Jornal A Tarde, sábado, 18 de dezembro de 1971.
Texto Reynivaldo Brito
DE COMO A MULHER ASCENDE A UM POSTO
IMPORTANTE POR CAPACIDADE PROFISSIONAL
A Diretoria do Instituto Nina Rodrigues, Dra. Maria Theresa de Medeiros Pacheco Pereira , foi a primeira legista do Brasil, única médica baiana especializada em Sexologia no exterior, e a única no mundo a dirigir um Instituto Médico Legal. Há 14 anos que exerce a profissão de legista e não quer abandoná-la.
Diz ela “mesmo como Diretora do Nina, voltarei a trabalhar na sala de Necroscopia porque amo minha profissão, embora me sensibilize quando vejo cadáveres, sobretudo, de pessoas conhecidas ou amigas. Porém, mesmo sendo um amigo que morre não deixo de trabalhar porque é a última homenagem que lhe prestarei fazendo a autopsia."
Na foto de 1971 a dra. maria Theresa trabalhando na clínica.
A Dra. Maria Theresa é uma mulher de muitas atividades: Diretora do Nina Rodrigues, Diretora de uma clínica de senhoras - Clisa, Docente Livre de Medicina Legal na Universidade Federal da Bahia, Professora Interina de Medicina Legal da Universidade Católica, tem cursos de especificação em Ginecologia e Sexologia em Paris, participa de várias sociedades e entidades ligadas a sua profissão, além de ser conferencista, e ter um grande número de clientes em sua clínica particular onde dá orientação pré-nupcial sobre o comportamento sexual durante o casamento.
CASA DA CIÊNCIA
A Dra. Maria Theresa Pacheco pretende transformar o Instituto numa Casa de Ciência: “a gente encontra numa instituição como o Nina Rodrigues apenas realizando exames de Medicina Legal. Mas devemos transformá-lo numa Casa de Ciência onde alunos de Medicina e Direito poderão estudar e realizar pesquisas de grande importância para a Bahia. Aqui no Nina poderei também trabalhar, elaborar pesquisas e dar uma ajuda grande ao Governo do Estado que muito me ajudou na minha formação profissional”.
A Dra. Maria Theresa não para de estudar. Há pouco tempo esteve em Belém do Pará participando do III Congresso Brasileiro que se vem processando principalmente no que diz respeito à Genética, Toxicologia, Tanatologia (estudo de cadáver).
Durante o Congresso foi convidada a ministrar um curso paralelo de Sexologia, porém como o horário do Congresso era integral o curso foi transferido para março do próximo ano.
POLUIÇÃO DO SEXO
A Dra. Maria Theresa, especialista em Sexologia, disse que “está havendo atualmente uma verdadeira poluição do sexo. Todo mundo fala de sexo, discute o problema e muitas vezes não tem condições para fazê-lo. A explosão que está havendo no mundo atual não é no campo sexual e sim em todos os setores da vida. Nós – da minha geração – e mesmo a geração atual não tem uma estrutura para agüentar a liberdade sexual.
- A mulher – prosseguiu – antes de tudo, necessita de ter condições econômicas e instrução, sobretudo, para saber as conseqüências que podem advir de uma relação sexual fora do casamento. Com o homem é muito mais fácil porque para ele muitas vezes uma relação sexual não passa de um contato físico e para a mulher pode gerar alguns problemas como a gravidez e doenças venéreas. A maioria das meninas, que anda anunciando e defendendo aos quatro ventos a liberdade sexual está despreparada psicologicamente para assumir tal responsabilidade.”
MACONHA
Durante algum tempo a Dra. Maria Theresa trabalhou no Pronto Socorro onde fazia levantamento cadavérico, exame de sangue quando existia suspeita de embriaguez e lesões corporais e intoxicação. Trabalhava durante vinte e quatro horas, todas às segundas-feiras. Ela tem conhecimento profundo sobre Toxicologia e afirma que “a maconha em primeiro lugar é prejudicial porque tira do jovem o poder de fiscalização do consciente sobre o seu inconsciente e daí é mais fácil ele se promiscuir em todos os sentidos. A maconha faz com que o indivíduo perca até a noção de relevo e obstáculos, e os acidentes fatais são inevitáveis”.
O grande problema da explosão de tóxicos não é um jovem de vinte anos que fuma maconha, mas o grande raio de ação que ele pode desenvolver, inclusive arregimentando grande número de crianças entre 13 e 14 anos, sem experiência de vida.
Asseguro, no entanto, que é difícil, e mesmo uma exceção, numa família organizada aparecer toxicômanos e mesmo criminosos. Se alguém duvida vá fazer uma pergunta num presídio e constatará o que estou afirmando. Daí a importância de família em orientar os seus filhos mostrando os males que os tóxicos causam. Hoje, ninguém pode esconder nada das crianças. É melhor que o pai ou mãe mostre o caminho certo antes que os colegas mostrem o caminho do tóxico e da promiscuidade.”
SACERDÓCIO
A Diretora do Instituto Médico Legal Nina Rodrigues é uma profissional abnegada. Você poderá encontrá-la no Nina todas as manhãs até as 12 horas em seu gabinete ou numa sala examinando cadáveres. Todos os dias das 19h30m até as 22 horas, e às vezes até a meia-noite você também poderá encontrá-la trabalhando. Ela não pára. É um verdadeiro dínamo. Mas é antes de tudo é uma mulher, e como tal é sensível, e mesmo com 14 anos em contato direto com cadáveres ela se sensibiliza.
Ela sempre fez Ginecologia e Obstetrícia: “há em Medicina Legal a Ginecologia e Obstetrícia Forense, que é a Sexologia Forense onde estudamos se o aborto foi criminoso, se ouve violação, sedução ou estupro . Mas quando abriram o Concurso para Docente Livre da Universidade Federal da Bahia em Medicina Legal em 1955 ela resolveu inscrever-se e começou estudar. Do programa constavam outras especialidades, mas foi bem sucedida e seguiu em frente.
Paralelamente a Necroscopia ela exerce outra especialidade que é de Sexologia dando orientação sexual à jovens, noivos e mesmo casais desajustados sexualmente. A Dra. Maria Theresa disse que atende diariamente a vários clientes na Clisa e esclarece o que será a vida sexual em comum para os que vão contrair núpcias, o entendimento que deve existir entre o casal, o comportamento com vista à harmonia sexual e conseqüentemente do lar, ainda faço exames pré-nupciais.”
Quanto à profissão de médico legista ela afirma que esta especialidade do ponto de vista econômico não é rendoso, pois os médicos legistas ganham pouco e é por esta razão que existe no Brasil um número relativamente pequeno desses especialistas. Os que resolveram dedicar-se à Medicina Legal são verdadeiros “sacerdotes”.
A Diretora do Instituto Médico Legal Nina Rodrigues dirige atualmente uma equipe de vinte e cinco médicos legistas que trabalham dia e noite naquele órgão, Havendo apenas três mulheres nesta especialidade. Uma é a própria diretora, outra é especialista em Oftalmologia e a terceira em Ginecologia e Obstetrícia Forense. Em Necroscopia só existe a Dra Maria Theresa.
Em média 10 cadáveres dão entrada diariamente no Instituto Médico Legal Nina Rodrigues, entre adultos e crianças, sendo destes o maior número.
NINA VAI MUDAR
A Dra. Maria Theresa afirmou que a Medicina Legal ultimamente tem evoluído muito. Vários problemas de “causa mortis” estão sendo estudados e desvendados e a Toxicologia muito tem a contribuído para isto principalmente através a Electroforese, e a Cromatografia: determinadas substâncias tóxicas tem a capacidade de evaporar até um determinado nível. Cada uma tem o seu nível ideal e através desta altura de evaporação podemos classificá-las facilitando assim a identificação e daí fazemos o diagnóstico dos envenenamentos inclusive, anunciando qual o tipo de veneno que provocou a morte.
Já existe um projeto que deverá ser executado em convênio com a Universidade Federal da Bahia e o Estado para a saída do Nina Rodrigues do prédio da antiga Faculdade de Medicina. Para a Dra. Maria Theresa “o local é inadequado para o bom funcionamento de um Instituto Legal, primeiro, por ser de difícil acesso e em segundo lugar por causa da vizinhança. Um órgão como este, deve ficar localizado um pouco afastado do centro da Cidade e deverá funcionar juntamente com a Polícia Técnica e o Instituto de Identificação Pedro Melo.
VAI RESTAURAR
O Museu do Nina Rodrigues que tem o nome do professor Estácio de Lima está fechado há cerca de três anos e muitas de suas peças estão estragadas. Mas a Dra. Maria Theresa pretende, dentro em pouco tempo restaurá-las e abrir o museu para que se possa expor as muitas peças ali guardadas.Entre as peças estão Orixás vestidos a caráter,figuras de Carybé desenhadas nas paredes, enfim peças raras, como objetos e balas usadas durante a Guerra de Canudos e pelos cangaceiros de Lampião, cujas cabeças estiveram por muito tempo expostas e tiveram que ser enterradas por exigência das famílias dos mesmos. Foto atual do Museu Estácio de Lima.
RECONHECIMENTO
A Dra. Maria Theresa estudou durante dois anos na Europa e esteve em Madri durante dois desses estudando Toxicologia e Psiquiatria Forense (psicopatas criminosos) e em Lisboa estudando Necroscopia. Em Lisboa ela encontrou uma das maiores autoridades no Mundo e talvez da Europa: especialista em Tanatologia (estudo do cadáver) que é o Professor Arsênio Nunes, um senhor de 52 anos que vive inteiramente dedicado aos estudos. Ela visitou, ainda, na Europa, Institutos Legais da Alemanha, mas foi na Itália, em Roma, que ela encontrou o maior Instituto Legal do Mundo e o mais moderno. Neste Instituto existe uma enorme sala de estudos de indivíduos mortos, em conseqüência de energia atômica e as paredes são grossas e blindadas.
Embora seja uma mulher, a Dra. Maria Theresa tem todas as qualidades para exercer uma boa administração à frente do Instituto Médico Legal Nina Rodrigues e segundo afirmou espera mostrar que a mulher pode fazer muita coisa e agora que estamos assumindo postos em reconhecimento da capacidade feminina, espero fazer tudo para retribuir a confiança que o Governador Antônio Carlos depositou em mim.
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