Objetivo


sexta-feira, 29 de janeiro de 2021

PELOURINHO , UM MUNDO DESCONHECIDO - CONCLUSÃO

Esta rua parece não existir ,mas existe.É o Beco
do Mijo.Há muitos anos que nenhuma providência
sanitária e outros serviços são executados. O
calçamento irregular e esburacado reflete as
condições de vida nos cortiços.

 JORNAL A TARDE - SALVADOR - BAHIA -  30 DE AGÔSTO DE 1971
    Texto de Reynivaldo Brito e Francisco Viana.               Fotos de Magno Cardoso
   A Fundação do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia já delimitou toda a área que deixará de ser recuperada no Pelourinho. Vai da Igreja de São Domingos ao Convento do Carmo, que se situa como marco divisor da realidade social e econômica da área. A parte Norte é essencialmente residencial,ocupada por famílias de classe média ,enquanto que  ao Sul ,onde se situa o Maciel predominam moradias coletivas de grupos populacionais cujo comportamento é socialmente patológico, e aí se localiza a prostituição. O Plano Geral de Recuperação o Pelourinho virá transformar esta área numa parte funcional da Cidade do Salvador.
A zona conhecida por Maciel é formada por duas ruas principais que fazem ligação entre as praças do Terreiro de Jesus e José Anchieta com o Largo do Pelourinho.São a João de Deus e a Gregório de Mattos,respectivamente Maciel de Cima e Maciel de Baixo.
A denominação de Maciel estende-se ainda  por mais seis ruas: Francisco Moniz Barreto ( Laranjeiras) Ignácio Aciolly , ( Beco do Mijo e Bôca do Lixo), Santa Izabel ,J. Castro Rabelo, Leovilgildo de Carvalho ( Beco do Mota) , Frei Vicente ( Açouguinho) , que ocupam toda a área construda situada entre o Terreiro de Jesus e o Largo do Pelourinho ,excetuando a rua Alfredo Brito ( Portas do Carmo).

Os moradores daquela área têm medo da polícia de costumes que atua drasticamente , desalojando e expulsando as prostitutas com emprego de métodos violentos sem entretanto, tentar modificar as condições sociais e econômicas dessas áreas que continuam a exercer forte atração sobre grupos marginais. A polícia vem evacuando as prostitutas  compelindo a localizar-se em limites claramente definidos.Esta política ,segundo declarou o sociólogo Gey Espinheira , que atualmente é quem mais conhece o problema da área e atitudes da polícia não melhoram e não resolvem o problema . Ao contrário concorrem para maior segregação dessas comunidades marginalizadas.

Mas´, a polícia de costumes está longe de entender o problema e continua agindo ,fechando mais o cerco. Há pouco tempo evacuaram a Rua Alfredo Brito , paralela à Rua João de Deus ocupadas por um significativo comércio e em seguida dirigiu-se para à Rua João de Deus por ser esta uma via importante, fazendo a ligação entre o Terreiro de Jeus e  o Largo do Pelourinho. A chamada "Operação Limpeza"anunciada pelos órgãos de Imprensa agora se vem fazendo dentro do Maciel na zona em que a violência atinge não somente as prostitutas  como também a todos que moram dentro de seus limites criando uma ambiência de medo e insegurança.

Existem ali 223 imóveis dos quais 132  são casas-de-cômodos  e 27 são unidades residenciais de grupos familiares, enquanto os demais se distribuem em prédios comerciais, em ruínas , em consertos ou fechados . A exploração econômica ( na qual nos referimos na primeira parte deste trabalho ) dos prédios do Maciel caracterizam-se de numerosos intermediários na relação proprietário-morador, formando uma hierarquia de funções , condicionada pela forma de exploração e tipo de ocupação a que se destinam os imóveis que são repartidos e têm diversos locatários.O quarto é a moradia mais comum nesta área , e cada prédio dispõe de grande número de quartos abrigando muitas pessoas que não mantêm entre si laços mais fortes que o de simples vizinhança.

Acredita o sociólogo Gey Espinheira que os proprietários movidos pela força centrífuga resultante da desvalorização social e econômica alugaram seus imóveis por preços baixos cedendo aos locatários o direito para a utilização econômica desses imóveis que passaram a abrigar a prostituição por ser, neste local , a ocupação economicamente mais rendosa e que melhor pode pagar por uma habitação. Os locatários alugam os quartos diretamente aos moradores ou cedem a outros os direitos sobre todo imóvel  ou parte dele ganhando uma boa margem de lucro.

                                                                   A DISCRIMINAÇÃO

O jogo a dinheiro está intimamente assoaciado à desocupação.
Existe um antagonismo entre o grupo prostitucional e os demais grupos ocupacionais. Os grupos familiares residentes na área revestem-se de atitudes discriminatórias quanto aos demais, observando-se comportamentos pouco flexíveis e sentimentos de coesão familiar exacerbados. Estas atitudes são refletidas através os mecanismos de defesa contra a desagregação social que se evidencia fora das paredes dos prédios que se distinguem dos demais pelas inscrições " Família" ou "Favor não entrar: Família", escrito em lugares visíveis da fachada principal, evitando deste modo serem confundidos com as casas de prostitutas.Estes grupos moram ali pela falta de condições econômicas e vivem isolados da comunidade, usando as ruas apenas como circulação obrigatória para atividades ocupacionais , que são exercidas fora dali.

Este conflito concorre para agravar o processo de desagregação social que deesaparecerá ou melhorará com a recuperação. O conflito estará presente quando predominaram as atividades paralelas surgidas com o meretrício proletárizado do Maciel. Estas duplicidade de valores impõe até o momento o estado de insegurança e conflitos constantes, resultantes da luta pela sobrevivência nesta zona altamente deteriorada. A prostituição encontra aí uma série de condições favoráveis sendo que a principal para exercê-la dentro desses limites. Mas, as prostitutas terão a opção de vida e muitas serão reintegradas, porque vontade não lhes falta.

                                                      MACIEL VAI MUDAR

Tânia, uma prostituta do Maciel conversa com o sociólogo: - Vida mais miserável que a da gente não há. A sociedade nos condena e não nos dá chances de uma vida honesta. Parece até que somos vítimas de uma terrível maldição.Veja você que como se não bastasse o nosso desgaste físico temos também o desgaste de saber que os nossos filhos seguirão o mesmo caminho. E não têm condições de uma vida melhor.

O sociólogo não admite nada  do que  Tânia diz : - Você está enganada. O Maciel vai mudar. Até o início do próximo ano a Fundação do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia iniciará um projeto de recuperação da sua comunidade. E quem mais receberá benefícios serão os filhos dos moradores da área. Haverá um Centro de Extensão Primária , cuja principal finalidade é integrar as crianças do Maciel à sociedade. As aulas obedecerão aos métdos didáticos mais modernos. Projeções conematográficas, salão de leitura e aulas de caráter didático. além de orientação psicológca não faltarão aos estudantes.Tudo para impedir que os filhos dos moradores cresçam marginalizados.

                                            EDUCAÇÃO, META PRIORITÁRIA 

A prostituta acrescenta: - Não acredito em nada disto. Até agora só vi gente transmitir de geração a geração o seu ofício de prostituta. Nada mais. Já experimentou conversar com o pessoal ?

- Até certo ponto você tem razão. Até hoje, o tempo pareceu não existir para o Maciel. As condições locais favorecem a prostituição e a economia é baseada na produtividade das prostitutas . Resultado: possuindo renda per capita baixa as famílias e prostitutas que aqui residem não tem condições para comprar jornais, revistas e livros.

 Para ter-se uma ideia do estágio em que se encontra a educação no Maciel, basta dizer que só existem quatro colégios, um ginásio e três escolas mantidas , respectivamente, pelo Centro Automobilístico da Bahia, o Instituto Cardecista e o Professor Anibal. Há uma média de 1000 estudantes em fase de alfabetização, mas a grande maioria não reside no Maciel. O problema maior é a falta de orientação pedagógica para não incompatibilizar  os garotos que vivem no Maciel com as suas famílias. Quando a C.E.P. começar a funcionar vai ser diferente. Professores que nele sem nenhuma orientação terão que se atualizarem para continuar ensinando. A própria Fundação do Patrimônio Histórico e Cultural da Bahia dará um curso neste sentido. E os filhos de prostitutas - que são considerados como crianças iguais  a qualquer outra - serão orientadas e integradas para não serem filhos marginais.

                                                           PROSTITUAS FICAM

Entre caixotes, lixo e prostitutas , criancinhas
inocentes brincam alheias a tudo que as
cercam nos cortiços de aspecto medieval.
Mas, Tânia já tem a sua resposta pronta. - Qual nada , no final vocês vão transformar o Maciel em zona residencial elegante e jogam a gente para fora daqui.Trazem até polícia.

O sociólogo então começa a explicar o projeto de recuperação do Pelourinho. - Quem lhe disse tamanha asneira ? Vocês vão ficar aqui , mas só com nova perspectiva : poderão optar por uma vida melhor.Quem não quiser deixar de ser prostituta a Fundação do Patrimônio não botará para fora do Maciel  nem fará objeção de forma alguma. Para as que decidirem  mudar de vida não faltarão chances. Inicialmente a SETRABES organizará um curso de artesanato. A prostituta nas horas vagas aprenderá a trabalhar com couro, papel e tecidos. Terá condições de faturar muito mais alto que fazendo vida. 

 Tânia , a prostituta , argumenta: -Como vocês vão dar aula se o pessoal daqui é agressivo, e não gosta de conversa mole?

 O sociólogo explica: -Vocês vão gostar tanto das aulas que ao concluirem o curso pedirão um pouco mais ou serão até professoras de outras prostitutas. Pense só: chega um sujeito muito comunicativo e começa a dizer-lhe como  é que se faz um tapete. De repente manda parar e passa um filme sobre o homem na Lua.Não é genial ? Parece até sonho de criança. Não acha? 

O sociólogo continua : -Se no Maciel há concentração de marginais e tóxicos é porque a prostituição acoberta esta gente. Quando criarmos condições para o surgimento de uma economia própria, o Maciel será tão respeitado como qualquer outro bairro da Cidade.É possível até que surjam instituições de bairro e daqui há algum tempo você, Tânia , estará indo para a Prefeitura reivindicar verbas para os festejos de Sábado de Aleluia. O Maciel vai ser um "barato". Terá até Posto Médico de Urgência. Medo da polícia vocês não precisarão ter. É o progresso Tânia ! A mão-de-obra terá ocupação digna. Os comerciantes que vivem exclusivamente da prostituição não precisam ficar preocupados. Não faltará gente para consumir suas mercadorias . E será necessário diversificar os gêneros. -Você - pergunta o sociólogo - já ouvi falar do Pátio dos Milagres, descrito por Victor Hugo? Depois eu lhe conto, tá ?

                                                     DEZ RATOS POR HABITANTE

- E a ratoeira? Como vão fazer vocês para melhorar a vida da gente? Sabe, aqui tem uma média de 10 ratos por habitante. Um absurdo ! Mas é a pura verdade. Outro dia ouvi dizer que a urina do rato dá uma "doença braba " a Lepstopirose. Vá ver que aqui é foco.

O sociólogo não desanima: -Antes de começar a recuperação da área do Maciel executaremos um trabalho preliminar . Constará de duas partes: primeiro, a dedetização da área. É para acabar com as pulgas, percevejos, moscas e outros insetos que aqui existem em abundância por causa do lixo, lama e falta de higiene das prostitutas. A seguir iniciaremos a fase de desratização. Como se fez recentemente na Guanabara, os ratos sendo caçados e mortos. 

 A Fundação do Patrimônio em conjunto com a SETRABES e a Prefeitura tomará providência para que a praga dos ratos suma daqui.Com isso, o pessoal viverá melhor e terá mais  ânimo para o trabalho. Este processo de envelhecimento  rápido que se tornou rotina no Maciel vai acabar. Mulheres de 35 anos daqui a algum tempo não parecerão tão velhas. E vai acabar esta história que crianças do Maciel já nascem adultos e que os adultos nunca foram crianças. A prostituição de menores vai acabar.

 Tânia deixa de atacar e faz um pedido: -Conta a história do tal Victor Hugo e o Pátio dos Milagres . Tô curiosa.

-Tenha calma. Certo - Falta ainda dizer muita coisa.

                                                       INTEGRAÇÃO DE SERVIÇOS 

Então, Tânia volta à carga - O serviço de vocês não demora a falhar.Tudo que se faz na Bahia é assim.

O sociólgo agora é quem ataca: - Tânia, você está se fazendo de desentendida. Sei que tem certa instrução, por cursar até o terceiro ano de Colégio. Esqueça as amarguras e ouça: o posto médico, as unidades de artesanato, a escola, tudo vai funcionar em perfeito regime de integração.As aulas do Centro de Extensão Primária orientará as meninas para o trabalho artesanal. Até no Centro Médico haverá instruções para indicar às prostitutas as vantagens do aprendizado nas unidades de artesanato e em mandar os filhos à escola, bem como orientarão de caráter médico para preservar a saúde.O plano vem sendo discutido e organizado há quatro anos. Não fazemos nada na base do empirismo. Já procedemos  levantamentos sócio-econômicos e a Fundação do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia  tem catalogada a vida de todos os habitantes do Pelourinho.

UM NOVO PÁTIO DOS MILAGRES

Tânia continua inconformada: - Quando o Patrimônio acabar com os botecos e os bares  e desalojar os moradores  do Largo do Pelourinho, ninguém virá ao Maciel. É o fim! E os turistas esquecerão o Pelourinho.

O sociólogo é obrigado a repetir tudo: -Perdão. Eu esqueci de explicar que no Largo do Pelourinho terá de tudo: hotel de gabarito internacional e restaurantes - um especializado em comidas típicas e outro de linha internacional - escola de hotelaria. Até a Academia do Mestre Pastinha tem promessa de voltar . Isto sem falar na sede da SUTURSA, Instituto Mauá, boutiques e boates que se instalarão aqui..

Será um novo "Pátio dos Milagres" . Não o que Victor Hugo descreve, falando da miséria e promiscuidade. Mas, sim um pátio, onde haverá coisas modernas, permitindo a implantação de infra-estrutura para recuperação do Maciel . Daí a denominação de "Grande Pelourinho".  E o "Grande Pelourinho" atrairá muito mais turistas que o  de hoje. Pois não mais existirá o perigo de se ser atacado por um marginal qualquer, e perder a carteira ou a vida. Quem vai ganhar com isto são as prostitutas. Esse negócio de vida sem perspectivas de vida para o povo do Maciel é como dizem os jovens : "Já era". A inauguração dessa primeira etapa - a do "Grande Pelourinho"  - está prevista para 11 de dezembro.

                                                   AÇÃO DA SETRABES

A SETRABES  concentrará sua ação  no Pelourinho em duas frentes : a ministração de cursos profissionais de artesanato; instalação de boxes destinados a permitir ao artesão  a vendagem dos seus trabalhos , sem a interferência do intermediário.Informou o Secretário Bernardo Spector que a Secretaria dará prioridade aos artesãos que tenham condições de vender os seus trabalhos a bons preços, observando principalmente a boa qualidade dos artigos. O artesão poderá instalar a sua oficina de trabalho no prédio do Instituto Mauá- Pelourinho n º 1 - transformando-se em atração turística.

- A recuperação do Pelourinho é um plano arrojado - disse o Secretário do Trabalho e Bem Estar Social. Ali , está o maior polo turístico do Estado e com os melhoramentos que serão introduzidos aumentará consideravelmente o fluxo de visitantes à Bahia. Além disso, a iniciativa permitirá a Salvador limpar uma das suas mais antigas manchas, dando possibilidades a dezenas de famílias de terem um futuro melhor. Como o Pelourinho será uma espécie de "Pátio dos Milagres" do turismo baiano, a SETRABES colocará na porta da sede do Instituto Mauá baianas vendendo acarajé e promoverá exposições de artesanato com intervalos regulares, principalmente no mês de dezembro, quando cresce o número de turistas em Salvador.








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