Jornal A Tarde, QUINTA-FEIRA, 22 DE MARÇO DE 1973
Foto Google e Louriel Batista
Texto Reynivaldo Brito
Casa Nova ( Dos enviados especiais Reynivaldo Brito e Louriel Barbosa) Os habitantes de Casa Nova, Remanso, Sento Sé e Pilão Arcado estão alarmados e com receio de perder tudo que possuem com a construção da Barragem do Sobradinho, que represará as águas do rio São Francisco, formando um lago de 4.500,00 quilômetros quadrados e inundando as sedes e muitas terras destes municípios. Além de outros fatos, as primeiras compras (e não indenizações) que estão sendo feitas por agentes da Companhia Hidrelétrica do São Francisco- CHESF, de residências e propriedades rurais, a preços baixíssimos, aumentaram a apreensão e a incerteza dos habitantes dos quatro municípios. A aflição e a desconfiança estão levando muitos deles a não querer nem mesmo receber os funcionários que vão, em busca de informações, enquanto outros estão vendendo as propriedades por qualquer preço, receosos de que tudo seja inundado e não receberem coisa alguma. Acima foto atual do Google da grandiosa Barragem do Sobradinho.
Os Prefeitos e Presidentes de Câmaras de Vereadores de Casa Nova, Pilão Arcado, Remanso e Sento Sé reuniram-se, na última terça-feira, na Cidade de Remanso, elaborando um memorial que será encaminhado aos Ministros de Minas e Energia e do Interior, apresentando sugestões com vistas a defender os bens imóveis dos habitantes e a reivindicar a fixação deles às margens do grande lago que será formado com a Barragem do Sobradinho. O memorial diz que, “ao invés da indenização em dinheiro, seriam feitas permutas de casas e terras por áreas à margem do lago onde seriam formadas colônias agrícolas.
Os Prefeitos desejam ainda, que sejam logo indicadas as áreas onde ficarão localizadas as quatro cidades e onze vilas que serão inundadas, para que a CHESF ou o Governo reedifique os prédios públicos e nelas localize os habitantes.
O que mais preocupa a todos eles e que está contido no memorial, é que “seja pago o justo valor dos imóveis indenizados, dentro dos padrões atuais das indenizações e com preços atualizados das construções. Acham também, que as indenizações só deveriam ser iniciadas quando a estivesse definido para onde serão transferidas as cidades dando, assim possibilidade aos habitantes de reedificarem suas casas e evitando o despovoamento da região.
O memorial solicita aos Ministros de Estado que seja designada uma comissão de técnicos para proceder à avaliação dos prédios residenciais e urbanos e das propriedades rurais, com suas benfeitorias, nos municípios atingidos pelas águas da barragem:
INCERTEZA
Cada habitante, pergunta a si próprio que destino lhe está reservado. Ninguém, até agora, nem mesmo os agentes da CHESF, que iniciaram a compra de alguns imóveis, sabe responder a esta pergunta.
A vontade de ver concretizado o sonho da construção de uma grande barragem, que virá beneficiar todo o Nordeste, contribui para que o ribeirinho aceite, como imposição do progresso, todo esse sacrifício.
O que ele não aceita é que seus imóveis sejam vendidos a preços baixos e irreais. Até a destruição de suas comunidades e a natural dispersão de seus companheiros de tentos sofrimentos estão sendo aceitas com resignação.
É certo que a barragem vai modificar o sistema de vida de 75 mil pessoas que se encontravam, há muito tempo, vivendo dentro de um padrão tradicional. Esta aceitação é fruto na opinião de muitos- de uma proveitosa peregrinação realizada pelo superintendente de Sobradinho, engenheiro Eunápio Peltier de Queiroz, que já foi deputado em outras legislaturas e tem poder de liderança muito grande. Ele esteve, durante meses, explicando aos ribeirinhos a necessidade da barragem (embora muitos não entendessem) e que a mesma era irreversível e inadiável. O próprio engenheiro, representante da companhia beneficiária das futuras expropriações, afirmara, também, que ninguém será prejudicado. “O Governo pagará o preço justo pelos seus bens”. Essas e outras frases de efeito estão gravadas em várias fitas magnéticas e hoje dizem os ribeirinhos que a “conversa já mudou de prumo”. Uma coisa é a teoria e outra a prática.
Ele afirmou isto e, no entanto as “compras” estão sendo realizadas com valores irreais e às vezes ilegais.
INTERMEDIÁRIOS?
Os habitantes afirmam que o negócio é tão sério, que um agente da CHESF tem recebido procurações, com poderes especiais, irrevogáveis, para a alienação de propriedades particulares á empresa construtora a que serve. A verdade é que ninguém sabe qual a pessoa melhor representada, nas transações imobiliárias, sobretudo porque os interesses são confiantes, afirma o deputado Honorato Viana.
A procuração, em determinado trecho diz: “conferem poderes irrevogáveis e irretratáveis para o fim especial de alienar à Companhia Hidro-Elétrica do São Francisco, CHESF, terreno e a cada de sua propriedade situada á rua tal, bairro tal, na zona urbana desta cidade, registrada sob o n. tal, etc, etc, edificada em terreno próprio e que no levantamento cadastral realizado pela citada Companhia tomou o número tal, estando dito imóvel desembaraçado de quaisquer ônus, podendo, para tal fim, ajustar a forma, preço e dar quitação, responsabilizar-se em nome dos outorgantes pela evicção legal”. Com este documento, o funcionário da CHESF vem alienando algumas propriedades, com plenos poderes e servindo a dois senhores: a empresa de que é empregado e ao proprietário do imóvel. Existem provas, em mãos do Engenheiro Adolfo Castro, dessas transações, fornecidas pelo tabelionato local.
DE QUE VIVER?
Cerca de 300 lavradores que residem no chamado “Eixo da Barragem” foram, cientificados por prepostos da CHESF de que suas colheitas só poderão ser feita até junho próximo, quando terão início os trabalhos de construção civil de Sobradinho.
Esses agricultores vivem do que plantam e colhem e se acham alarmados com o aviso. O pior que o aviso é oral,pois os prepostos não enviam qualquer notificação por escrito. Eles deixaram de plantar e fazer outros serviços porque também foram avisados de que a companhia não pagaria qualquer beneficiamento nas propriedades executado depois da notificação.
Na foto os prefeitos das cidades que serão submersas pela Barragem do Sobradinho redigiram um memorial aos Ministros do Interior e das Minas e Energia.
Com o início da construção do canteiro de obras e da vila dos operários em Sobradinho, as atividades administrativas dos municípios que serão inundados estão praticamente paradas. Informou o Secretário da Prefeitura de Casa Nova que “estamos fazendo obra alguma, pois tudo vai ficar debaixo d’água. O certo era o início de nosso trabalho na nova cidade. Só realizamos o absolutamente necessário e cuidamos de problemas que possam abalar a tranqüilidade dos moradores. No mais, é esperar pelas águas do lago”. Entraram em crise as atividades que eram exercidas no campo econômico e a agricultura e a pecuária estão desestimuladas. A produção de cereais vem diminuindo a cada dia. Enfim, as ruas das cidades estão desertas e todos desolados. Até uma procissão já foi organizada no município de Casa Nova, onde o padroeiro é diariamente transferido de uma parte para outra residência e as preces são feitas pedindo proteção contra possíveis arbitrariedades.
Para se ter idéia da complexidade do problema, haverá deslocação de 75 mil pessoas, nos quatro municípios a serem inundados. Somente em Casa Nova existem 21 prédios escolares, um ginásio e escola normal ( que funcionam no majestoso prédio). A Prefeitura e a Câmara de Vereadores.
Serão inundados, ainda 4 igrejas, vários prédios públicos, como Prefeituras, Câmaras de Vereadores e postos médicos, imóveis de sociedades beneficentes e milhares de residências localizadas nas sedes municipais e nas propriedades rurais, além de estradas (algumas asfaltadas) linhas de telégrafos e outros serviços de grande importância para a comunidade.
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