Revista Manchete 17 de junho de 1978
Fotos de Arlindo Felix
Com metralhadoras, bombas de gás lacrimogêneo e cassetetes, a Polícia Militar dissolveu em Salvador, na quarta-feira dia 31 de maio de 1978, mais uma passeata dos alunos da Universidade Federal da Bahia, que, em greve há vários dias, reivindicam uma melhoria substancial nas condições de ensino. Antes, porém , de alcançar seu objetivo, os policiais tiveram que enfrentar uma reação inesperada: os estudantes investiram contra eles com pedaços de pau e pedras arrancadas do calçamento das ruas.
Além de graves ferimentos em vários manifestantes, o confronto provocou um gigantesco congestionamento de trânsito na Avenida Joana Angélica, uma das principais vias de escoamento de veículos de Salvador, notadamente após a interdição da famosa Baixa dos Sapateiros. Esses problemas, aliás, já eram previstos desde a véspera , quando se realizaram assembleias-gerais nas escolas de ensino superior e o Diretório central da Ufba anunciou a realização da passeata.Na foto ao lado covardemente policial chuta estudante caido.
OS CHOQUES
Às 18 horas, os alunos saíram em passeata e ao alcançarem a Avenida Vale de Nazaré foram atacados pela polícia. Um grupo tentou refugiar-se no Colégio central, enquanto outro rumava para a Faculdade de Economia, que fica defronte ao prédio da Secretaria de Segurança Pública. Novamente o Comandante da Polícia Militar, coronel Filadelfo Damasceno, e o Secretário de Segurança Pública, Coronel Luis Artur de Carvalho, dirigiam pessoalmente as operações.
Enquanto isso, acuados no Colégio Central, os alunos protestavam contra a ação policial. “Para impedir uma passeata todos os meios são válidos. Mas não houve violência”, disse Carvalho, no exato momento em que os fotógrafos domentaram várias cenas em que policiais apareciam agredindo estudantes.
CEGUEIRA
Enquanto explodiam esses conflitos nas ruas de Salvador, os meios políticos e jurídicos da Bahia se preocupavam também com uma denúncia de grande repercussão em todo o país. Acusado de tentar reorganizar o Partido Comunista Brasileiro no estado, o funcionário da Petrobrás, Milton Coelho de Carvalho, foi detido em fevereiro de 1976 com mais dezessete companheiros. Todos foram presos e acusados de infringir a Lei de Segurança Nacional e deverão ser julgados até o final deste mês de junho. Mas o caso Carvalho é o que tem sido mais comentado. Ele declarou que, logo após ter chegado ao local em que seria mantido preso por longos dias, empurraram sua cabeça dentro de um tanque de água, numa tentativa de afogamento. “Depois me jogaram no chão e me deram vários pontapés, fraturando uma de minhas costelas. Numa pausa dos espancamentos, um policial, após me encapuzar sugeriu que eu fosse suicidado, propósito que não se consumou por não encontrarem uma corda fina”, acrescentou Carvalho, revelando que foi submetido, a seguir, a uma sessão de choques elétricos em todas as partes do corpo. “E sofri lesões irreversíveis nos olhos, em consequência de uma venda que me aplicaram e que apertavam com violência justamente para aumentar as minhas dores.”Ao ser libertado, Carvalho passou trinta dias no Hospital Santa Luzia, em Salvador, seguindo depois para Belo Horizonte, onde foi operado a 22 de maio de 1976. Trinta dias após, foi submetido a nova cirurgia, no Hospital São Geraldo , ainda na capital mineira. Mas o laudo foi dramático: estava irreversivelmente cego. “Fui então aposentado e ganhei um diploma assinado pelo General Araken de Oliveira, presidente da Petrobrás, pelos dez anos de bons serviços prestados à empresa”, diz Carvalho. Agora, a poucos dias do julgamento, a advogada Ronilda Noblat espera apresentar na Justiça Militar o laudo que atesta a cegueira irremediável de Carvalho.(Foto de Milton Coelho de Carvalho cego pelos torturadores da Ditadura)
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