TESTEMUNHAS E CRIMINOSOS
Jornal A Tarde, quarta-feira , 18 de outubro de 1978.
Texto de Reynivaldo Brito
Fotos Lázaro Torres
O velho João Francisco de Matos ( foto) pai de Damião, que foi assassinado misteriosamente . É o mais pobre dos patriarcas das três famílias em litígio. Ele quer paz. Está velho e cansado e sua esposa adoentada.
No alto sertão da Bahia, na localidade de Poção, município de Tucano que dista 270 quilômetros de Salvador três famílias estão brigando e seis pessoas já morreram. O móvel do crime é rixa entre rapazes das famílias e até agora ninguém foi condenado ou está preso porque todas as testemunhas, até os presentes no momento em que ocorreram alguns dos crimes, declaram na polícia que nada viram. Diante da total falta de provas os inquéritos não têm prosseguimento e os crimes vão aumentando. Além dos mortos várias pessoas já foram feridas com facas,facões e outras baleadas com espingardas de cartucho, calibre grosso, e revólveres. Uma situação de guerra onde não falta,o jogo político dos cabos eleitorais defendendo cada uma das famílias envolvidas na briga.
A briga entre as famílias começou por volta de 1976 quando o fazendeiro Edvaldo Pimentel juntamente com seis filhos matou alguns animais que estavam sob a guarda de João Cipriano da Silva, conhecido por Chico da Silva.Quando a vítima foi reclamar recebeu socos e pontapés. Tempos depois o João da Chica ficou de tocaia e conseguiu cortar a golpes de facão o braço de Edvaldo e ferir um de seus filhos. A coisa começou a esquentar e como vingança Edvaldo e mais oito filhos conseguiram matar o João da Chica, cujo corpo foi completamente mutilado. Logo depois Edvaldo Pimentel foi para a cidade de Irecê onde faleceu de morte natural.
OUTRAS FAMÍLIAS
O crime teve grande repercussão na localidade de Poção onde o João da Chica era muito estimado. Começou a rixa com outras famílias entrando em cena Damião Pimentel da Silva que era ligado à família do Edvaldo Pimentel que resolveu intensificar a confusão. Este teria matado a mando da família João Dario da Silva, conhecido por Chico Preto, Ranulfo Alencastro de Jesus, Irênio Alencastro e Daniel Alencastro. Com isto entra na guerra a família Alencastro que jura vingança para matar Damião que estava preso e recolhido ao quartel na cidade de Tucano.
Tempos depois o juiz de Direito da comarca de Tucano deu autorização para que Damião Pimentel da Silva trabalhasse na fazenda Lagoa do Mato, durante o dia e à noite era recolhido ao xadrez. Conhecendo os passos e a hora em que Damião passava, foi preparada uma emboscada. Dois indivíduos até agora desconhecidos esperaram pela vítima que recebeu vários tiros de espingarda e revólver calibre 38 e quando tombou teve seu pescoço separado do corpo e ainda recebeu várias facadas., Entre os suspeitos de mandante do crime estava João Alencastro de Jesus, conhecido por Maroto, de 55 anos de idade, porque por coincidência ou não, dois agregados de sua fazenda desapareceram do município no dia do crime e nunca mais voltaram.
A morte de Damião Pimentel teria sido na opinião de muitos habitantes de Tucano arquitetada por Maroto que perdera três primos carnais e seu irmão Ranulfo Alencastro que foram assassinados pela vítima
NEGAM TUDO
O curioso é que ninguém sabe de nada e ninguém viu.Todas as pessoas ligadas aos crimes que foram procuradas pela reportagem de A Tarde diziam simplesmente que não conheciam as vítimas e que apenas sabiam dos crimes “ porque a cidade é pequena e tudo que acontece a gente toma conhecimento”.Os crimes são consumados em estradas carroçáveis e durante à noite, o que dificulta uma ação imediata da polícia, cujo destacamento sediado em Tucano tem poucos soldados e não dispõe de um investigador. As diligências até agora realizadas não deram em nada e o próprio delegado da cidade, Júlio da Rocha Silva, de 60º anos de idade, mostra-se sem esperança em desvendar os crimes. Embora existam os suspeitos “ a coisa mais difícil é conseguir uma testemunha. Veja você que na hora em que a gente vai fazer um levantamento cadavérico de uma vítima aparecem dezenas de pessoas e na hora de testemunhar, ninguém viu, não conheciam a vítima, fecharam os olhos na hora dos tiros, saíram correndo e assim por diante. Resultado,ficamos sem condições de dar prosseguimento aos inquéritos e com isso os assassinos ficam impunes”.
Para o delegado Júlio da Rocha Silva só existe uma solução que é o aparecimento de uma testemunha-chave.Ele sabe que algumas pessoas presenciaram alguns crimes, mas não conseguiu que as mesmas prestassem um só depoimento que comprometesse os assassinos ou mandantes. Todos os depoimentos de testemunhas são imprestáveis para conclusão do inquérito e assim qualquer advogado de defesa, derrubariam as possíveis acusações.
DESASSOMBRADO
- Sou um homem desassombrado. Vivo do meu trabalho, mas confesso que não tenho medo de cara feia e não tenho nada a ver com esses crimes. Sou uma vítima, porque estou sabendo que desejam acabar com minha família. Já perdi três primos carnais e um irmão que deixou dez filhos órfãos.Sei que alguns pensam que fui eu que mandei matar o bandido Damião Pimentel mas não tenho nada a ver com este crime”, afirma João Alencastro de Jesus, o Maroto,m que é um fazendeiro de posse e comanda os destinos da família Alencastro, juntamente com seu velho pai o patriarca Cesário Alencastro de Jesus, um forte fazendeiro de 82 anos de idade.
Encontramos o velho Cesário Alencastro quase por acaso. Estávamos procurando os chefes das famílias em litígio e transitávamos com muita dificuldade por uma estrada carroçável, quando surgiu um senhor forte, idoso e com a pele curtida pelo sol montado num bonito burro. Paramos o carro e solicitei que acendesse o meu cigarro para dar início ao assunto da briga. Depois de algumas palavras resolvi interrogá-lo se conhecia o Maroto pois já estivera em Tucano à sua procura por três vezes e noção o tinha encontrado. “ Ora,se conheço , o Maroto é meu filho e a fazenda dele fica alguns quilômetros daqui. Acho até que ele deve estar por lá”. Quando disse que era jornalista e estava fazendo uma reportagem sobre a briga das famílias, o velho Cesário ficou desconfiado e nada mais acrescentou.
Antes de me identificar, ele falou que sua família estava sendo exterminada por uns bandidos da família Pimentel, mas que queria a paz. O Maroto é quem sabe melhor das coisas e dos problemas. “Procure ele”, sentenciou e deu partida no seu burro sumindo numa pequena variante.
OUTRO ENCONTRO
Rumamos para a localidade de Sacão à procura do patriarca da família Pimentel com o objetivo de conversar com o velho João Francisco de Meatos,.No caminho encontramos um garotinho loiro que indagamos pelo velho Júlio e ficamos sabendo que era seu avô.Imediatamente ele partiu correndo para falar com o avô. Ficamos à espera no meio da estrada numa distância de dois quilômetros da casa porque o garoto avisou que ele não gosta de receber estranhos e que a sua avó está abalada com a morte do filho Damião Pimentel. Cerca de uma hora depois eis surge ao longe um homem montado num jumento trazendo um facão dependurado na cintura. Estava vestido num paletó bem usado e de chapéu.Chegou muito desconfiado e quando iniciamos a conversa ele não sabia o que era jornalista. Pensava que era gente ligada aos “ homens” ( polícia) e que estava cansado desta briga. “ Já perdi um filho e não tenho mais jeito a dar. Tenho sofrido muito porque minha velha não come desde a morte do menino e acredito se ela continuar assim vai morrer também”.
-Olha moço, tudo começou com o Edvaldo Pimentel e o João da Chica, Depois o meu menino Damião se envolveu num tiroteio onde saíram feridos e mortos. Daí para cá ninguém mais teve sossego e eu mesmo tenho evitado até ir à rua com medo de morrer. Quem é que não tem medo? O Maroto era meu amigo. Ele é uma boa pessoa e o seu pai Cesário é até meu cumpadre pois batizou o Damião, que agora foi morto barbaramente. Não sei as razões e os meus outros filhos não residem nem aqui no Sacão. Eles moram em São Paulo e em outras terras. Mas acredito que de agora em diante tudo vai ficar calmo”, afirma João Francisco de Matos.
Porém, Maroto não concorda com a paz do João Francisco de Matos, de 68 anos de idade. Ele acha que o “velho é uma verdadeira cobra. Já tomei conhecimento de que estão prometendo vingança. Eu mesmo já fui atocaiado ( emboscado) várias vezes e consegui sair. Não tenho medo porque sou desassombrado. O negócio é que tudo tem política no meio e a Justiça daqui não existe. Já levei algumas testemunhas e eles não tomam conhecimento de nada. Quanto à política deixei de me meter, porque quando eu fui preso e me mandaram para a Casa de Detenção, em Salvador, onde penei por seis meses não apareceu um para me visitar. Fui visitado por inimigos políticos. Imagine o senhor que desde 1952 que vinha votando e dando total apoio ao deputado José Penedo e sua família e nada fizeram. Quebrei cinco vezes por causa de política. Agora, não quero saber de política.”
Revoltado, maroto não se deixou fotografar e por muito custo aceitou conversar com o repórter. Ele é baixo, atarracado e tem a pele bem curtida pelo sol. É de conversa franca e apressada. Não olha muito para a fisionomia das pessoas e disse detestar repórteres porque já deu uma entrevista uma vez a um repórter de um jornal de Salvador “ e quando chegou na casa dos Penedos ( referia-se à família do deputado federal José Penedo) contaram outra história e ele escreveu tudo ao contrário do que eu tinha dito. É por isto que sempre digo que não sei de nada. Minha mulher é quem sabe. Ela sabe de toda a história. Quando este crime de Damião Pimentel ,que era um bandido aconteceu, eu não estava aqui. Aliás estou sempre viajando e cuidando dos meus negócios”.
Quando o repórter falou que algumas pessoas suspeitavam de sua participação no crime disse que todos estavam estranhando o desaparecimento de dois agregados de sua fazendo que haviam sumido ( por coincidência ou não) logo após o crime, o fazendeiro
Maroto respondeu: é verdade. Eles plantaram de meia em minha fazenda. Um deles é paraibano, mas está aqui há alguns anos e o outro é filho daqui mesmo. Esses rapazes e muitos outros sempre saem e depois voltam”.
Em seguida deu uma ligeira risada enquanto comia uma banana. E prosseguiu: “Olha, rapaz, eu não tenho nada com isto. Não sei de nada. Procure os outros é quem devem saber do que está ocorrendo por aqui”.
No momento em que deixávamos a sua residência, Maroto não se conteve e declarou: “ O Damião era um bandido e já devia ter morrido há mais tempo. Uma semana antes de morrer ele passou ostensivamente aqui na minha porta e não sabia qual era a sua intenção”.
A casa de Maroto localizada na cidade de Tucano fica a pouco mais de duzentos metros da cadeia pública onde Damião se recolhia durante à noite por determinação da Justiça. Até ser assassinado.
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