Revista: Manchete 04 de Fevereiro de 1978
Fotos Lázaro TorresEle foi atropelado empleno mar, em sua tentativa de navegar de joão Pessoa ao Rio
O pescador Francisco Pereira de Lima, 25 anos – Chico Buchudo, para os colegas de profissão –, teve de interromper a sua segunda tentativa de navegar sozinho numa jangada, de João Pessoa ao Rio de Janeiro – uns 2.200 quilômetros. A primeira acabou em naufrágio, nas imediações de Ilhéus, no litoral baiano. Na madrugada do dia 11 de dezembro, quase dois anos depois, Chico se benzeu e entrou na Marcílio Dias, uma jangada emprestada, para nova aventura. Três dias depois, estava nas costas de Alagoas. Era noite, Chico Buchudo dormia, enfiado no salva-vidas, com a mão no leme. Sua lâmpada de bordo estava apagada, com a pilha gasta. De repente, houve um choque tremendo e ele foi jogado na água. Ainda viu o casco do navio que o abalroara se afastando. Os tripulantes nem notaram que haviam interrompido a tentativa de mais um nordestino teimoso, rumo ao Sul.Chico perdeu todos os seus documentos no naufrágio em que lutou para salvar a vida. Mas sabe que é uma luta parecida tirar novos papéis de identidade. “Vou arranjar os documentos, porque minha mãe está rezando pra isso.” Chico sentou-se no primeiro banco do ônibus – rumo a João Pessoa. Abanou timidamente a mão para os fotógrafos, benzeu-se e se agarrou firmemente no ferro da poltrona à sua frente. Mal chegou a João Pessoa, pegou outro ônibus para a cidade de Guarabira e foi direto à igreja de Nossa Senhora da Luz, com seu colete salva-vidas na mão. Era o ex-voto da promessa que fizera no meio das águas.
Mas Chico também foi a Guarabira com outra intenção: rever a noiva. Como bom nordestino, ele é um romântico. Fala no seu amor pela noiva e conta: “Um dia, pedi licença ao meu futuro sogro para dar um passeio com ela, até João Pessoa. Mas ele falou: ‘Não deixo, não. Vocês saem dois e voltam três! ’.” Chico não diz o nome da sua noiva: “Só quando eu voltar triunfante” acrescenta. É que ele não desistiu da proeza. A Marcílio Dias está sendo recuperada numa carpintaria de Salvador. Dentro de um mês Chico Buchudo espera fazer sua terceira tentativa de navegador solitário.
A finalidade desse seu perigoso cruzeiro é a mesma que já tiveram seus anteriores – embora o tenham feito em grupo. Chico tem reivindicações trabalhistas como meta final. Nos idos de 50, Jacaré e seus três companheiros pegaram sua jangada em Fortaleza e chegaram, em triunfo, na baía de Guanabara. Em 1968, quatro alagoanos saíram de Maceió e aportaram sua jangada no Iate Clube do Rio, para assistir aos festejos da posse do Presidente Costa e Silva. Jacaré vinha pedir ao Presidente Vargas jangadas para os jangadeiros. Os de Alagoas desejavam de Costa e Silva a posse de dois saveiros. Chico Buchudo afirma que, se atravessar os perigosos vagalhões ao largo de Caravelas e Abrolhos, na Bahia, e chegar ao Rio, irá logo a Brasília. “Sei de onde vem o vento e onde tem peixe no mar – diz Chico. – Mas, pagando o aluguel do barco, quase não ganhei nada. Quero pedir ao Presidente Geisel uma jangada pra mim. Só assim posso casar com minha noiva de Guarabira.” Jacaré e todos aqueles outros dos reides de jangadeiros queriam também quase a mesma coisa.
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