Revista Manchete 29 de outubro de 1977
Em Salvador, um dos maiores nomes do noveau-romance francês e roteirista do filme "O Ano Passado em Marienbad" apóia os jovens.
Vestido todo de branco, o rosto vincado, a barba tornando-se grisalha, o escritor Alain Robbe-Grillet ( O Ano Passado em Marienbad) se dizia cansado, diante de um copo de cerveja, num boteco em Salvador. Talvez cansado da Bahia, mas não do nouveau-romance, que defendeu com veemência.
“A sociedade estabelece uma ordem de narrativa para o romance. Cabe ao artista subverter esta ordem. O artista não está aí para aceitar o que existe. Mas para criar os elementos da mudança.”
A partir do seu romance de estréia, Les Gommes ( 1953), e durante toda a sua obra ( Le Voyeur , La Jalousie, Danas Le Labyrinthe) e principalmente no roteiro de " O Ano Passado em Marienbad", Robbe-Grillet sustentou o inconformismo artístico. Na Bahia, fez o mesmo.“Às vezes o grande público não nos compreende logo. É natural, está conformado com o que já conhece. Mas o artista é um renovador, um impulsionador de transformações. Assim que o público aceita a nossa teoria, devemos é partir para outra. Neste processo contínuo, acentua-se a criatividade, porque se estabelece uma busca permanente.”
Apesar de seu intenso programa na Bahia – ele foi até mesmo à Feira de Santana, distante mais de 100 quilômetros de Salvador – Robbe-Grillet foi sincero ao dizer que na França se conhece muito pouco do Brasil; e isso inclui o cinema brasileiro: “infelizmente o francês comum nunca ouviu falar em Glauber Rocha ou Rui Guerra. E o Cinema Novo só é conhecido por uma parcela restrita da intelectualidade do meu país. Eu mesmo já vi alguns filmes de cineastas brasileiros, mas nem posso dizer se são bons ou não. Acho que precisaria conhecer melhor a realidade deste país para fazer uma avaliação."
Grillet admite também que os escritores brasileiros também são quase totalmente desconhecidos na França: “Com exceção dos clássicos, de Guimarães Rosa, de Jorge Amado. Estes têm uma aceitação razoável. Mas os outros que também são bons e principalmente os jovens, dificilmente conseguirão uma boa aceitação na França, por motivos do próprio mercado. Na sociedade capitalista, a concorrência é muito dura. Eu mesmo me correspondo com alguns escritores brasileiros importantes e jovens e sei quanto eles valem”.
Robbe-Grillet se entusiasma ao falar de sua experiência no cinema já escreveu sete filmes), principalmente de seu trabalho com Alain Resnais em "O Ano Passado em Marianbad".
“Escrevi sobre todo o ambiente, em todos os detalhes. Resnais só teve o trabalho de passar as imagens para a tela. Até aquele castelo foi idealizado por mim. Primeiro, eu tinha pensado em filmar tudo num hotel ou até no metrô de Paris. Aí Resnais disse : “Preciso de um cenário belo , quero um castelo”. E me deu vários postais de castelos. Levei todos para casa e comecei a escolher o castelo ideal. Ou seja: a sala de um, quartos de outros, o salão de festas de um terceiro. Quando já tinha o castelo ideal, entreguei tudo para Resnais. E ele foi muito fiel à minha escolha”.
A idéia de fazer um filme no Brasil já lhe ocorreu e Robbe-Grillet chegou a oferecer, a um produtor americano, um roteiro a ser filmado aqui, mas a sugestão não foi acolhida.
Atualmente, trabalha no roteiro de um filme que se chamará Um americano em Frankbard. O filme “como não poderia deixar de ser”, é violento. Conta a história de um homem, um americano, perseguido por uma cidade inteira. P escritor está muito empolgado com esse trabalho. E despreocupado com o que acontecerá em termos de aceitação ou não foi filme por parte da crítica.
“Os críticos são os cães-de-guarda da ideologia. Tanto no cinema, quanto no romance”.Por este motivo, Robbie-Grillet se volta para os jovens. Foi para os moços que ele veio falar, na Bahia ( pronunciou uma agitada palestra para os estudantes do curso de mestrado do Instituto de Letras na Universidade Federal da Bahia).
Ele acha que os escritores e artistas devem se voltar para a juventude: “ Os moços buscam novas idéias. Por isto , os conformistas têm tanta facilidade de considerá-los subversivos. Isso acontece até em países socialistas. Os jovens querem mudar, não aceitam o estabelecido, o consagrado. Sua desordem aparente é, na realidade, o projeto de uma nova ordem. Este é o projeto em que o artista deve se engajar.”
Alcançando seu segundo copo de cerveja, Robbe-Grillet garante que, por mais que os bem-pensantes se esforcem - ou ameacem - , não há ordem eterna. Sempre estão surgindo novos valores, criando a necessidade de uma nova maneira de dizer as coisas. Grillet também não se surpreende com a luta que a sociedade empreende para defender as normas já superadas. O processo de mudança é doloroso, a sociedade se prende aos seus costumes, quer repetir seus hábitos e mesmo depois que um jogo acaba ainda fala “ em respeitar as regras do jogo”.
“ A sociedade é como esses pais que querem que seus filhos se pareça, com eles, como esses professores decididos a fazer de seus alunos as suas cópias. Mas comigo, não contam. Estou com o que rompe, com o que contesta – com a desordem, criadora de uma nova ordem”.
Para Grillet, nem sempre o povo entende, imediatamente, esta rotura. O conformismo o envolve, a ideologia dominante o anestesia. Novas idéias – e principalmente uma nova linguagem – lhe causam espanto. Mas o povo sempre acaba por evoluir e compreender o que o artista cria em oposição ao passado. E Robbe-Grillet, com muito humor, ressalta que ainda está esperando esse reconhecimento para seu último livro La Maison de Rendez-Vous, publicado em 1965, e não muito bem-compreendido pelos críticos e pelos leitores.
O escritor francês garante que não tem viajado apenas pelos cartões postais de castelos, com os quais criou os ambientes de " O Ano Passado em Marienbad" . Na realidade, viaja muito e apesar da fadiga – Tenho me cansado, na Bahia” – acha essa atividade é de grande importância para um artista inovador.
“Viajar é mudar. Quando a gente viaja, entra em contato com realidades inesperadas. As pessoas nos trazem novas idéias E não há viagem que não resulte num estímulo, numa maior criatividade. Descobrimos em nós mesmo coisas que não teríamos descoberto , se tivéssemos ficado em casa ".
Na foto falando aos estudantes de Letras da Universidade Federal da Bahia, reunidos para ouvi-lo, Alain Robbe-Grillet expôs suas idéias sobre literatura, cinema e vida. Sempre a favor do futuro.
Na foto falando aos estudantes de Letras da Universidade Federal da Bahia, reunidos para ouvi-lo, Alain Robbe-Grillet expôs suas idéias sobre literatura, cinema e vida. Sempre a favor do futuro.
Talvez por gostar tanto de coisas novas – e até mesmo surpreendentes – preferiu conhecer o Brasil a aceitar convites feitos por outros países mais velhos e estabelecidos. Aqui, sua convivência com os jovens foi muito útil e ele sentiu de perto a realidade brasileira, na medida em que isso é possível.
Ao chegar ao terceiro copo de cerveja Alain Robbe-Grillet volta a falar em seu filme " O Ano Passado em Marienbad " . Acha que esse passado não passou e considera o filme ´´um clima seu, um ambiente inventado por ele”, apesar de reconhecer o grande valor do trabalho de Alain Resnais. E sua fixação nesse trabalho é tanta que está trabalhando num romance significativamente denominado Souvenir Du Triangle D'or. E como se isso não bastasse, termina de escrever o roteiro de um filme “ inspirado num dos personagens de "O Ano Passado em Mariabad". Um daqueles personagens que, sem dúvida, andam em busca do seu autor. Até mesmo sob o sol da Bahia.
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