Texto de Reynivaldo Brito
Imprevisíveis e criativos, quatro baianos iniciaram há dez anos , em Salvador, um movimento musical que tinha como objetivo reunir alguns jovens de talento para formar um grupo. Começaram a procurar os instrumentistas, que aos poucos foram chegando e formando o que hoje conhecemos por Novos Baianos. Inicialmente Morais Moreira, Paulinho Boca de Cantor, Baby Consuelo e poeta Galvão. Estávamos no ano de 1968 e dois anos depois já lançavam o seu primeiro Lp pela RGE . Vieram vários percalços e muitos não acreditavam que o grupo durasse muito, especialmente pela maneira descontraída que eles viviam e deixavam transparecer ao público uma certa
irresponsabilidade . Na foto Baby apagando a vela no aniversário de integrante do grupo.
Mas, nada disto acontecia. O que o grupo procurava era não deixar a peteca cair, e assim ela já está segura há 10 anos. Hoje já podem se orgulhar de terem produzido oito Lps e quatro compactos, sendo que alguns já estão esgotados, a exemplo de Acabou Chorare, que é uma raridade musical para os colecionadores. Esta música Acabou Chorare , vale a pena lembrar a sua origem. João Gilberto estava visitando os Novos Baianos acompanhado de sua filhinha Bebel Gilberto, hoje, uma cantora de prestígio em vários países, quando ela levou um tombo e ficou chorando. Todos ficaram preocupados consolando-a quando ela falou. “Pai, acabou chorare”. Nesta época João Gilberto estava morando no México e Bebel, que estava aprendendo a falar, misturou o Português com o Espanhol.
A inquietação dos Novos Baianos pode também ser verificada na mudança constante de gravadora. Agora assinam contrato com a CBS e nada menos que três Lps são lançados: “Farol da Barra”, do Grupo , “Geração Som”, de Pepeu e o de Baby Consuelo, além de um compacto com músicas para o carnaval baiano de 1979 e shows que realizaram em várias cidades.
Esta produção rica em quantidade e qualidade é necessária ser citada para demonstrar que os Novos Baianos é um grupo musical que tem certa linha de conduta profissional que lhes garante a sobrevivência.Vencendo inúmeros problemas que vão surgindo. Na verdade são poucos os que continuam unidos após uma longa vida conjunta. No entanto, foi justamente de um desafio jogado no ar – fábrica aberta de novos baianos, onde qualquer cara bom seria aceito – que deu origem a um dos grupos de maior força dentro da música popular brasileira, surgido no período pós-tropicalista, em Salvador, Bahia : Novos Baianos.
O INÍCIO
Conta o poeta Galvão, que é compositor e mentor do grupo que a estréia dos Novos Baianos aconteceu com o show “Desembarque dos Bichos depois do Dilúvio Universal”no Teatro Vila Velha, em Salvador, apoiados pelo grupo Leif’s. Para gravação do primeiro disco , Pepeu, Jorginho, Dadi e Gato Félix se uniram ao grupo passando a integrá-lo permanentemente. Anos mais tarde, começaram a acontecer as primeiras modificações: em 1974 , um novo elemento integra o grupo que é o Charles; em 1975 sai Morais Moreira e no ano seguinte aparece Dadi, e os ingressos posteriores de Baixinho, Bola e Didi vieram novamente fortalece-lo. Daí em diante a família ficou unida e permanece unidade enquanto faz música.
O disco que acabam de lançar “Farol da Barra”, além de ser título do LP, é também a faixa que abre o disco, mostrando a belíssima composição de Galvão e Caetano Veloso na voz de baby Consuelo.
Explica Galvão que o LP “Farol da Barra”surge exatamente no momento da desraização da música popular brasileira . No momento em que muitos de nossos teatros são transformados em discotecas, este trabalho é uma conscientização da música, de cantar, saber e fazer arte”.
Paralelamente ao lançamento do elepê eles estão fazendo um filme com seis estorinhas com roteiro e direção de Galvão. As estorinhas estão ligadas a fatos ocorridos com os integrantes dos Novos Baianos e todos aparecem em cada uma delas. Vejamos:
A primeira “Charlie Negrito e os Homens”, pantomima, onde se confundem o cinema e o teatro que também servirá para abertura dos shows dos Novos Baianos. Vem a seguir Älma de Palhaço com Bola do Caixão e a Multidão”, terror brasileiro. Depois “ Gato ,Oi Cat”, paranóia brasileira com o Gato Félix.; “Gasolina Versus Rolimã”, com Didi, Baixinho e Jorginho a sessenta quilômetros por hora na serra de Guaratiba; “Aventuras e Sonhos de Paulito Monroe Macarrão 18”, com Paulinho Boca de Cantor; “Serpentina Não é Cobra,Adão”, com Pepeu e Baby, sobre o Gênesis. A mais engraçada de todas, segundo os Novos Baianos será a estória “O esquerdinha, o direitinha, o alienado e o sem lógica”, que será estrelada por Macalé, Evandro, Zé Paulo e o Galvão, respectivamente nos referidos papéis. Eles representam quatro mendigos que moram na porta de um cinema. Diz Galvão que “eles são, a realidade e a fantasia. Uma mistura do real com o ficcional. Para nós não existe limite entre o real e o sonho. Eles se confundem nas boas músicas, nossas ações e em tudo aquilo que fazemos.”
BRASILEIRO É IGUAL
Falando ainda das dificuldades que encontraram e ainda encontram porque muitos não compreendem toda a extensão do viver e fazer dos Novos Baianos, Galvão diz que “o brasileiro é um jogador e tem muito de Novos Baianos. Aquele cara que um dia está rico e no outro está pobre. A boemia mudou, mas a música continua boêmia. A música troca o dia pela noite e nós trocamos também a noite pelo dia”.
Mas falando sobre a vida em comum de várias pessoas que compõem os Novos Baianos informa Paulinho Boca de Cantor, que a coisa surgiu também de uma necessidade. Isto porque quando íamos ensaiar um show era difícil reunir o pessoal. O percussionista morava em Amaralina, o do instrumento de sopro em Itapagipe,etc. Era difícil reuni-los. Daí passamos a morar juntos e o resultado é que formamos uma comunidade onde vivem várias pessoas inclusive nove crianças , sendo que Baby tem quatro e eu três. Somos os que mais produzimos. Aqui não existe esta conversa de famílias fechadas,constituídas. Existe, é claro, o respeito. Mas meus filhos gostam de mim como de qualquer membro do grupo, embora não sejam nem seus parentes. Os garotos recebem muito afeto de todos, porque somos um grupo unido pelo amor. A presença de muitos garotos fazem deles ( todos) felizes porque têm sempre com quem brincar. Porém todos nós damos orientação a eles que acatam as reclamações. São treinados para aceitar o que pode ou não ser feito, mas evidente com muito mais liberdade que as crianças que vivem encurraladas, nos apartamentos habitados pela classe média brasileira.
O FILME
Mas os Novos Baianos estão curtindo mesmo é o filme “Cinema Olímpia”que segundo Galvão tem e não tem a ver com Caetano Veloso. Considero o Caetano um Castro Alves mais bonito porque responde a este momento presente que vivemos. É verdade que Castro Alves é importante e foi presença no momento que viveu. Mas Caetano mudou a cultura brasileira no que existe de mais popular que é a música. Daí, Cinema Olímpia , que foi uma música sua, seja cada vez mais lembrada porque assim estamos prestigiando um e talvez o mais importante compositor de todos os tempos”.
Galvão , com seus 41 anos de idade, ex-engenheiro agrônomo, ex-suplente de vereador com 137 votos em sua terra natal, Juazeiro, é quem assina a maioria das músicas dos Novos Baianos.É o ideólogo, o mentor e faz questão de falar através de frases soltas e cheias de significados secundários. Fala manso e devagar para que você entenda cada uma das palavras pronunciadas. O crítico Tarik de Souza diz que Galvão é a ideologia básica do conjunto, apesar de não participar musicalmente. Seu traço básico é a justaposição de idéias fragmentadas em flashes rápidos e irônicos, costurados pela pontuação rítmica das canções e uma indelével influência gráfica do concretismo. Sem dúvida, isso concorreu para despertar a admiração do ensaísta Augusto de Campos, que os apresentou desta forma no primeiro disco: “Moraes e Paulinho afiaram as vozes num duelo de gumes sonoros que não é mole. Cantam livre, muito livre, mas cantam solto, com graça e com raça as letras cheias de armadilhas que Galvão preparou”.
Os Novos Baianos continuarão dando à música popular brasileira outros frutos através de seus discos e mesmo de pessoas que já os integraram e que hoje produzem independentemente. Outros virão e certamente outros ainda deixarão o grupo, que continuará firme como diz a letra de “Ferro na Boneca”com seus versos visionários : “Não é uma estrada/ é uma viagem/ tão viva quanto a morte/ e mais “No céu azul/ azul fumaça/ uma nova raça / saindo dos prédios para as praças/ uma nova raça? ( Colégio de Aplicação).
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