RELIGIÃO
Jornal A TARDE TERÇA-FEIRA 28 DE JUNHO DE 1983
Texto Reynivaldo Brito
Texto Reynivaldo Brito
“ NA IGREJA POPULAR A IDEOLOGIA PREVALECE SOBRE A ESPIRITUALIDADE”
O último trabalho do Bispo Auxiliar de Salvador, Dom Boaventura Kloppenburg O.F.M.,( foto) intitulado “ Igreja Popular” vai causar muita polêmica por suas posições firmes contra a chamada ala progressista do clero. Alguns o consideram um reacionário,mas o bispo rebate, e chegou a alinhar suas posições, algumas consideradas progressistas e outras conservadoras. Na apresentação feita por Dom Eugênio Sales, Cardeal do Rio de Janeiro, ele defende as posições do Bispo Boaventura e diz que “ os tempos novos exigem respostas novas e corajosas que esclareçam as tendências ocultas sob a falsa dialética progressista- conservadora”. Essa terminologia é a arma dos que procuram utilizar em seu proveito a força das opiniões em voga”.
O certo é que o livro de Dom Boaventura editado pela Agir tem 236 páginas para serem lidas e discutidas. Revela acima de tudo uma postura mais libertária. Nesta entrevista e citações pode-se sentir quanto de polêmica este livro vai gerar no seio da Igreja Católica.
Um dos mais estudiosos e festejados sacerdotes deste País, O bispo auxiliar de Salvador Dom Boaventura Klopenburg, O.F.M., lançou, ontem, dia 27, no Rio de Janeiro, um trabalho intitulado “A Igreja Popular”, na Casa Paroquial João Paulo II, que certamente trará muita discussão no seio da Igreja Católica. Discorda do chamado clero progressista e contesta muitas de suas idéias libertárias, que segundo ele “estão afastadas da verdade do Cristo”. No livro,observa fatores positivos das chamadas Comunidade de Base, porém condena o radicalismo em que muitas delas estão mergulhadas. “hoje se acentua mais os problemas sociais esquecendo os espirituais.”A ideologia prevalece sobre a espiritualidade e que, “a Igreja Popular do Brasil é aquela onde estão as CEBs que se orientam segundo os critérios da Evangeli Nuntiandi, de Paulo VI”.
Ele trabalhou vários anos em Petrópolis, e foi de 1951 a 1971 redator-chefe da Revista Eclesiástica Brasileira, sendo secretário o frei Leonardo Boff.
Foi, portanto, sob sua orientação que durante vinte anos o teólogo Boff trabalhou secretariando a revista, e inclusive foi seu aluno até “ que tive que viajar. Também o frei Leonardo esteve alguns anos na Alemanha e quando retornou veio com novas idéias com as quais não concordo. Recentemente enviei um artigo para ser publicado na revista referida, que dirigi com tanto zelo durante vinte anos, e ele, simplesmente, não publicou o meu artigo. Portanto, estamos em caminhos paralelos”.
Recentemente num encontro de franciscanos ocorridos em Salvador os dois cumprimentaram-se ligeiramente a nenhum assunto foi tratado. Cada um segue o caminho que considera certo, ambos defendendo pontos de vista que talvez no fundo vão desaguar nos próprios dogmas da Igreja a que pertencem e defendem.
REVOLUÇÃO PELO AMOR
Para Dom Boaventura Kloppenburg não se pode negar que Cristo espiritualizou (na Igreja Popular diriam ideologizou) as falsas esperanças de um messianismo temporalista com uma imediata promoção econômico-social . Jesus deixa bem claro que não veio para resolver necessidades materiais, mas espirituais. Não veio para mudar estruturas sociais injustas (que não faltavam em seu ambiente e tempo), mas para sanar o coração humano de sua propensão à avareza, ao hedonismo e à violência. Para Jesus, a reforma da sociedade deve ser feita pelo amor, não pelo ódio e a luta de classes”.
Com relação à opção exclusiva pelos pobres, como desejam alguns segmentos mais radicais do clero, o bispo auxiliar de Salvador rebate “não existe uma só fórmula ou uma espécie de panacéia em nossa opção pelos pobres. Uma simples ou simplista opção pelos pobres em geral seria uma atitude demagógica, abstrata, anti-histórica, ineficiente e sem valor concreto. Uma opção concreta pelos pobres terá rostos tão distintos como são diferentes as feições dos pobres. Necessita de preparação adequada: uma opção pelas crianças abandonadas, outra muito diferente é a opção pelos velhos marginalizados; as soluções são válidas para os camponeses explorados não se aplicam aos amontoados das favelas; a ajuda ao indígena e de outra categoria que a que necessitam os subempregados ou desempregados, os remédios encontrados para os angustiados pela sociedade ou por falta de sentido da vida nada valem para os angustiados pelo abuso de poder; os enfermos necessitam de assistência imediata sem prazo para esperar novas estruturas, enquanto camponeses sem terra reclamam uma reforma agrária e assim por diante. Na opinião de Dom Boaventura os que não são pobres se sentem hoje constantemente insultados dentro da tal Igreja Popular pelo modo de falar e de rezar de certos padres. E ataca: A verdade é que a simplista identificação do pobre com a exploração ou da pobreza com a opressão tem mais motivações emocionais, ideológicas e apriorísticas que racionais e históricas, mais razões de conveniência tática que de investigação ou análise científica da realidade”.
NÃO SOU CONSERVADOR
Como professor de Teologia e um homem que já publicou mais de trezentos títulos em várias línguas, inclusive o latim, o bispo Dom Boaventura fica aborrecido quando é chamado de conservador. Mas com firmeza diz:” Se conservador se entende a rejeição de uma Igreja alternativa que chamam de Igreja Popular, sou conservador, porém, se ser conservador significa a não-aceitação de um sadio pluralismo eclesial, não sou conservador”.
Na verdade, ele tem idéias definidas e firmes que estão multiplicadas em seus escritos e não aceita a contestação da Igreja institucional e radicalismo ideológico de alguns sacerdotes que pregam uma doutrina libertária.”
“ O trabalho de desbloqueio das consciências nas massas populares cristãs, tal como pretendem fazer os promotores da nova Igreja Popular, é assombrosamente superficial, se opõe a toda tradição recebida dos apóstolos e desconhece a natureza do homem e suas leis.Verdade é que, segundo eles falar de leis naturais, já seria ideologizar. Mas é porque são intelectualmente esquizofrênicos (já que, incapazes de entender a distinção entre dualidade e dualismo, vêem e denunciam dicotomias por toda parte) e teologicamente paranóicos (pois se sentem constantemente acossados pelo fantasma da ideologização):
“O bacilo marxista os intoxicou e infernou”.
Falando sobre a natureza do homem e de outros seres vivos, o bispo Dom Boaventura diz que “ devemos incluir a evolução e talvez a decadência e, portanto, a mudança. Mas enquanto o homem, continua sendo homem ,nem tudo se modifica radicalmente e sob todos os aspectos: nele algo permanece através de todas as mudanças e é justamente por causa deste “algo permanente” que o homem continua sendo homem e o é, seja na Europa, seja na América Latina; seja nesta cultura, seja em outra; seja neste século, seja em qualquer outro tempo. Há, pois, um mínimo de ontologia universalmente válida e de estrutura antológica sem a qual o homem já não seria o que é ou deixaria de ser o que é; e com a qual pode e deve agir e desenvolver-se para realizar todas as suas potencialidades na linha de seu ser. O “desenvolvimento” e o crescimento só e possível a partir de algo permanente. Daí a firme atitude do Vaticano II: “afirma a Igreja que sob as transformações permanecem muitas coisas imutáveis” (GS 10b)
Com relação às mudanças propostas na liturgia da Igreja o bispo auxiliar de Salvador disse que “ só Deus sabe o que já inventaram em nome do povo, da criatividade, do clero, da praxis libertadora para esta desautorizada reapropriação da liturgia.
O episcopado colombiano, num grave documento de 21 de novembro de 1976 sobre estes movimentos em sua nação, pensa que a “ instrumentalização da liturgia é talvez o maior dos abusos que cometem.A Eucaristia deixou de ser, para eles, o sacrifício e o banquete do Senhor, para transformar-se em meio de conscientização, em instrumento de luta revolucionária, em ocasião de arengas políticas. Daí, que nada os impeça de burlar todas as normas de celebração e de elaborar, à sua vontade, orações, fórmulas e cânticos que destroem o sentido sagrado da liturgia e a convertem em ato de protesto, e convite à revolta. Esta Eucaristia, assim profanada, já não edifica a comunidade dos irmãos, mas incita o comício dos camaradas.”
Na página 179 do seu livro”Igreja Popular” Dom Boaventura tem um capítulo com o título “Nosso frei Leonardo Boff, O.F.M”. (Foto)Ele reconhece o talento do frei,seu ex-secretário e ex-aluno. Mas discorda totalmente de suas posições. Segundo ele, na Igreja Nova ou Popular de Leonardo Boff o poder, agora reduzido a puras funções, é restituído à comunidade, ao povo, isto é, aos pobres. Neste sentido suas afirmações são apolíticas: a comunidade se considera a depositária do poder sagrado e não apenas alguns dentro dela. E continua:
“O poder é função da comunidade e não de uma pessoa:”dever-se à pensar o poder como depositado na comunidade toda inteira: a partir dela ele se detalha em diferentes formas, consoante as necessidades o exigirem, até o supremo pontificado.
- A igreja sonhada por Boff, diz dom Boaventura, é uma igreja de classe subalterna.
Sem atender ao sentido que o Concílio Vaticano II deu à expressão Povo de Deus, Boff simplesmente identifica sua imaginada Igreja Povo de Deus; tendo o cuidado de precisar que a categoria do povo é tomada no sentido de povo- classe-subalterna que se define por ser excluída da participação reduzida a um processo de massificação (coisificação). Os que não são dessa classe subalterna e expropriada não são “povo” nem muito menos povo de Deus, embora “axiologicamente” sejam todos chamados à classe subalterna.
Boff insiste muitas vezes neste particular, adianta Dom Boaventua.
E conclui: “ele pensa que as Comunidades de Base constituem a forma adequada da Igreja para as vítimas da acumulação capitalista em contraposição à Igreja tradicional, hierarquizada, com suas associações clássicas (apostolado vicentinos) e modernizantes (cursilhos, TLC, MFC, Renovação Carismática), mais adequadas a uma sociedade de classes hegemônicas”.
E arremata: “O critério válido, suficiente e definitivo para a nova Igreja Popular é muito simples: estar crítica e profundamente convencido de seu caminho. Será razão suficiente para uma valente atitude de leal desobediência ao centro, isto é ao Papa”.
CONSERVADOR OU PROGRESSISTA
Desde que voltei ao Brasil, órgãos da imprensa especulam sobre minhas atitudes na Igreja de hoje: se sou conservador ou progressista. Querem enquadrar-me em uma ou outra categoria, ambas de complexa definição.
Se por conservador se entende que é preciso manter, viver e transmitir a fé e a tradição recebidas dos apóstolos, sou conservador; se ser conservador significa congelar a doutrina ou a vida da Igreja, não sou conservador.
Se por progressista se entende que é preciso abrir-se aos novos valores do mundo secularizado, sou progressista; se ser progressista significa proclamar a irrelevância de certas doutrinas católicas de fé e moral, não sou progressista.
Se por conservador se entende a aceitação sincera das orientações do atual Papa, sou conservador; se ser conservador significa rejeição da criatividade no pensamento e na vida da Igreja, não sou conservador.
Se por progressista se entende que a igreja deve discernir os sinais dos tempos, sou progressista; se ser progressista significa aderir facilmente às modas do momento, não sou progressista.
Se por conservador se entende a afirmação da diferença essencial entre os ministérios batismais e os ordenados, sou conservador; se ser conservador significa açambarcar todos os ministérios e serviços para o clero, não sou conservador.
Se por progressista se entende que é preciso multiplicar os ministérios e serviços lacais, sou progressista; se ser progressista significa afirmar que estes novos ministérios podem substituir os ministérios ordenados, não sou progressista.
Se por conservador se entende a rejeição de uma nova igreja alternativa chamada Igreja Popular, sou conservador; se ser conversador significa a não aceitação de um sadio pluralismo eclesial não sou conservador.
Se por progressista se entende a necessidade de propagar as Comunidades Eclesiais de Base, sou progressista; se ser progressista significa trabalhar na politização das Comunidades Eclesiais de Base, não sou progressista.
Se por conservador se entende que o ecumenismo se faz a partir de um prévio diálogo sobre a doutrina cristã, sou conservador; se ser conservador significa que determinada configuração histórica da igreja deve ser mantida em todo o tempo e lugar, não sou conservador.
Se por progressista se entende que a teologia deve ser de libertação e não de dominação, sou progressista; ao ser progressista significa identificação com uma teologia da libertação, que opera com a análise marxista, não sou progressista.
Se por conservador se entende que a Igreja deve cultivar uma sadia colaboração com o Estado, sou conservador; se ser conservador significa a defesa de uma aliança estreita entre o poder civil e o eclesiástico, não sou conservador.
Se por progressista se entende que a Igreja não pode manter uma atitude neutra diante do bem comum nacional e internacional, sou progressista; Se ser progressista significa que a Igreja deve assumir compromissos políticos partidários, não sou progressista.
Se por conservador se entende que o político deve ser lido a partir do Evangelho, sou conservador; se ser conservador significa que o político não deve entrar no campo pastoral, não sou conservador.
Se por progressiva se entende a defesa dos Direitos Humanos, sou progressista; ao ser progressista significa uma atitude sistemática de oposição ao governo e de desrespeito às forças militares, não sou progressista.
Se por conservador se entende a afirmação da compatibilidade da economia social de mercado com o Evangelho, sou conservador; se ser conservador significa aprovar uma economia liberal de mercado, não sou conservador.
Se por progressista se entende a denúncia das injustiças ou violências sociais, sou progressista; se ser progressista significa que a luta pela justiça e a libertação é uma dimensão essencialmente constituída da missão evangelizadora da Igreja, não sou progressista.
Se por conservador se entende a rejeição da doutrina e do sistema do comunismo, sou conservador; se ser conservador significa defesa dos latifúndios improdutivos, não sou conservador.
Se por progressista se entende que é preciso fazer uma opção preferencial pelos pobres, sou progressista; se ser progressista significa fazer uma opção classisista pelos pobres contra os que não o são, não sou progressista.
Se por conservador se entende a afirmação do primado lógico da ortodoxia, sou conservador; se ser conservador significa a rejeição da ortopraxis, não sou conservador.
Se por progressista se entende que é preciso atender aos conflitos sociais, sou progressista; se ser progressista significa afirmar que os conflitos sociais são a expressão de uma inevitável luta de classes, não sou progressista.
( Dom Boaventura faleceu aos 89 anos de idade em maio de 2009)
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