A TARDE QUARTA FEIRA, 12 DEZEMBRO
DE 1973.
Texto Reynivaldo Brito Fotos Gildo Lima
Estudantes universitários dos
estados do Norte e Nordeste do País estão participando do salão Universitário
Nordestino de Artes Plásticas, sob o patrocínio do Ministério da Educação e
Cultura Funarte e da Universidade Federal da Bahia, em comemoração ao
centenário da Escola de Belas Artes. Foram inscritos 103 jovens artistas com
236 obras, sendo selecionados 41 trabalhos de 88 estudantes. As obras estão
expostas à visitação pública até o próximo dia 5 de agosto no “foyer” do Teatro
Castro Alves.
No dia da abertura do Salão
Universitário Nordestino de Artes Plásticas os organizadores foram
surpreendidos com um incêndio no barracão onde estavam guardadas as obras
recusadas pela comissão encarregada da seleção e premiação. O fogo em poucos
instantes destruiu completamente o velho barracão da Escola de Belas Artes e
todas as obras ficaram reduzidas a cinzas. O Corpo de Bombeiros foi acionado e
também a Polícia Técnica, mas até o momento não foram divulgadas as causas do
sinistro.
OBJETIVOS DO SALÃO
Informa o coordenador do Salão e
Diretor da Escola de Belas Artes da Universidade Federal da Bahia, professor
Ivo Vellame que “o Salão atingiu seus objetivos com uma participação de mais de
uma centena de universitários da Bahia, Ceará, Pernambuco, Rio Grande do Norte,
Alagoas, Maranhão, Piauí e Sergipe. Os contatos foram mantidos nesses Estados
com os reitores das universidades e pessoas ligadas às artes plásticas”.
Como resultado foi apresentado um
levantamento parcial da produção artística nestes estados e também o Salão
proporcionou um entrosamento entre os universitários. A comissão julgadora foi
formada pelo professor Clarival Prado Valadares ( Rio de Janeiro), Marcelo de
Carvalho Santos (diretor da Fundarpe, de Pernambuco), Henrique Barroso,
museólogo e professor da Universidade federal do Ceará; professor Juarez
Paraíso e pelo crítico Reynivaldo Brito, ambos da Bahia.
Segundo o professor Clarival
Valadares “O Salão merece nossos aplausos porque tivemos a participação não
apenas do estudante de Belas Artes mas também de universitários de outros
setores como Jornalismo, Arquitetura e Geologia. Ao participar do Salão, o
estudante está também participando de um processo de educação mais amplo. Um
dos premiados é de Pernambuco, não apresentou uma obra concluída. Não uma arte
do virtuoso, não do primitivo, mas uma arte forte que reflete o meio ambiente
em que vive”.
ABERTURA
E PREMIAÇÃO
O Salão foi aberto no último dia
22, quando foram conhecidos os jovens artistas premiados. O primeiro lugar coube
ao Grupo Lama, da Bahia, que apresentou um trabalho de arte integrada. O grupo
materializou o trabalho numa tela que serviu como um logotipo e apresentou um
espetáculo de dança e música com projeções e “slides” e fotografias.
Participaram quase duas dezenas de universitários na produção deste trabalho, o
que demonstra o espírito universitário e de trabalho coletivo, afastando a
figura da verdade, do homem que produz apenas um objeto. O grupo recebeu o
prêmio intitulado “Miguel Navarro Y Canzares”, no valor de CR$ 20 mil
cruzeiros.
Na foto uma cena da " Mensagem" do Grupo Lama, primeiro prêmio.
Na foto uma cena da " Mensagem" do Grupo Lama, primeiro prêmio.
Coube ao estudante “Murilo Lessa
Ribeiro”, também baiano, o segundo lugar, prêmio “João Francisco Lopes Rodrigues”,
de 15 mil cruzeiros; o terceiro lugar foi conseguido pelo estudante cearense
Pedro Costa Elmar, prêmio “ Manoel Ignácio Mendonça Filho”, de 10 mil
cruzeiros, e o quarto lugar, prêmio “Escola de Belas Artes” ao estudante Manoel
José Conde, da Bahia. A comissão resolveu instituir Menção Honrosa, para o
trabalho do estudante do Piauí, Donato; para os desenhos de Santana, da
Universidade de Feira de Santana.
OPINIÃO DE CLARIVAL
Ficou constatado que os três maiores
centros de produção de artes plásticas no Nordeste são Recife, Salvador e
Fortaleza, tendo em vista não apenas a quantidade de trabalhos enviados como
também pela qualidade. Outros estados participantes demonstraram que existe uma
total falta de incentivo e informação. Os jovens universitários precisam de uma
maior atenção das reitorias e dos órgãos ligados às artes visuais, na opinião
do coordenador do Salão, professor Ivo Vellame.
Falando sobre o Salão o professor
Clarival Prado Valadares vê sua importância " porque atraiu a participação do
estudante, não necessariamente do estudante que faz a profissionalização da
arte, mas também do estudante que tem seu pendor artístico. Isto não significa
de maneira alguma a idéia de fazer um trabalho menor em expressão de arte.E, sim de fazer um trabalho maior
de universalidade em termos absolutos. Ao participar do Salão, ele leva em sua
bagagem universitária uma compreensão melhor do trabalho artístico, e também,
ao participar está educando-se. O Salão é a primeira fase que precede a
problemática da participação artística. Registrou-se a freqüência de vários
participantes do Nordeste. As obras apresentadas foram de bom nível e alguns
apresentaram trabalhos de qualidade, mas nunca uma arte do virtuoso e, este
Salão não teve nenhuma participação do primitivo ou primitivismo.
Esta deve ser respeitada no seu
campo de origem. Ali se motiva e se consome e não quando ela extrapola a procura
de mercado nas camadas ricas, que é falso no artista primitivo ou primitivista. É esta procura que visa receber um pagamento por uma arte menor. Agora, o
Terreiro de Jesus está cheio de uma arte que se chama de “Arte Folclórica”. É uma praça de espantalhos, não existe de modo nenhum o valor. Pensar que a arte
é um produto primário é erro completo. Arte é um produto diferenciado e tem que
ser um produto da mais alta graduação da responsabilidade.E o campo universitário é
tremendamente favorável."
“O prêmio maior coube ao Grupo
Lama que fez um trabalho coletivo, de expressão corporal demonstrando os
aspectos: apelo para uma mensagem utilizando como inspiração um texto de Kafka;
a deficiência bem característica dos próprios dançarinos, que não formam uma
elite, um corpo de baile, são estudantes, que se esforçaram e apresentaram um
trabalho digno. A mensagem do Grupo Lama está nas suas restrições e alta
dignidade”.
O professor Clarival apontou
ainda a presença da Funarte, que é dirigida por Robertto Daniel Parreiras, que
está dando todo apoio a vários movimentos de arte em diferentes regiões do país.
“É preciso entender o problema do estudante brasileiro principalmente aqueles
que criam. Hoje já não se admite as categorias niveladas pelo grau de perícia.
Há uma substituição de critérios que procura o trabalho que signifique a
participação coletiva em detrimento da individual”.
“Vimos à presença maciça de
trabalhos individuais. Só o Grupo Lama que quebrou esta coisa” e prossegue. “ Não quero tirar valor da criação individual.
Mas é preciso que o trabalho seja feito com a participação
coletiva. Até nas escolinhas de arte há uma tendência de um trabalho coletivo
hoje em dia. Os
primeiros exercícios manuais, gestuais são feitos com a participação de mais de
uma criança. Outros, entretanto ainda apresentam os trabalhinhos individuais
como uma coisa definitiva. É um grande equívoco.Tivemos ainda neste Salão um
grupo bom de desenhistas. Exemplos que demonstram o progresso do desenho e daí
a razão de alguns prêmios que decidimos conceder. Além disto, é bom ver que nos
preocupamos com a contemporaneidade do trabalho. A própria Bienal de Veneza
recuou como vedetismo da premiação individual que criava vedetes, para olhar
melhor àqueles que tiveram vivência com a própria criatividade. Uma
reformulação de conceitos e propostas a partir das experiências de teatro de
Robert Wilson, que é um grande artista contemporâneo."
Disse ainda Clarival que " o
próprio Teatro se encarrega de fazer dentro de sua caixa todas as
possibilidades das artes visuais. Temos que ter um entendimento que as
categorias sedem seu individualismo para essa expressão muito mais coletiva,
que são dos grupos de dança, teatro, pantomina. O Teatro faz a renovação do
cenário integrado e isto é fantástico. Portanto, um abandono da arte cortesã em
torno da arte coletiva, que é de todos, ou seja, a arte do circo, circense.A arte que vem pairando nas
estradas, nas cidades do interior, que é uma arte momentânea e universal."
A ESCOLA É UM NINHO
Já Marcelo de Carvalho Santos,
diretor da Fundarpe, de Pernambuco, refletiu durante vários momentos sobre o ensino
das artes nas Escolas de Belas Artes. Depois de algumas reflexões, ele afirma
que "a arte evoluiu, os tempos correram e ficamos cada vez mais exigentes e as
escolas não acompanharam este desenvolvimento. Os mestres continuam achando que
a “gramática” da a arte é a mesma e só aquelas concepções formais é que
importa. Com isto, a criatividade do artista fica reprimida para atender a
necessidade acadêmica. Daí o surgimento de algumas oficinas e ateliers dentro
das próprias escolas de Belas Artes. Por sua vez as direções dessas escolas têm
que obedecer às determinações do Conselho Federal de Educação. Arte não pode
ensinar com uma rígida contagem de créditos como acontece na área da
tecnologia. O artista vai amadurecendo, não depende do número de crédito. As
vezes, o estudante obedece a gramática do mestre mas na realidade não é ou
será um artista na concepção da palavra. Ele será um castrado."
"Daí eu dizer com um pouco de ironia, que muitas vezes os movimentos de arte são feitos, apesar das escolas de Belas Artes.Quando a gente vê um Salão de Arte com a participação de universitários e ficamos impressionados com o nível dos trabalhos apresentados é uma alegria muito grande. É evidente que não existem aqui trabalhos acabados. Tudo está por fazer porque são jovens artistas que começam a encaminhar suas mensagens e propostas. O que precisa é que continuemos estimulando e levando-os a apreciar sua produção. A Escola de Belas Artes deve ser um ninho, um lugar onde o estudante deve se desenvolver sob a orientação de seus mestres, porém com uma, certa liberdade."
"Daí eu dizer com um pouco de ironia, que muitas vezes os movimentos de arte são feitos, apesar das escolas de Belas Artes.Quando a gente vê um Salão de Arte com a participação de universitários e ficamos impressionados com o nível dos trabalhos apresentados é uma alegria muito grande. É evidente que não existem aqui trabalhos acabados. Tudo está por fazer porque são jovens artistas que começam a encaminhar suas mensagens e propostas. O que precisa é que continuemos estimulando e levando-os a apreciar sua produção. A Escola de Belas Artes deve ser um ninho, um lugar onde o estudante deve se desenvolver sob a orientação de seus mestres, porém com uma, certa liberdade."
Pela ordem: A obra de Murilo, segundo prêmio; Obra do cearense Pedro Costa, "Do Clássico ao Cubismo", terceiro prêmio; e "Desenho", de Deca Conde, quarto prêmio.
" Daí a importância deste Salão que deu o primeiro prêmio a um trabalho de arte integrado. É evidente que a arte deve ser consumida por grande parte do público. Uma arte que traduza não um tema épico, mas a realidade que estamos vivendo. A arte tem que cumprir o papel de comunicação entre os homens. Realmente é admirável o esforço daqueles moços. Encontramos falhas, mas sob o ponto de vista de realização e produção da mensagem eles atingiram os objetivos, e por isto espero que continuem e disseminem a criação de outros grupos.A atitude perante a arte é que se exige dela uma contemporaneidade, e, como o artista se coloca diante dos seus contemporâneos e do seu povo."
" Daí a importância deste Salão que deu o primeiro prêmio a um trabalho de arte integrado. É evidente que a arte deve ser consumida por grande parte do público. Uma arte que traduza não um tema épico, mas a realidade que estamos vivendo. A arte tem que cumprir o papel de comunicação entre os homens. Realmente é admirável o esforço daqueles moços. Encontramos falhas, mas sob o ponto de vista de realização e produção da mensagem eles atingiram os objetivos, e por isto espero que continuem e disseminem a criação de outros grupos.A atitude perante a arte é que se exige dela uma contemporaneidade, e, como o artista se coloca diante dos seus contemporâneos e do seu povo."
O professor Henrique Barroso, do
Ceará, aceitou o convite para membro do júri para fazer uma avaliação “do que
fazemos e do que está sendo feito em outros estados da região. O Salão tem uma
linguagem de contemporaneidade e acho que os resultados foram positivos e
válidos. Os artistas premiados talvez não sejam os que reflitam uma melhor
qualidade técnica. Mas eles revelaram um caráter de participação e conteúdo e
por isto, mesmo reconhecidos”.
AS
PROPOSTAS DOS PREMIADOS
Baseado num texto de Franz Kafka
o Grupo Lama apresentou um trabalho de arte integrado que arrebatou o primeiro
prêmio . Inicialmente, não concordei em dar o primeiro prêmio ao Grupo, embora achasse que o trabalho tinha
méritos. Depois, refleti que o esforço empreendido pelos seus integrantes e os
objetivos alcançados ultrapassavam e venciam qualquer barreira. Aliás, eles
tinham conseguido vencer várias barreiras porque as restrições impostas para um
trabalho coletivo sem recursos financeiros e técnicos são tremendas. Assim
terminei sendo um defensor do primeiro prêmio para este grupo, que desde os
primeiros momentos foi defendido por Clarival Prado Valadares e Juarez Paraíso.
O Grupo Lama não parou. Seu trabalho continua e nos dias 28 e 29 às 18 horas, serão apresentados dois espetáculos no ICBA. O trabalho foi intitulado de
“Mensagem” e a criação, produção e direção geral ficou a cargo de Márcia de
Azevedo Magno e Carlos Lauria. Convidada especial: Maria Fátima Fonseca e
participação de David Magalhães, Leila Tourinho de Miranda, Jacinta Ferraz,
Luís Carlos Pitanga, Dione Azevedo, Fátima Maria e Ariene Brito. Os slides e
fotografias foram de Carlos Maguary.
O segundo lugar coube a Murilo Antônio Ribeiro que apresentou três
telas a óleo. Mesmo antes do Salão estive visitando a antiga Galeria Sereia e
encontrei o Murilo trabalhando. Gostei das obras, fiz algumas considerações
sobre a necessidade de limpeza e certo cuidado com o pincelar.
Um trabalho criativo onde o
artista desenvolve uma temática consciente e tem exatamente a contemporaneidade
que tanto falou o professor Clarival Prado Valadares. Isto está presente nas
suas figuras principalmente na tela onde ele mostra quatro espectadores e dois
jogadores de futebol vestidos de palhaços. Noutra, Murilo apresenta dois
palhaços em frente a um cesto como estivessem num piquenique e, ao fundo, a
silhueta de um espigão.
E finalmente, na terceira tela
aparece um imenso cachorro de barriga cheia com uma etiqueta “É cachorro, mas, não
ladra e não morde”. Uma pintura serena e uma temática vibrante que merece ser
desenvolvida numa ilha onde a unidade deve estar presente.
O terceiro colocado foi o cearense Pedro Costa Simas que inspirado
numa fotografia antiga de seus antecedentes desenvolveu uma temática
demonstrando talvez uma vontade de ressuscitá-las.São duas belas moças que
atravessam o tempo. Sai de um desenho acadêmico até chegar ao cubismo.Uma idéia inteligente e acima de
tudo toca a sensibilidade que tiveram oportunidade de visitar o Salão.
O quarto lugar coube a José Conde, um jovem estudante que já tem
domínio da pena. São figuras deformadas com uma temática de certo conteúdo
social. A figura do rei tomando seu banho, a presença dos estandartes, enfim
talvez queira satirizar o poder da comarca.A comissão criou ainda menção
honrosa para os artistas Donato, do Piauí e Santana, de Feira de Santana.
Finalmente, quero salientar que o
Salão é da mais alta importância para o desenvolvimento das artes na Bahia e
especialmente para os universitários que estão em processo de aprendizagem e
educação. Aqueles que tiveram seus trabalhos recusados devem refletir vendo as
obras expostas, que certamente são de melhor qualidade e estão de certa forma
ligadas a contemporaneidade. Uma reflexão que não deve ser apenas dos
estudantes, mas também dos professores das escolas de arte e também dos
profissionais. Reynivaldo Brito
Nenhum comentário:
Postar um comentário