Jornal A Tarde,quarta-feira , 30 de março de 1995.
Um dos mais famosos capoeiristas da Bahia, Vicente Ferreira Pastinha, mais conhecido em todo o País por Mestre Pastinha, vai ter sua vida relatada pela primeira vez num documentário para a TV, de 52 minutos, que já está sendo filmado em Salvador pelo diretor carioca Antônio Carlos Muricy. O documentário tem como linha central uma série de entrevistas com o escritor Jorge Amado, o fotógrafo Pierre Verger, o pintor Carybé e os jornalistas Reynivaldo Brito e Ildásio Tavares - todos eles grandes conhecedores e amigos do capoeirista baiano - , além de análises do antropólogo carioca Carlos Eugênio Soares, principal pesquisador de capoeira do País.
Segundo o diretor Antônio Carlos Muricy, o documentário vai mostrar "muito da filosofia preconizada por Pastinha, que era um defensor inveterado da capoeira de angola e abominava o gênero regionalista". Imagens, fotos e depoimentos do capoeirista também entram no filme, informa o diretor, que resgatou alguns tapes que os cineastas Maurice Capoville e Mário Carneiro já tinham feito de Pastinha, em Salvador, poucos anos antes de sua morte, em 1981.
"Pastinha costumava dizer que só quem não dá valor à capoeira são as pessoas que, de fato, não a conhecem. A intenção do filme é exatamente fazê-la mais conhecida e, neste caso, mostrar o que ela teve de melhor", comenta.
"BRINCAM COM A DOR"
Filho de um espanhol imigrante e uma negra baiana, Vicente Ferreira Pastinha nasceu em Salvador em 1889 e, antes de se tornar um dois capoeiristas mais famosos da Bahia, exerceu várias profissões comuns, como pedreiro, pintor de paredes e alfaiate. No entanto, foi como defensor da capoeira angolana que ele ganhou notoriedade, visto que combatia a capoeira regionalista, defendida por outro grande nome do ramo, o Mestre Bimba. A principal diferença entre as duas categorias é que, no caso da angolana, os capoeiristas praticam o esporte não como luta, mas essencialmente como uma mistura de dança e exibição física. Os regionalistas , ao contrário,defendem a capoeira estritamente como luta corporal.
"Os angolanos brincam com a dor, ironizam a dor durante o jogo de capoeira. Os regionalistas tornam-se escravos da dor", filosofia o diretor Antonio Carlos Muricy, adepto da capoeira angolana, que ele a defione como " verdadeira raiz da capoeira". "Pastinha foi um defensor dessa tradição e sua luta não foi em vão, porque os angolanos estão por aí, famosos", acrescentou o diretor, ressaltando que, para o documentário, ele vai entrevistar , João Pequeno e Curió, que moram em Salvadoir, e mestres Neco e João Grande, que exercem a capoeira no Rio de Janeiro e Nova Iorque, respectivamente.
Esta é a primeira produção de Antonio Carlos Muricy, filho de militar e que teve seu primeiro contato com a capoeira em 1985, quando era técnico de som de uma produção chilena que veio à Salvador realizar um documentário sobre capoeiristas.
"Fiquei impressionado e prometi voltar um dia", conta Muricy, que teve a oportunidade de realizar o sonho ao ser premiado pelo projeto "Resgate do Cinema Nacional", durante o governo de Itamar Franco. Para o documentário, que estará pronto em dezembro, ele recebeu R$35 mil do governo federal, mas todos o projeto custará R$135 mil, sendo que empresas cariocas e paulistas estão patrocinando. "Ainda não contatei televisões para exibição e, na verdade, estou tentando ainda a participação de empresários baianos", avisa ele, ressaltando que o orçamento ainda não foi totalmente coberto".
HISTÓRIA RICA E CHEIA DE MÁGOAS
Da lista de entrevistados do diretor Antônio Carlos Muricy para o documentário sobre o Mestre Pastinha, o jornalista Reynivaldo Brito foi o primeiro procurado pela produção e fez seu depoimento ontem, durante 30 minutos.
O jornalista, que foi aluno de Mestre Bimba e participou de várias competições regionais, disse que conheceu o Mestre Pastinha já idoso, com problemas de visão, mas ainda assim manteve " um forte relacionamento com ele e sua esposa Romélia". "Não cheguei a ver Pastinha jogando capoeira. O que ficou para mim dele era a imagem de um homem compenetrado no infinito, que dava poucas opiniões", disse o jornalista, no documentário.
"Na verdade, o que mais marcou para mim era ver Pastinha horas e horas sentado num banco meditando , voltado para si ", acrescentou ele," vindo a morrer na miséria, morando num casarão fétido,no Pelourinho. "Ao comentar as diferenças entre Mestre Pastinha e Mestre Bimba, o jornalista classificou Bimba como " mais rústico e embrutecido do que Pastinha". " Bimba incentivava a gente para a briga. Com Pastinha era mais ginga, demonstração", frisou ele, destacando ainda, "que Mestre Bimba teve sorte melhor por ter sua academia frequentada pela classe média-alta , e os alunos de Pastinha nem podiam pagar pelas aulas".
NR : Na realidade quem desfilava um rosário de mágoas era sua esposa Romélia, que era uma baiana que vendia acarajé no Pelourinho.Era sua fiel escudeira. Muitas vezes até chegava a ser ríspida com algumas pessoas que se aproximavam de Pastinha. Foi através dela que soube das dificuldades do casal e decidi falar com um colega jornalista, o Oswaldo Gomes, que era Secretário de Imprensa , da Prefeitura de Salvador, na época, e nos articulamos e conseguimos aprovar na Câmara Municipal uma pensão especial para o Mestre Pastinha.Este dinheirinho aliviou a carência de recursos no fim da sua vida.
Nota: ainda não tive o prazer de ver o documentário. Se alguém conhece o cineasta Antônio Carlos Muricy fale com ele sobre esta minha curiosidade e como poderei ver o filme.
Reynivaldo Brito - email - britoreynivaldo@ig.com.br
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