ESTUDANTES
Três mil estudantes baianos realizaram no dia 23 de agosto uma passeata que saiu da Escola de Engenharia, percorrendo as principais ruas de Salvador até alcançar a Praça da Sé, onde foram queimados os dois caixões de defunto que conduziam simbolicamente os reitores José Carlos de Azevedo, da Universidade de Brasília, e Augusto Mascarenhas, da Universidade Federal da Bahia. Dois mil e quinhentos policiais foram mobilizados, no mesmo dia (23 de agosto), para dispersar na estratégica Avenida João Pessoa, no centro de Porto Alegre, milhares de estudantes que organizavam as manifestações do Dia Nacional de Luta, as maiores desde 1968. Iguais acontecimentos verificaram-se no Rio de Janeiro e São Paulo. Na capital fluminense, no Dia Nacional de Luta, a mobilização dos estudantes foi feita diferente: cada universidade fez sua greve e a concentração dos alunos registrava-se em suas dependências, de maneira isolada, mas enquadrada no movimento geral decretado para o Estado do Rio de Janeiro. Na PUC-RJ, a paralisação não foi completa: cinquenta por cento das turmas de engenheiros compareceram às aulas na parte da manhã, mas depois das 12 horas aderiram à greve. Na Ala Kennedy, pregaram-se cartazes com trechos do livro 1964-Golpe ou Contragolpe?, do historiador Hélio Silva, onde se analisa os aspectos mais dolorosos da repressão. Na Ilha do Fundão, os estudantes do Centro de Tecnologia decidiram, também, queimar o reitor da UnB, enquanto os do Centro de Ciências da Saúde resolveram enforca-lo. Na Universidade Federal do Rio de Janeiro, o movimento tomou outro rumo, quando o reitor Artur Orlando da Costa reconheceu que houve irregularidades no trabalho do computador encarregado das matrículas.
ADESÕES PAULISTAS
Em São Paulo e Campinas, os estudantes tiveram uma preocupação prévia: ajustar o horário da passeata ao do encerramento do expediente do comércio e das repartições públicas. Paralelamente, o secretário de Segurança Pública, Coronel Antônio Erasmo Dias, cumpria sua promessa, mobilizando todos os recursos disponíveis para enfrentar a situação. Logo no início da tarde, o centro de São Paulo foi tomado por vinte mil policiais fortemente armados e que horas depois se envolviam em múltiplas perseguições aos blocos de estudantes que irrompiam de vários locais, empunhando cartazes e gritando palavras de ordem. O Largo Paissandu, para onde estavam marcadas as principais manifestações, transformou-se numa praça de guerra e foi prudentemente evitado pelos estudantes, que preferiram dividir-se e aproveitar ao máximo as vantagens que o próprio movimento da cidade oferecia à hora do rush. Assim, misturados a tranquilas donas-de-casa e a distraídos escriturários, os universitários incluíram o maior número possível de pedestres nas passeatas e conseguiram ainda a adesão da população em geral: as portas se abriram para que eles fugissem dos policiais e do alto dos edifícios eram saudados com palmas. Mas, não eram só palmas que desciam dos edifícios: em São Paulo, como em Porto Alegre, das residências e escritórios jogaram garrafas e sacos com detritos sobre os policiais. Na capital paulista, chegaram a ocorrer fatos inesperados durante os tumultos. O Capitão Dércio Chiconello, por exemplo, foi agredido por um policial e levou treze pontos no supercílio esquerdo, enquanto uma bomba estourava nas mãos de um soldado da Polícia Militar. Dois dias depois, os estudantes presos durante as passeatas foram soltos e reincorporados à vida universitária, ao contrário dos seus colegas da UnB, cujas punições foram mantidas no final da semana passada. Os universitários passaram a se preocupar, então, com a criação da União Estadual dos Estudantes, entidade oficialmente proibida, como o atual DCE-Livre da USP, que foi, aliás, o principal organizador das manifestações em São Paulo.
PRISÕES NO SUL
No Rio Grande do Sul, as manifestações tiveram proporcionalmente as mesmas dimensões de São Paulo. Também em Porto Alegre, o secretário de Segurança Pública, Rubem Moura Jardim, deu ordens expressas para terminar com qualquer passeata e seus servidores assim o fizeram. Mais de cem pessoas foram detidas e uma balconista teve as duas pernas fraturadas ao ser atropelada por um camburão. Para conter os estudantes, a polícia usou cassetetes, jatos de água e bombas de gás lacrimogêneo, mas nem sempre os soldados da PM foram felizes: alguns deles tropeçaram nas mangueiras e caíram no chão estrepitosamente, enquanto populares cantavam slogans pitorescos.
Em Salvador, os universitários não tiveram que enfrentar as mesmas dificuldades. Eles fizeram o seu despacho contra o reitor José Carlos de Azevedo, desfilaram com um sapo verde e discursaram sob a estátua de Castro Alves. Por fim, ouviram uma declaração do cardeal-arcebispo de Salvador e primaz do Brasil. Dom Avelar Brandão Vilela, defendendo a necessidade de um entendimento entre os estudantes e as autoridades, encerrando uma crise que se arrasta há quinze semanas.
(Marina Wodtke/Porto Alegre, Reynivaldo Brito/Salvador, Pane Baruja/Rio de Janeiro e Júlio Bartolo/São Paulo)
Nenhum comentário:
Postar um comentário