez deste lema nos tempos atuais.
São Bento foi isto: no mundo Caótico e violento ele instalou aquelas ilhas de paz, de oração, de trabalho, de fraternidade que influíram decisivamente para a transformação da sociedade, e na defesa dos valores humanos ameaçados de extinção. Este é o exemplo que Bento nos deixou. Não pretendemos intervir no mundo, mas acreditamos na força secreta e na eficácia misteriosa dos valores de paz e de beleza, que nos inspiram”.

                                                                PARTICIPAÇÃO

Com a fundação do mosteiro de São Bento da Bahia e em outros estados os beneditinos começam a estender sua influência, não só no campo religioso como no econômico e cultural. Dentro dos mosteiros encontramos monges desenvolvendo atividades de grande relevância para as comunidades que o circundam. Os monges não ficam apenas preocupados com a vida contemplativa. Eles têm atividades dentro e fora dos mosteiros que são importantes. Nas artes lembramos de frei Agostinhos da Piedade, da Bahia , que fez muita imagens em terracota, consideração o mais importante ceremista do século XVII, o frei Ricardo do Pilar, um grande pintor; frei Domingos da Conceição e Silva, escultor e frei Agostinho de Jesus responsável pelos trabalhos em cerâmica do extintor mosteiro de Parnaíba, em São Paulo. Estes são alguns poucos dos nomes que sobressaíram através da história dos beneditinos no Brasil. Dezenas de outros nomes poderiam ser aqui citadas. Isto porque a criação é uma constante dentro dos mosteiros onde vivem pesquisando, estudando e trabalhando homens de grande talento.

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