Ilhéus, reportagem Reynivaldo Brito Fotos Gildo Lima
COMPORTAMENTO
A chegada de um circo numa cidade do interior sempre é motivo de festa, mas desta vez foi motivo de desespero, intranqüilidade, agressões e fome. Tudo isto porque o agrônomo Carlos Bastos, da Ceplac, resolveu quebrar toda a estrutura do espetáculo programado tentando entrar à força, antes do horário previsto. Não adiantaram as ponderações do porteiro, que recebeu como resposta um violento soco no estômago.
O "espetáculo" foi apresentado no portão do circo ( foto)
Trata-se do “Circo Italiano Zambrotta” que está instalado numa pracinha da cidade de Ilhéus, tradicionalmente hospitaleira.A briga envolveu toda a comunidade circense e também os próprios moradores de Ilhéus, as autoridades, comerciantes e gente do povo.
Todos os artistas foram presos, e um deles, o Rogério Torres que juntamente com seu irmão faz a famosa dupla “Os Irmãos Torres”, no Globo da Morte, está trancafiado junto a vários marginais num cubículo mal cheiroso há duas semanas.
Sua prisão preventiva foi solicitada pelo delegado local à Justiça, por ter ele se envolvido na briga provocada pelo agrônomo. Assim desde o dia 11, quando estava marcada a estréia, até a última quinta-feira o circo permaneceu fechado porque o prefeito cassou o alvará, antes concedido. Com isto quase uma centena de pessoas que integram o circo tiveram que mendigar, através das emissoras de rádio locais, comida para as trinta e poucas crianças, vinte poucas mulheres, homens e os animais.
Um drama terrível para esta gente considerada “estrangeira” à comunidade, criada por um momento impensado de um homem que certamente tem um desejo reprimido de ser artista.
O circo italiano Zambrotta chegara a Ilhéus no dia 8 e começou a ser instalado numa pracinha gramada. Os caminhões foram descarregados e todos participavam alegremente da montagem dos equipamentos. Estabeleceu-se toda a ambientação, quase espontânea, com o transitar dos artistas em seu labor, com a presença dos animais e especialmente com os sons estridentes dos alto-falantes colocados estrategicamente em cima de dois veículos que percorriam as ruas esburacadas de Ilhéus.
Uma chegada festiva. Para o dia 11 (domingo) foi programada a estréia com um espetáculo vespertino dedicado às crianças da cidade.A pracinha virou uma festa.
Foto do delegado que mandou prender todos os artistas do circo.
Centenas de crianças foram levadas por seus pais para “ver o circo”, quando de repente surgiu o agrônomo Carlos Bastos e seus familiares. Ele almoçara fartamente e tomara algumas cervejas. Natural, era um dia de domingo. Ao chegar comprou os ingressos para dois filhos e três empregadas e dirigiu-se à portaria.
O porteiro explicou que a vendagem de ingressos estava sendo feita para evitar possíveis filas e que dentro em breve os portões seriam abertos. Ele insistiu em entrar.
O porteiro não cedeu e continuou dando suas desculpas quando recebeu um tremendo soco no estômago. Saiu correndo e o agrônomo enfurecido corria ao seu encalço. O porteiro entrou no “trailler”. Chegaram outros artistas e tentaram apaziguar. O agrônomo enfurecido desacatava a todos.
Até que um artista gritou de lá “devolva o dinheiro deste p.... “ foi o suficiente para Carlos Bastos estabelecer a confusão em todo o circo. O espetáculo deixava o seu local tradicional o picadeiro com a presença dos artistas, para a portaria onde o único a exibir-se era o agressor.
O agressor foi repelido com socos e pontapés por alguns artistas. Ninguém conseguia contê-los até que caiu semi-desacordado em frente a seus familiares. Foi levado para uma clínica onde engessou o braço esquerdo e fez algumas radiografias.
ENVOLVIMENTO
O agrônomo é um profissional respeitado e tem uma privilegiada posição social.Com isto foi envolvida grande parte da sociedade de Ilhéus desde o prefeito, delegado e a própria Justiça e o povo.
O vice-prefeito Jaziel Matos de Almeida (do MDB) no momento da confusão foi um dos que separaram a briga e terminou sendo arrolado como testemunha do inquérito policial. Encontrei-o em seu armazém de secos e molhados conferindo o caixa.
Disse ele que “quando cheguei ao circo já encontrei o Carlos Bastos que reclamava em voz alta querendo entrar com seus filhos” . Dizia que “este circo não tem gabarito para ser armado em Ilhéus. De certa forma estava provocando o pessoal do circo. Até aí ele não tinha razão. Quando a discussão chegou a um ponto insuportável outro membro do circo entrou na história mandando devolver o dinheiro ao Carlos. De repente vi o Carlos socando o porteiro e correndo para pegar o que havia mandado devolver o dinheiro.
(Era o Wander Zambrotta um dos donos do circo). Este saiu correndo e segurou com as duas mãos as cordas esticadas que sustentam o toldo do circo e quando o Carlos aproximou-se jogou os dois pés no peito, o Carlos caiu. Vieram outros e chutaram-no.
Acho que a coisa foi realmente provocada pelo Carlos Bastos, mas também foi um ato de covardia a intromissão de outros membros do circo.”
E continuou “ Quanto ao rapaz que está preso, o artista Rogério Torres, foi talvez o que menos teve participação na briga. Ele deu apenas um pontapé inicial”.
O delegado João Adonias Aguiar também é amigo de Carlos Bastos. Disse que “solicitei a prisão preventiva porque o rapaz sofreu lesões corporais de certa gravidade e o pessoal do circo é nômade e poderia desaparecer a qualquer momento. Quando recebi a queixa mandei deter todo o pessoal do circo para reconhecimento dos culpados da briga. “ Prendi uns quatro ou cinco fazendo valer meu poder de polícia”.
Na realidade o delegado prendeu todos os integrantes do circo, inclusive as crianças e as mulheres. O Wander Zambrotta conseguiu fugir e o único que permanece preso é Rogério Torres. “Reconheço que a cadeia é uma porcaria - adianta o delegado e com isto fica penalizado com o rapaz por estar no meio daquela gente. Mas, que poderia fazer? Fiz tudo dentro da lei. Aliás, fico em cima da lei explorando o código. Como o juiz concedeu a preventiva que solicitei tudo depende do advogado do Rogério Torres que poderá requerer um habeas-corpus”, concluiu.
O juiz Luiz Pedreira, grosseiramente, evitou o contato como repórter. Quando o encontrei estava abrindo a porta do seu carro. Identifiquei-me e comecei a falar.Antes de terminar virou-se para mim e disse: Só atendo segunda-feira, às 14 horas, no fórum. “Tenho um casamento para fazer agora” ,entrou no carro imprimindo velocidade, o que não conseguiu porque o carro estava “frio” e estancou.Corri e ele novamente acionou a máquina do veículo e partiu em disparada.
Segundo a advogada do Wander Zambrotta que é um dos proprietários do circo “ o juiz foi precipitado. Mas a prisão não é ilegal do ponto de vista jurídico. A advogada é Dra. Regina Travassos, esposa do promotor público. Ela concorda no envolvimento das autoridades na questão tendo em vista a reputação da pessoa responsável pela briga. Entrei com uma medida cautelar de arresto como medida reparatória de uma ação de responsabilidade civil. Como o circo é nômade, estranho à comunidade, o juiz achou por bem conceder a liminar, apreendendo vários veículos (cinco) e o prefeito cassou o alvará de funcionamento. O juiz tomou a atitude de apreensão dos carros porque o pessoal ia embora. Uma prova é que o toldo e as estacas estavam num caminhão marca Mercedes-Benz o qual foi apreendido, mas que consegui liberar, no dia 21. O prefeito reconsiderou o fornecimento do alvará e dois dias depois o circo estreou.
Impetrei um mandato de segurança para devolução dos cinco veículos e quando contestei a apreensão dos mesmos ofereci a leoa que vale Cr$ 200 mil cruzeiros como, garantia. “O juiz Luiz Pedreira, não aceitou porque não tinha como guardá-la no fórum”.
A LEOA
Assim a leoa chamada de “Baronesa” que tem 15 anos de idade entrou na briga.Ela está abatida porque passou alguns dias sem comer juntamente com outros animais, crianças e mulheres integrantes do circo. Eles ficaram mais de dez dias parados. O dinheiro acabou e não tinham crédito para comprar fiado na praça de Ilhéus. O pessoal ficou desesperado e apelou para o sentimento humanitário da população pedindo comida para as crianças e os animais através de mensagens gravadas nas estações de rádio. Os motoristas de praça se cotizaram, fizeram uma lista e enviaram algum dinheiro. De uma padaria foram enviados alguns cestos de pão. O próprio vice-prefeito Jaziel Mattos de Almeida mandou carne, feijão e farinha do seu armazém de secos e molhados. Muitas outras pessoas penalizadas com o estado de fome a que chegara o pessoal do circo também enviaram suas contribuições.
O empresário do circo Rivaldo Lima Anastásio está revoltado com a situação.“Ficamos abismados quando a coisa estourou entramos em contato com o pessoal do batalhão da Polícia Militar e fomos informados que nada podiam fazer porque estavam sem viaturas. Se eles tivessem vindo o problema teria sido solucionado e nós não estaríamos tão prejudicados. Tivemos um grande prejuízo e estamos sofrendo até hoje porque o número de pessoas que comparece aos espetáculos são irrisórios. O pior é que estamos com cinco veículos presos porque o agressor ainda pleiteia uma indenização de Cr$ 100 mil cruzeiros. Inicialmente queria Cr$ 150 mil e agora no papel diminuiu.Acho que esta pretensão não tem qualquer sentido porque foi ele o causador de toda a intriga.
TRADIÇÃO
O circo Italiano Zambrotta é um dos mais antigos do Brasil. Como a maioria dos circos ele vem passando de pai para filho há mais de duzentos anos. Atualmente, é dirigido por D. Zélia Zambrotta, que tem setenta e cinco anos e está imobilizada porque um trapezista caiu, quando se exibia, em cima dela. Além dela seus dois filhos Eurípedes Anastácio e Wander Zambrotta cuidam da direção. O Eurípedes é que toma a frente dos negócios e ao mesmo tempo é o domador de “Baronesa.” Disse “ que a leoa não quiseram como fiança mas ela vale mais de Cr$ 200 mil cruzeiros. Não é mansa. “Gosta de comer muito e está há mais de 14 anos conosco. Compramos ainda pequena e veio da África.“Ela é umas das atrações principais do circo por ser valente e muito forte”.Depois aponta para o focinho da “Baronesa” onde nasceu uma imensa verruga que sangra constantemente.Ela está abatida especialmente porque ficou alguns dias sem comer nada devido a confusão.”
Já o Rogério Torres é um paulista que tinha como profissão inicial de torneiro mecânico, que aprendeu quando serviu ao Exército. È um rapaz forte e de temperamento tranqüilo, necessário para o tipo de espetáculo que dá que é o Globo da Morte, juntamente com seu irmão, formando a dupla “ Os Irmãos Torres”,esta dupla recentemente apresentou-se em Salvador no circo Vostok, que ficou armado no Rio Vermelho. Os artistas de circo fazem contratos por temporadas curtas com os empresários e constantemente estão mudando de um para o outro circo. Tudo que fazem é para garantir a sobrevivência. E Rogério está preso, sem poder trabalhar, o que vem a constituir grande drama para ele e seu irmão e o próprio circo.
Rogério diz que entrei na briga para acalmar a situação. Passei uns 15 minutos tentando acalmar e recebia palavrões. Quando o senhor (Carlos Bastos) correu para pegar o Wander, dei um pontapé para contê-lo. Dei as costas e saí e hoje estou aqui há mais de 15 dias. Espero que na segunda-feira (hoje) o meu advogado consiga me tirar daqui”.
O AGRESSOR VIROU VÍTIMA
Já o agrônomo Carlos Bastos virou vítima. Encheram seu braço de gesso e seu tórax de esparadrapo. Passou a ser visitado por todas as autoridades e um detalhe importante é que não está imobilizado numa cama e muito menos proibido de falar e até hoje não foi ouvido no inquérito policial e mesmo na Justiça. Já está trabalhando conforme confessou ao repórter “para se distrair. O que desejo é que este circo vá logo embora”.
Em sua versão, Carlos Bastos disse que reclamou porque as crianças estavam no sol. Quando reclamava um cara gritou para devolver o dinheiro e deu um palavrão.
“Não estou para levar desaforo de ninguém, nem tampouco admito que alguém me ofenda muito menos perto de minha família. Não posso adiantar muita coisa porque entreguei o problema ao meu advogado” disse evitando a conversa.
“ Tem uma ação criminal, cujo Inquérito está na polícia e outra ação civil. Não entendo do assunto e não quero discutir nada. O negócio é com a Justiça. Procure o juiz Luís Pedreira que é uma pessoa muito acessível”.
O que não foi comprovado pelo repórter que não conseguiu ouvi-lo. A recusa foi deseducada e grosseira, atitude que não combina com o cargo de magistrado.
Foto acima do agronômo Carlos Bastos responsável pelo drama do circo.
O caso do circo Italiano Zambrotta continua, já que o artista Rogério Torres está preso e impossibilitado de trabalhar e um proprietário do mesmo, o Wander Zambrotta está foragido com a prisão preventiva decretada pelo juiz Luís Pedreira. Os espetáculos continuam porque o show não pode parar e eles precisam sobreviver.
Mas, a tristeza é grande e perderam àquela graça tão necessária e tão querida da criançada. Tudo isto porque um estranho resolveu dar um espetáculo fora do picadeiro.
Nenhum comentário:
Postar um comentário