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segunda-feira, 28 de maio de 2012

POLÍTICA - ANISTIADOS SÃO SOLTOS EM TODO PAÍS

Revista Manchete 15 de setembro de 1979.
Fotos Arquivo Manchete

Reportagem de Pedro Porfírio, Marina Wodtke, Iracema Rodrigues, Ronaldo Hein e Reynivaldo Brito.


É POSSÍVEL QUE, PELA PRIMEIRA VEZ DESDE 64, NO NATAL NÃO EXISTAM PRESOS  POLÍTICOS


Pouco depois do Presidente João Figueiredo sancionar a Lei 6683, que concedeu anistia aos presos e processados políticos, as prisões do Rio, São Paulo, Porto Alegre, Salvador e Recife abriam seus portões para deixar em liberdade os prisioneiros beneficiados pela medida. Em Brasília, um porta voz da Justiça Militar admitiu que os presos políticos não incluídos na lei – entre eles o filho do escritor Nelson Rodrigues – poderiam ser favorecidos nos próximos meses por alguma medida judicial. “É possível que, pela primeira vez desde 1964, o Natal possa ser festejado este ano sem que o país tenha presos políticos – anunciou o funcionário do STM.
Na foto o dramaturgo Nélson Rodrigues encontrou-se na maternidade com o filho ( de barba), um dos mais antigos presos políticos cariocas , para assistir o nascimento da neta.

DE BRASÍLIA, A ADVERTÊNCIA AOS BENEFICIADOS PELA ANISTIA: “ELES NÃO DEVEM CONFUNDIR LIBERDADE COM LIBERTINAGEM”

No Rio, a lei Figueiredo surpreendeu os banqueiros do bicho com uma forte pressão de apostas no milhar 6.683. Antes que eles pudessem se inteirar de que se tratava do número de Lei da anistia, a apuração do dia colocou o número invertido, 6638, no quadro de apostas.“Foi uma tarde de consideráveis prejuízos para os donos do bicho”, admitiu um bicheiro carioca.
Em Porto Alegre, poucas horas após a sanção de Lei da anistia, os dois únicos políticos cassados no país, Marcos Klassmann e Glênio Perez, ambos do MDB e com mandato ainda sem vigor, puderam reassumir seus cargos na Câmara Municipal. Com o plenário repleto de políticos, jornalistas, policiais e populares e a sessão bastante tumultuada, os vereadores cassados recuperaram seus lugares em cerimônia garantida pelo presidente da Câmara, Cleon Guatimozin.
Com o retorno de Glênio e Klassmann o MDB domina 14 das 21 cadeiras do legislativo municipal, mas em Brasília a volta dos vereadores cassados foi considerada pelo Ministro da Justiça como “um ato de violência”. Segundo o Ministro Petrônio Portella a solução do impasse está agora com a justiça do Rio Grande do Sul, pois trata-se de um “problema local”. Na Assembléia gaúcha, o líder da Arena, Deputado Rubi Diehl, negou que o governo do estado tivesse qualquer intenção de acionar a Câmara Municipal ante a posse dos vereadores cassados. “ Que eles sejam ou não reintegrados é um assunto que não está em nossas cogitações”-afirmou o Deputado Rubi Diehl. Assim, é bastante provável que, pela primeira vez desde 1964, políticos cassados permaneceram exercendo um mandato legislativo.

Enquanto a Lei João Figueiredo abria as prisões brasileiras, os exilados, cassados e banidos com residência em numerosos países europeus iniciavam a operação regresso. No Rio o Aeroporto Internacional do Galeão foi virtualmente tomado pelos integrantes do movimento pró-anistia e pelos parentes dos exilados que começaram a desembarcar. Um deles, o Jornalista Fernando Paulo Nagle Gabeira, banido no país em 1970, chegou a ter uma recepção mais ruidosa que a própria equipe do Flamengo que retornava de uma excursão à Europa. Para receber Gabeira, um dos acusados pelo seqüestro do embaixador norte-americano Charles Elbrick, foi contratada uma orquestra e seus amigos chegaram ao Galeão com faixas e cartazes.
Na foto a volta  de  Gabeira nos braços dos amigos no aeroporto do  Galeão, Rio de Janeiro.
Os próprios jogadores do Flamengo estavam bastante surpresos ao constatar que a banda tocava Apesar de Você, não para eles e sim para Gabeira . Comentário de veterano jogador do Flamengo “ Sem dúvida, esta é a primeira vez que tal acontece.”
Mas as comemorações da anistia também tiveram o seu lado dramático. No Rio, o jornalista Francisco Nélson Lopes de Oliveira, de 33 anos, foi internado no Hospital Miguel Couto, com escoriações e fratura no crânio, menos de 48 horas após regressar ao Brasil depois de um exílio de dez anos no Chile, Argentina, Suécia e Portugal. Em companhia de sua mulher, Helena Celestino, o jornalista regressava de uma festa em casa de amigos quando o automóvel dirigido pela esposa chocou-se com outros numa esquina do Leblon. “Para quem escapou dos tiroteios no Chile, foi muito azar”-comentou um dos amigos de Chico Nélson, no Hospital Miguel Couto.
Em São Paulo a anistia tropeçou na burocracia e acabou saindo com alguns dias de atraso. Cinco presidiários e uma mulher foram beneficiados co a Lei 6.683: Nélson Chaves dos Santos, Ricardo Zarattini Filho, Newton Cândido, Aldo Silva Arantes- ex presidente da União Nacional dos Estudantes-e David Gângora Filho. Uma senhora de 65 anos de idade, Elza Monnerat, presa durante uma reunião do Partido Comunista do Brasil no bairro da Lapa, em São Paulo, também deixou a Penitenciaria de Carandiru, onde era a única reclusa por motivos políticos. Outros sete presos permaneceram no Presídio de Barro Branco à espera de um recurso judicial que abrevie o seu tempo de permanência na prisão.

O balanço da aplicação da anistia em Pernambuco revelou que apenas quatro dos treze presos políticos do estado foram beneficiados pela lei federal: o veterinário Valmir Costa e o operário metalúrgico Edilson Freire Maciel.
Duas mulheres, a estudante Maria Aparecida dos Santos e a pediatra Selma Bandeira Mendes, também foram favorecidas pela anistia e aproveitaram o seu primeiro dia em liberdade para um banho de mar na praia de Olinda. Logo depois aparecia na praia o ex-preso político Valmir Costa. “Vejam vocês, faz tanto tempo que não olho o mar que francamente estou com medo de mergulhar”- afirmou Valmir. Na foto de Manoel Novaes, em Pernambuco, os presos políticos beneficiados pela anistia saíram para um passeio na praia de Olinda.
Em Brasília, as comemorações relacionadas com a anistia foram bem recebidas nos meios políticos, mas não faltou advertência formal a alguns banidos favorecidos pela medida: “Eles não devem confundir liberdade com libertinagem nem coexistência democrática com capitulacionismo”- disse um político governista. Já um líder do MDB observou: no momento em que o país caminha para ,o restabelecimento da convivência democrática é importante lembrar a gregos e troianos que a democracia permite tudo, exceto naturalmente sua destruição.” E conclui: “Para os que sonham com sistemas totalitários, caudilhos iluminados e quaisquer ismos, de esquerda e de direita é bom ter presente que o país, apesar dos pesares, tem uma vocação republicana e firme aspiração democrática.”
Reportagem de Pedro Porfírio, Marina Wodtke, Iracema Rodrigues, Ronaldo Hein e Reynivaldo Brito.

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