Objetivo


sábado, 23 de junho de 2012

ARTES VISUAIS - A VITÓRIA DA CRIAÇÃO COLETIVA

ARTES VISUAIS
A TARDE QUARTA FEIRA, 12 DEZEMBRO DE 1973.
Texto Reynivaldo Brito  Fotos Gildo Lima

Estudantes universitários dos estados do Norte e Nordeste do País estão participando do salão Universitário Nordestino de Artes Plásticas, sob o patrocínio do Ministério da Educação e Cultura Funarte e da Universidade Federal da Bahia, em comemoração ao centenário da Escola de Belas Artes. Foram inscritos 103 jovens artistas com 236 obras, sendo selecionados 41 trabalhos de 88 estudantes. As obras estão expostas à visitação pública até o próximo dia 5 de agosto no “foyer” do Teatro Castro Alves.
No dia da abertura do Salão Universitário Nordestino de Artes Plásticas os organizadores foram surpreendidos com um incêndio no barracão onde estavam guardadas as obras recusadas pela comissão encarregada da seleção e premiação. O fogo em poucos instantes destruiu completamente o velho barracão da Escola de Belas Artes e todas as obras ficaram reduzidas a cinzas. O Corpo de Bombeiros foi acionado e também a Polícia  Técnica, mas até o momento não foram divulgadas as causas do sinistro.
                             
                                            OBJETIVOS DO SALÃO

Informa o coordenador do Salão e Diretor da Escola de Belas Artes da Universidade Federal da Bahia, professor Ivo Vellame que “o Salão atingiu seus objetivos com uma participação de mais de uma centena de universitários da Bahia, Ceará, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Alagoas, Maranhão, Piauí e Sergipe. Os contatos foram mantidos nesses Estados com os reitores das universidades e pessoas ligadas às artes plásticas”.
Como resultado foi apresentado um levantamento parcial da produção artística nestes estados e também o Salão proporcionou um entrosamento entre os universitários. A comissão julgadora foi formada pelo professor Clarival Prado Valadares ( Rio de Janeiro), Marcelo de Carvalho Santos (diretor da Fundarpe, de Pernambuco), Henrique Barroso, museólogo e professor da Universidade federal do Ceará; professor Juarez Paraíso e pelo crítico Reynivaldo Brito, ambos da Bahia.
Segundo o professor Clarival Valadares “O Salão merece nossos aplausos porque tivemos a participação não apenas do estudante de Belas Artes mas também de universitários de outros setores como Jornalismo, Arquitetura e Geologia. Ao participar do Salão, o estudante está também participando de um processo de educação mais amplo. Um dos premiados é de Pernambuco, não apresentou uma obra concluída. Não uma arte do virtuoso, não do primitivo, mas uma arte forte que reflete o meio ambiente em que vive”.

                                       ABERTURA E PREMIAÇÃO

O Salão foi aberto no último dia 22, quando foram conhecidos os jovens artistas premiados. O primeiro lugar coube ao Grupo Lama, da Bahia, que apresentou um trabalho de arte integrada. O grupo materializou o trabalho numa tela que serviu como um logotipo e apresentou um espetáculo de dança e música com projeções e “slides” e fotografias. Participaram quase duas dezenas de universitários na produção deste trabalho, o que demonstra o espírito universitário e de trabalho coletivo, afastando a figura da verdade, do homem que produz apenas um objeto. O grupo recebeu o prêmio intitulado “Miguel Navarro Y Canzares”, no valor de CR$ 20 mil cruzeiros.
 Na foto uma cena da " Mensagem" do Grupo Lama, primeiro prêmio.
Coube ao estudante “Murilo Lessa Ribeiro”, também baiano, o segundo lugar, prêmio “João Francisco Lopes Rodrigues”, de 15 mil cruzeiros; o terceiro lugar foi conseguido pelo estudante cearense Pedro Costa Elmar, prêmio “ Manoel Ignácio Mendonça Filho”, de 10 mil cruzeiros, e o quarto lugar, prêmio “Escola de Belas Artes” ao estudante Manoel José Conde, da Bahia. A comissão resolveu instituir Menção Honrosa, para o trabalho do estudante do Piauí, Donato; para os desenhos de Santana, da Universidade de Feira de Santana.

                                         OPINIÃO DE CLARIVAL

Ficou constatado que os três maiores centros de produção de artes plásticas no Nordeste são Recife, Salvador e Fortaleza, tendo em vista não apenas a quantidade de trabalhos enviados como também pela qualidade. Outros estados participantes demonstraram que existe uma total falta de incentivo e informação. Os jovens universitários precisam de uma maior atenção das reitorias e dos órgãos ligados às artes visuais, na opinião do coordenador do Salão, professor Ivo Vellame.
Falando sobre o Salão o professor Clarival Prado Valadares vê sua importância "  porque atraiu a participação do estudante, não necessariamente do estudante que faz a profissionalização da arte, mas também do estudante que tem seu pendor artístico. Isto não significa de maneira alguma a idéia de fazer um trabalho menor em expressão de arte.E, sim de fazer um trabalho maior de universalidade em termos absolutos. Ao participar do Salão, ele leva em sua bagagem universitária uma compreensão melhor do trabalho artístico, e também, ao participar está educando-se. O Salão é a primeira fase que precede a problemática da participação artística. Registrou-se a freqüência de vários participantes do Nordeste. As obras apresentadas foram de bom nível e alguns apresentaram trabalhos de qualidade, mas nunca uma arte do virtuoso e, este Salão não teve nenhuma participação do primitivo ou primitivismo.
Esta deve ser respeitada no seu campo de origem. Ali se motiva e se consome e não quando ela extrapola a procura de mercado nas camadas ricas, que é falso no artista primitivo ou primitivista. É esta procura que visa receber um pagamento por uma arte menor. Agora, o Terreiro de Jesus está cheio de uma arte que se chama de “Arte Folclórica”. É uma praça de espantalhos, não existe de modo nenhum o valor. Pensar que a arte é um produto primário é erro completo. Arte é um produto diferenciado e tem que ser um produto da mais alta graduação da responsabilidade.E o campo universitário é tremendamente favorável."
“O prêmio maior coube ao Grupo Lama que fez um trabalho coletivo, de expressão corporal demonstrando os aspectos: apelo para uma mensagem utilizando como inspiração um texto de Kafka; a deficiência bem característica dos próprios dançarinos, que não formam uma elite, um corpo de baile, são estudantes, que se esforçaram e apresentaram um trabalho digno. A mensagem do Grupo Lama está nas suas restrições e alta dignidade”.
O professor Clarival apontou ainda a presença da Funarte, que é dirigida por Robertto Daniel Parreiras, que está dando todo apoio a vários movimentos de arte em diferentes regiões do país. “É preciso entender o problema do estudante brasileiro principalmente aqueles que criam. Hoje já não se admite as categorias niveladas pelo grau de perícia. Há uma substituição de critérios que procura o trabalho que signifique a participação coletiva em detrimento da individual”.
“Vimos à presença maciça de trabalhos individuais. Só o Grupo Lama que quebrou esta coisa” e prossegue.  “ Não quero tirar valor da criação individual. Mas é   preciso  que o trabalho seja feito com a participação coletiva. Até nas escolinhas de arte há uma tendência de um trabalho coletivo hoje em dia. Os primeiros exercícios manuais, gestuais são feitos com a participação de mais de uma criança. Outros, entretanto ainda apresentam os trabalhinhos individuais como uma coisa definitiva. É um grande equívoco.Tivemos ainda neste Salão um grupo bom de desenhistas. Exemplos que demonstram o progresso do desenho e daí a razão de alguns prêmios que decidimos conceder. Além disto, é bom ver que nos preocupamos com a contemporaneidade do trabalho. A própria Bienal de Veneza recuou como vedetismo da premiação individual que criava vedetes, para olhar melhor àqueles que tiveram vivência com a própria criatividade. Uma reformulação de conceitos e propostas a partir das experiências de teatro de Robert Wilson, que é um grande artista contemporâneo."
Disse ainda Clarival que " o próprio Teatro se encarrega de fazer dentro de sua caixa todas as possibilidades das artes visuais. Temos que ter um entendimento que as categorias sedem seu individualismo para essa expressão muito mais coletiva, que são dos grupos de dança, teatro, pantomina. O Teatro faz a renovação do cenário integrado e isto é fantástico. Portanto, um abandono da arte cortesã em torno da arte coletiva, que é de todos, ou seja, a arte do circo, circense.A arte que vem pairando nas estradas, nas cidades do interior, que é uma arte momentânea e universal."


                                     
 A ESCOLA É UM NINHO

Já Marcelo de Carvalho Santos, diretor da Fundarpe, de Pernambuco, refletiu durante vários momentos sobre o ensino das artes nas Escolas de Belas Artes. Depois de algumas reflexões, ele afirma que "a arte evoluiu, os tempos correram e ficamos cada vez mais exigentes e as escolas não acompanharam este desenvolvimento. Os mestres continuam achando que a “gramática” da a arte é a mesma e só aquelas concepções formais é que importa. Com isto, a criatividade do artista fica reprimida para atender a necessidade acadêmica. Daí o surgimento de algumas oficinas e ateliers dentro das próprias escolas de Belas Artes. Por sua vez as direções dessas escolas têm que obedecer às determinações do Conselho Federal de Educação. Arte não pode ensinar com uma rígida contagem de créditos como acontece na área da tecnologia. O artista vai amadurecendo, não depende do número de crédito. As vezes, o estudante obedece a gramática do mestre mas na realidade não é ou será um artista na concepção da palavra. Ele será um castrado."
"Daí eu dizer com um pouco de ironia, que muitas vezes os movimentos de arte são feitos, apesar das escolas de Belas Artes.Quando a gente vê um Salão de Arte com a participação de universitários e ficamos impressionados com o nível dos trabalhos apresentados é uma alegria muito grande. É evidente que não existem aqui trabalhos acabados. Tudo está por fazer porque são jovens artistas que começam a encaminhar suas mensagens e propostas. O que precisa é que continuemos estimulando e levando-os a apreciar sua produção. A Escola de Belas Artes deve ser um ninho, um lugar onde o estudante deve se desenvolver sob a orientação de seus mestres, porém com uma, certa liberdade."
Pela ordem: A obra de Murilo, segundo prêmio; Obra do cearense Pedro Costa, "Do Clássico ao Cubismo", terceiro prêmio;  e "Desenho", de Deca Conde, quarto prêmio.
" Daí a importância deste Salão que deu o primeiro prêmio a um trabalho de arte integrado. É evidente que a arte deve ser consumida por grande parte do público. Uma arte que traduza não um tema épico, mas a realidade que estamos vivendo. A arte tem que cumprir o papel de comunicação entre os homens. Realmente é admirável o esforço daqueles moços. Encontramos falhas, mas sob o ponto de vista de realização e produção da mensagem eles atingiram os objetivos, e por isto espero que continuem e disseminem a criação de outros grupos.A atitude perante a arte é que se exige dela uma contemporaneidade, e, como o artista se coloca diante dos seus contemporâneos e do seu povo."
O professor Henrique Barroso, do Ceará, aceitou o convite para membro do júri para fazer uma avaliação “do que fazemos e do que está sendo feito em outros estados da região. O Salão tem uma linguagem de contemporaneidade e acho que os resultados foram positivos e válidos. Os artistas premiados talvez não sejam os que reflitam uma melhor qualidade técnica. Mas eles revelaram um caráter de participação e conteúdo e por isto, mesmo reconhecidos”.

                                        AS PROPOSTAS DOS PREMIADOS

Baseado num texto de Franz Kafka o Grupo Lama apresentou um trabalho de arte integrado que arrebatou o primeiro prêmio . Inicialmente, não concordei em dar o primeiro prêmio ao Grupo, embora achasse que o trabalho tinha méritos. Depois, refleti que o esforço empreendido pelos seus integrantes e os objetivos alcançados ultrapassavam e venciam qualquer barreira. Aliás, eles tinham conseguido vencer várias barreiras porque as restrições impostas para um trabalho coletivo sem recursos financeiros e técnicos são tremendas. Assim terminei sendo um defensor do primeiro prêmio para este grupo, que desde os primeiros momentos foi defendido por Clarival Prado Valadares e Juarez Paraíso. O Grupo Lama não parou. Seu trabalho continua e nos dias 28 e 29 às 18 horas, serão apresentados dois espetáculos no ICBA. O trabalho foi intitulado de “Mensagem” e a criação, produção e direção geral ficou a cargo de Márcia de Azevedo Magno e Carlos Lauria. Convidada especial: Maria Fátima Fonseca e participação de David Magalhães, Leila Tourinho de Miranda, Jacinta Ferraz, Luís Carlos Pitanga, Dione Azevedo, Fátima Maria e Ariene Brito. Os slides e fotografias foram de Carlos Maguary.
O segundo lugar coube a Murilo Antônio Ribeiro que apresentou três telas a óleo. Mesmo antes do Salão estive visitando a antiga Galeria Sereia e encontrei o Murilo trabalhando. Gostei das obras, fiz algumas considerações sobre a necessidade de limpeza e certo cuidado com o pincelar.
Um trabalho criativo onde o artista desenvolve uma temática consciente e tem exatamente a contemporaneidade que tanto falou o professor Clarival Prado Valadares. Isto está presente nas suas figuras principalmente na tela onde ele mostra quatro espectadores e dois jogadores de futebol vestidos de palhaços. Noutra, Murilo apresenta dois palhaços em frente a um cesto como estivessem num piquenique e, ao fundo, a silhueta de um espigão.
E finalmente, na terceira tela aparece um imenso cachorro de barriga cheia com uma etiqueta “É cachorro, mas, não ladra e não morde”. Uma pintura serena e uma temática vibrante que merece ser desenvolvida numa ilha onde a unidade deve estar presente.
O terceiro colocado foi o cearense Pedro Costa Simas que inspirado numa fotografia antiga de seus antecedentes desenvolveu uma temática demonstrando talvez uma vontade de ressuscitá-las.São duas belas moças que atravessam o tempo. Sai de um desenho acadêmico até chegar ao cubismo.Uma idéia inteligente e acima de tudo toca a sensibilidade que tiveram oportunidade de visitar o Salão.
O quarto lugar coube a José Conde, um jovem estudante que já tem domínio da pena. São figuras deformadas com uma temática de certo conteúdo social. A figura do rei tomando seu banho, a presença dos estandartes, enfim talvez queira satirizar o poder da comarca.A comissão criou ainda menção honrosa para os artistas Donato, do Piauí e Santana, de Feira de Santana.
Finalmente, quero salientar que o Salão é da mais alta importância para o desenvolvimento das artes na Bahia e especialmente para os universitários que estão em processo de aprendizagem e educação. Aqueles que tiveram seus trabalhos recusados devem refletir vendo as obras expostas, que certamente são de melhor qualidade e estão de certa forma ligadas a contemporaneidade. Uma reflexão que não deve ser apenas dos estudantes, mas também dos professores das escolas de arte e também dos profissionais.  Reynivaldo Brito













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