Revista Fatos e Fotos/Gente 20 de março de 1978
Fotos Lázaro Torres
Aos 84 anos, a mais famosa mãe-de-santo afirma: “Quem nasce na Bahia, não há água, sol ou vento que tire a magia”
“SE EU SOUBESSE TUDO NÃO SERIA MÃE MENININHA, EU SERIA DEUS”Menininha do Gantois, a mais famosa mãe-de-santo que a Bahia já deu, acaba de completar 84 anos. Apesar da idade avançada, ela continua a acompanhar de perto tudo o que acontece no seu terreiro. Todos os que convivem com Mãe Menininha a adoram e para eles sua palavra é sinônimo de ordem. Ninguém ousa falar em sucessão. Para ela a mística do candomblé deve ser preservada com seus segredos que pertencem apenas aos iniciados na seita. Venerando Oxalá acima de tudo e depois os outros Orixás, ela se orgulha de só fazer o bem.
Com 84 anos de idade, a mais importante ialorixá do candomblé, Maria Escolástica da Conceição Nazaré, mais conhecida por mãe Menininha ou Menininha do Gantois, reina do Alto do Gantois, em Salvador. Continua lúcida, governando sua roça e em séquito de quase duzentas pessoas entre filhas, netas, parentes e descendentes hierárquicos. Seu terreiro é o mais famoso de todos os existentes na Bahia.
Desde 1900 um rosário de intelectuais participa, de uma forma ou de outra, das festas e da própria vida do terreiro Axé Iyá Nassé. Entre eles Artur Ramos, Edson Carneiro, Donald Pearson, Herskovitz, Roger Bastide, Jorge Amado, Dorival Caymmi, Caribé, Pierre Verger e muitos outros.
“Bahia não é a África, mas é um pedaço de lá”
Menininha do Gantois é mãe-de-santo consciente de sua grande responsabilidade, acompanhando, de perto, os afazeres domésticos e as “obrigações” de suas filhas-de-santo, de seus ogans e yaôs. Reina, material e espiritualmente, com toda a humildade de uma sacerdotisa, dizendo sempre: “Não sou isto que o povo pensa. Nasci normalmente de um homem e uma mulher.
Porém, quem nasce na Bahia não tem água, sol ou vento que roube a magia. Bahia não é a África, mas é um pedaço de lá. Quero continuar fazendo o bem a todos aqueles que precisam, dentro das minhas limitações. Entendo um pouco da seita e assim procuro ajudar aos outros.”
Devido a sua notoriedade Mãe Menininha paga um preço muito alto. Centenas de turistas sobem mensalmente a ladeira do Alto do Gantois na esperança de receber uma bênção da ialorixá. Mas,com sua idade avançada, suas filhas-de-santo e parentes não permitem o assédio. Esta proteção é necessária porque muitos vão ao terreiro apenas à procura de um divertimento, como uma lembrança de sua viagem à Bahia.
Exatamente por essa razão é que fica cada vez mais difícil conversar com ela.
Uma vez vencidos os obstáculos, ela irradia felicidade. Sentada numa grande cadeira e vestida numa imensa saia, Menininha fala do seu dia-a-dia: “Levanto-me sempre cedo e gosto muito de assistir a programas de televisão.
Acompanho algumas novelas, mas não estou gostando de nenhuma das que estão sendo apresentadas. Todas estão ruins.”
“Tenho isto aqui como uma obrigação de herança. Tudo começou em 18 de fevereiro de 1922, quando fui sagrada mãe-de-santo. Portanto há 56 anos tomo conta dos “santos”. Estou nesta idade e só pratiquei o bem, aqui no Terreiro do Gantois.
Zelando pelos baianos e pela nossa casa. Já trabalhei demais, mas ainda estou forte para levar tudo adiante.” Assim fala Menininha, que nasceu a 10 de fevereiro de 1894, no Largo do Terreiro de Jesus.
Axé Iyá Nassé, mais conhecido como Gantois, foi fundado por Maria Julia da Conceição Nazaré, bisavó de Menininha. Com a morte de sua fundadora, ascendeu à chefia da casa tia segunda, Pulquéria da Conceição Nazaré, que era Iya Kererê (mãe pequena) da casa.
No dia 18 de fevereiro de 1922, chegou a mando da casa Menininha do Gantois. Ela foi iniciada no culto por sua tia Pulquéria e o orixá dono de sua cabeça é Oxum, deusa da beleza, das joias e do rio Oxum, que fica na Nigéria. Ela recebeu o axê (poder de mãe-de-santo) diretamente das mãos de Oxóssi, deus da cabeça, e de Xangô, deus do trovão e do fogo, o terceiro rei lendário de Oyó, capital dos povos Yorubás ou Nagôs.
A homenagem da música popular brasileira
Sua influência é tamanha, que Menininha se transformou em fonte de inspiração da música popular brasileira, especialmente depois da composição de Dorival Caymmi a “Oração a Mãe Menininha”. Também fizeram canções para ela Vinícius de Moraes, Toquinho, e Caetano Velloso. Ao lado disto, muitos cantores e compositores são ligados ao terreiro do Gantois, e de quando em vez, são chamados a fazer obrigações. Entre eles estão Gal Costa e Maria Bethânia.
Internacionalmente famosa pelo muito que tem feito pela preservação do culto africano, a ela cabe à tarefa de guardiã do imenso tesouro de sabedoria e mistérios dos deuses transmitidos por seus ancestrais. Ela tem consciência disso e afirma: “Sempre fiz o bem dentro do culto, procurando a melhor forma de cumprir as obrigações. O que realmente gosto é quando faço um ato bom e recebo em resposta Deus lhe pague. Isto porque Ele rege tudo e nada sem Ele dá certo.”
Depois de falar do culto e de suas influências, Mãe Menininha conta como é sua vida dentro de casa. “O que eu não gosto, moço, é de casa de vizinho. Moro aqui há muitos anos, mas nunca frequentei casa de ninguém. Sei que eles me conhecem, e, ás vezes, quando apareço na janela, eles dizem aquela é a Mãe Menininha do candomblé. Mas é só. Não gosto de saber da vida dos outros. Fico em minha roça fazendo minhas obrigações, cuidando desta moçada. O senhor já pensou na minha responsabilidade? Tenho aqui muitas senhoras casadas, noivas e solteiras. Tenho que dar conta de tudo aos maridos, noivos e pais. Hoje em dia a coisa está muito mudada, e por isso é preciso maior cuidado. O que vale, é que todas são honestas e compreendem tudo direitinho. Mas estou sempre ativa, tomando conta de tudo e querendo saber o que se passa na roça.”
Depois ela desabafa: “A coisa está tão seria que quase não posso mais ir à janela, ou mesmo ao salão (do terreiro), porque é muita gente querendo saber coisas que não posso responder. Querendo saber se o pai vai perder o emprego, se o noivo vai largar e coisas deste tipo. É preciso entender que não posso saber de tudo, porque se soubesse não seria Mãe Menininha e sim Deus. Longe de mim ser Deus, que é o pai de nós todos”.
Mãe Menininha completa o seu raciocínio afirmando que é descendente de africano e que “africano, moço, é mais desconfiado do que índio. Eles quando são amigos, são de verdade. Mas sempre ficam desconfiando. Os senhores não estão aí tirando fotos minhas. Ah! Se fosse de africano ele era capaz de fazer uma careta e os senhores perdiam tempo. Por falar em fotografias, vocês estão tirando muitas. Será que não poderiam arranjar umas para mim”?
Prometemos levar algumas fotos para Mãe Menininha e cumprimos a promessa. Quando recebeu as fotografias gostou e fez comentários sobre a beleza de sua neta Neli e da seriedade de sua filha e Mãe Pequena, d. Cleuza.
“Não existem dois ou mais deuses. Ele é um só”
Revelando ainda um pouco de sua intimidade, Mãe Menininha comentou: “Quando bem tratada, sou muito doce, muito bondosa. Mas não gosto que me desagradem. Gosto muito de respeito, e, por felicidade, as pessoas sempre me respeitam. Talvez porque também tenho muito respeito pelas pessoas e aceito as coisas de cada uma.”
Para Mãe Menininha não existem dois ou mais deuses: “Ele é um só, e o mesmo para todo mundo. Pra mim Oxalá é o maior, e depois vêm os meus santos. A diferença está apenas nos nomes.” Ela não fala na mística, e guarda os segredos do candomblé com muita fé e respeito, e ninguém, ligado ou não ao culto, tem a ousadia de falar em sucessão. Sim, porque a sacerdotisa do candomblé é única a sua palavra uma ordem. Todos à sua volta a adoram. A idade não importa. O que importa é que é a mãe-de-santo, dono de todas as verdades. Ela é adorada e amada e como diz Dorival Caymmi na sua “Oração a Mãe Menininha”, “a estrela mais linda, o sol mais brilhante, o consolo da gente; tá no Gantois...”
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