A Tarde - domingo , 27 de agosto de1978
Texto Reynivaldo Brito
Texto Reynivaldo Brito
Há quatro séculos chegaram a Salvador, na Bahia, os primeiros monges beneditinos com o objetivo de fundar um mosteiro desta importante ordem religiosa em terras do Novo Mundo. Foram recebidos com euforia pela população. Meses depois iniciavam a construção de mosteiros, que desde aquela época são uma presença marcante na vida religiosa ,econômica e cultural do Estado. Defensores do lema “Ora e trabalha” os monges beneditinos harmonizaram três dimensões essenciais do homem: a adoração a Deus, o trabalho de construção da história humana e a fraternidade universal. Um lema que tem acompanhado os membros da ordem durante os séculos. Suas idéias e projetos nem sempre receberam ou recebem a aprovação de determinados setores da sociedade brasileira. Mas, a desaprovação nunca esmorece um monge beneditino, que deseja uma participação maior junto à comunidade que serve. Foram eles os responsáveis pela implantação dos Cursos Jurídicos e de Agronomia no país e são ferrenhos defensores das liberdades individuais.
Na foto ao lado a arquitetura majestosa da igreja de São Bento
Desde o ano passado que os mosteiros beneditinos estão em festa comemorando ainda dois importantes acontecimentos ligados à vida da ordem: O Sesquicentenário da criação da Ordem Beneditina Brasileira, que foi separada da Ordem Beneditina de Portugal através da Bula Inter Gravíssimas Curas, do papa Leão XII, datada de 1 de julho de 1827, e a chegada do Brasil dos monges alemães e belgas da congregação de Beuron, que vieram repovoar os mosteiros que estavam enfrentando sérias dificuldades em fins do século passado devido a uma grande crise vocacional. Estas comemorações antecedem uma grande festa que ocorrerá em 1981 quando o mosteiro de São Bento da Bahia completará 400 anos de fundado. As idéias progressistas dos monges beneditinos estão presentes em vários momentos da História do Brasil. Quatro mil escravos foram libertados 17 anos antes da Lei Áurea, ou seja, em 1871 quando houve a libertação geral livrando-se a ordem de uma mancha de muitos anos.
Durante a invasão holandesa os monges foram defensores das terras do Brasil organizando e apoiando focos de combates. Em 1630 os holandeses praticamente destruíram os mosteiros da Bahia e Olinda e os monges se refugiaram em fazendas no interior. Depois de duas décadas voltaram e reconstruíram seus mosteiros, que tantos serviços religiosos e culturais emprestam ao país.
Explica o historiador do Mosteiro de São Bento, d. José Lohr Endres que as igrejas e os mosteiros foram planejados por arquitetos da ordem e na Bahia se destaca o Museu de Arte Sacra, o convento dos Teresios, a igreja da Misericórdia, a Prefeitura e, provavelmente, o antigo palácio do Governo. O próprio mosteiro de São Bento da Bahia é um dos exemplares mais bem conservados da arquitetura beneditina. Embora tenha sido reformulado várias vezes.
Em 1624 os holandeses ocuparam o mosteiro e em 30 de março de 1625 foi transformado em Quartel General do Sul. Aos 2 de abril de 1625 os holandeses, num ataque inesperado, mataram grande parte da guarnição que hoje está sepultada no seu claustro. A destruição ocorre nesta época, deixando de pé alguns muros. A reconstrução durou muito tempo e em 1750 os trabalhos foram paralisados devido à perseguição movida pelo Marquês de Pombal às congregações monásticas. Um século depois o abade d. Arsênio da Natividade retomou a reconstrução do mosteiro.
EXPANSÃO
Partindo da Bahia os beneditinos procuraram expandir suas idéias e entre os anos de 1582 a 1586 (existe dúvida quanto à data exata) fundaram o mosteiro de Olinda. Seguiram-se os mosteiros do Rio de Janeiro em 1593, e o de São Paulo em 1610. Novas fundações ocorreram durante o século XVII, entre os quais o da Paraíba, no Recôncavo Baiano, em Parnaíba e Santos, ambos no estado de São Paulo.
O crescimento do número de monges e mosteiros possibilitou uma presença maior na vida da comunidade quer no campo religioso como no campo econômico por meio de seus engenhos e grandes fazendas. Em Olinda eles cultivaram em grande escala a cana-de-açúcar e no Rio de Janeiro a pecuária que alimentavam muitos habitantes da cidade naquela época. São conhecidos a Grande Fazenda de Campos e o Engenho de São Bento de Iguaçu, que faziam parte do mosteiro do Rio de Janeiro.
Foi no mosteiro de Olinda o berço do primeiro curso jurídico do Brasil, ao lado do curso iniciado em São Paulo. Logo depois a perseguição movida pela maçonaria e pelo Marquês de Pombal resultaram em sérias dificuldades para os monges que já não contavam com a ajuda dos governantes que proibiram o reconhecimento dos cursos realizados por alguns noviços que foram enviados para Europa com o objetivo de evitar o esvaziamento dos mosteiros. Somente em 1890, já na República é que o monge Domingos da Transfiguração Machado reiniciou o repovoamento dos mosteiros.
Contam os historiadores que na época da realização do primeiro congresso dos Abades Beneditinos, em Roma, em 1893 o Papa Leão XIII pediu a congregação Beneditina de Beuron, Alemanha, que se incumbisse da missão de restaurar a ordem no Brasil. Finalmente foi encarregado o mosteiro de Maredsous, na Bélgica, pertencente aos alemães que enviou alguns monges chefiados por d. Gerardo Van Caloen, que desembarcou em Recife no dia 17 de agosto de 1895. Os 16 monges e d. Gerardo foram recebidos pelo único colega existente em Olinda, d. José de Santa Julia Botelho e o abade-geral, d. Domingos da Transfiguração Machado. Foram depois para a Bahia e São Paulo. Porém, no Rio de Janeiro foram repelidos pelo abade d. João das Mercês Ramos, o qual não aceitava os belgas e insuflou os fiéis contra os novos sacerdotes. A população invadia o mosteiro e os monges conseguiram fugir com ajuda de um velho ex-escravo até que foram garantidos pela polícia e o trabalho prosseguiu.
HOJE ESTÁ CRESCENDO
Enfrentando momentos difíceis através dos tempos os beneditinos são atualmente muito procurados por jovens que desejam abraçar a vida religiosa. Segundo declarações recentes do abade-presidente da Congregação Beneditina Brasileira, d. Basilio Penido “nunca nos últimos 50 anos, tivemos tanta procura; hoje, a ordem tem 30 noviços e postulantes. Isso é bom sinal, pois antes, há uns 10 anos os jovens nos procuravam com o aspecto social ou político, mas hoje, a maioria vem por causa da oração. Não que sejam campos antagônicos, e, sim, complementares. São os mesmos jovens que ora se aprofundam nessa ou naquela direção. E, estamos sempre prontos para acolher todos para reza conosco”.
Na foto ao alto os monges beneditinos baianos ouvem a palavra do abade D. Timóteo Amoroso.
No ano passado dois jovens baianos entraram para o noviciado no mosteiro de São Bento da Bahia, são eles: Carlos Francisco Linhares e Moacir de Azevedo Rabelo Leite, ambos com 20 anos de idade. Estavam há dois anos na qualidade de postulantes ao noviciado. Eles participavam dos movimentos de jovens do mosteiro e segundo declararam a vontade abraçarem a vida monástica veio aos poucos.
Embora a ordem tenha uma atuação marcante na Bahia, somente agora está sendo implantado um mosteiro dedicado as monjas beneditinas. Dois terrenos já foram oferecidos por pessoas ligadas ao clero, sendo um localizado nos arredores da cidade e outro no município de São Francisco do Conde, que dista cerca de 60 quilômetros de Salvador. Oficialmente o mosteiro já foi criado e as monjas que vieram sob a orientação da prioresa Joana Calmon Vilas Boas estão alojadas provisoriamente nas dependências do mosteiro das irmãs Carmelitas, no bairro de Brotas. Elas já foram abençoadas pelo cardeal e Primaz do Brasil d. Avelar Brandão Vilela, durante uma cerimônia realizada na capela do referido mosteiro.
Conta à prioresa Joana Villas Boas que somente em 1910 é que surgiu o primeiro mosteiro para moças interessadas em ingressar na vida religiosa beneditina. A primeira monja foi Gertrudes da Silva Prado que por não existir templos femininos no Brasil, teve que se deslocar de São Paulo para Stambrook, na localidade de Calow End, na Inglaterra, onde fez o noviciado. Mais tarde, ao lado outras moças fundou o mosteiro de Santa Maria, em São Paulo vindo a ser a primeira abadessa da ordem no Brasil. Este mosteiro possibilitou a fundação de outros a saber: em Buenos Aires, Montevidéu, Juiz de Fora e Belo Horizonte. Neste último residem 45 monjas, cinco das quais vieram fundar o mosteiro na Bahia. Além desses ainda existem mosteiros em Olinda e Caxambu.
Explica a monja que pretende além da vida de orações, incrementar os trabalhos de promoção humana e receberão hóspedes que queiram participar das orações.
PARTICIPAÇÃO
As atividades dos beneditinos vêm sendo ampliada. Na Bahia eles possuem o Ginásio São Bento, a Tipografia e Editora Beneditina, o Coral da Juventude, um Serviço Social com dois campos de ação – um em função dos funcionários da ordem quebrando o relacionamento tradicional entre o padrão e o empregado, e outro, destinado aos pobres que procuram os monges. Além de manterem contatos permanentes em vários setores da sociedade com empresários, jovens e operários. Um trabalho abrangente de um grupo de homens dedicados a servir aos semelhantes.
A ordem criada em 543 por São Bento, um estudante de Direito, nascido em Múscia, na Itália conta atualmente na Bahia com 11 monges e seis irmãos. O abade é d. Timóteo Amoroso Anastácio é o prior d. Noberto Santana responsável pela direção do Ginásio São Bento e pela administração do mosteiro.
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