Objetivo


segunda-feira, 21 de maio de 2012

ARTES VISUAIS - OBRA DE GENARO DE CARVALHO PRECISA SER PRESERVADA

ARTES VISUAIS
REVISTA NEON JULHO /AGOSTO 2001



                “... profundo é o silêncio, e vazio...”

Estes versos de Nair de Carvalho integram um poema que ela fez, em memória de Genaro de Carvalho, quando completou 10 anos de morto.
O artista morreu em 1971, aos 44 anos de idade, portanto há 30 anos atrás. São os mais sinceros sentimentos por seu desaparecimento, em plena força criativa. Era um dos mais famosos, em sua época na Bahia e suas obras já eram apreciadas, não apenas no Brasil, mas também em vários países.

Foto ao lado do mural no restaurante do Hotel da Bahia.
Ele enobreceu a tapeçaria brasileira, porque além de ter uma formação de alta qualificação como artista plástico, soube transportar para suas obras as cores da Bahia, a exuberância da flora e fauna. Criou grandiosos efeitos óticos, sugerindo transparências, e resgatou um ponto que repassou para as bordadeiras.Elas costuravam os tapetes utilizando o ponto arraiolo, de origem mourisco, obedecendo a esboços feitos por ele, onde determinava as cores.Este encontro entre sua arte e o trabalho artesanal feito manualmente pelas bordadeiras não tirou a importância e o status de arte. Ao contrário, enriqueceu-o.
O crítico português Antonio Celestino, que morou em Salvador por muitos anos, escreveu em setembro de 1979: “Assim, deu foros de nobreza a um ponto de bordado que quase havia caído no esquecimento e de que se serviu, genialmente, para se fixar como um inovador. Pode-se alegar que seus ditos “tapetes” não se devem classificar como tapeçarias, já que estas são tecidas, utilizando-se para isso processos e sistemas inteiramente diferentes”.
Na verdade, esta discussão passou ao largo da carreira de Genaro de Carvalho, porque nas várias vezes que tive a oportunidade de conversar com o mesmo, ele se definia como um tapeceiro, e divulgava a sua produção como sendo tapeçarias.

                                                      ÚLTIMA VEZ

A última vez que estive com Genaro, foi num domingo, na parte da manhã. Ele estava em seu atelier, que ficava numa casa, em frente ao Hotel da Bahia, hoje desaparecida, que deu lugar a um prédio de péssimo mal gosto. Encontrei-o sozinho e silencioso com uma batata nas mãos e uma pequena faca. Estava cortando algumas fatias, procurando estrias para criar seus tapetes.Uma pesquisa cuidadosa, como fazia com as folhas e flores que tanto embelezam as suas obras.

Fico triste quando vejo, após trinta não de sua morte, os museus e outros órgãos encarregados de promover a nossa cultura deixaram passar despercebida esta data tão importante. Mas, quero, mais uma vez, deixar registrada a grandiosidade da obra de Genaro de Carvalho e certamente ela vai sobreviver a este marasmo. Vai vencer porque é eterna.

Vamos batalhar para que as centenas de cartões que fez para que as bordadeiras pudessem tecer os seus tapetes encontrem um lugar digno para que as gerações futuras possam apreciá-los. E, Nair de Carvalho é a pessoa mais indicada para liderar esta luta.

Ela já deu provas de dedicação à obra do artista. Enquanto Genaro pintava, ela sempre demonstrou atenção e dedicação à obra do seu esposo. Foto de obra de Genaro mostrando a sensualidade da mulata.
Nair funcionava como uma verdadeira companheira que organizava as coisas para as exposições, atendia as pessoas que desejavam conversar ou conhecer o artista. Fazia o que chamamos o meio de um campo, função tão digna e importante para que o artista ficasse na sua tranqüilidade criando sem interferências que viessem tirar-lhe a concentração.

                                                             MUITOS TAPECEIROS

Dizem os marketeiros de plantão que se você surge com uma boa idéia, dentro de pouco tempo estará sendo imitada.Lembro que quando o saudoso Leão Rosemberg, excelente fotógrafo e uma figura humana incrível, teve a idéia, de montar uma churrascaria nos idos dos anos 60, na Rua Senador Costa Pinto, foi um sucesso. Em pouco tempo, surgiram várias outras, que passaram a servir comida de qualidade inferior. Leão vendeu a tal churrascaria e foi cuidar de suas fotos
Foi assim com Genaro. Quando seus tapetes começaram a despertar atenção e tinham boa aceitação no mercado, apareceram dezenas de outras pessoas a fazer tapetes de todo jeito. Mas ele deu prosseguimento ao seu ofício, diferenciando-se pela qualidade técnica e artística dos seus desenhos.

                                                            DESCASO

É preciso dar atenção especial aos assuntos que enriquecem o nosso acervo cultural. Muitas vezes embalados pela vaidade em aparecer nas colunas sociais, freqüentar rodas chics,viajar para o sul maravilha ( hoje não tão maravilha assim...) e até, para o exterior, sob pretexto de fazer contatos e visitar grandes mostras internacionais ou importar “críticos” desconhecidos do sul, para julgamento de salões, alguns promotores e dirigentes culturais esquecem o essencial. Muitas vezes, de cuidar do dever de casa, muito mais lucrativo para nossa cultura do que realizar uma mostra que custa milhares de reais de algum medalhão de fora.
Vejamos, o caso da obra de Genaro de Carvalho, que está ameaçada de sair da Bahia. Nair já está cansada de tanto bater de porta em porta dos órgãos culturais procurando preservar as 400 obras, entre desenhos, tapeçarias, óleos, cartões e rascunhos de autoria de Genaro. Ela vem tentando criar uma fundação para cuidar deste acervo e que garanta a manutenção de um núcleo de um futuro museu, montado informalmente na Rua Gamboa de Cima, nº 25.
Ela possui um rico acervo que pode ser utilizado para publicação de um livro, o qual seria um documento para a posteridade da obra do artista. Mas, ainda é hora de reparar este descaso e salvar este acervo tão importante para nossa memória cultural e a história da arte baiana.

                                                            ORIGEM DOS TAPETES

Os tapetes teriam origem na Pérsia, onde hoje está o Irã. A arte da tapeçaria alcançou sua perfeição a partir do século XV em Arras, cidade que então pertencia a Flandres e hoje está em território francês. As tapeçarias ficaram tão famosas que o nome da cidade tornou-se também o nome do próprio tecido e de um ponto de tapeçaria. As cidades de Antuérpia, Bruxelas, Bruges, Lile, Tournai e Valenciennes desenvolveram muito a tapeçaria, e os governos passaram a controlar a produção. Já no século XVII, o rei da França ajudou a família Gobelin a fundar uma fábrica de tapeçarias, nas instalações de sua tinturaria em Paris.
Na América do Sul, os índios peruanos produziam belos tapetes, antes da trágica colonizaçãoespanhola.Na França, em pleno século XX, os famosos artistas Pablo Picasso, Joan Miró e Henri Matisse desenharam cartões destinados a tapeçarias. A lã e a fibra principal utilizada na fabricação dos tapetes, e os efeitos com este material natural custam mais caros porque são mais macios e atraentes.
Destacam-se hoje os famosos tapetes persas, tão disputados, e que enfeitam as residências de nobres e capitalistas abonados. São feitos a mão, e alcançam preços estratosféricos.Uma das razões do preço alto é que os orientais têm desenhos complicados e levam muito tempo para serem trançados manualmente.

                                                               QUEM ERA

O artista Genaro de Carvalho, natural de Salvador em 10 de novembro de 1926, na rua da Gamboa de Cima.Faleceu em 2 de julho de 1971. Era filho do pintor Carlos Alberto de Carvalho. Fez sua primeira exposição em 1944, integrando o movimento de renovação, juntamente com Mário Cravo Júnior, Jenner Augusto, Carlos Bastos e Carybé.
Ele tinha uma doença incurável, um aneurisma, de origem hereditária, detectada quando completara 17 anos.Poucos sabiam que era portador desta doença, que já tinha matado o seu avô, e ano depois suas duas filhas, nascidas de dois relacionamentos anteriores: Ana Amélia Menezes de Carvalho, baiana, que morreu com cerca de 20 anos de idade, em 1974; e Nicole Poussac, francesa, morreu com 40 anos, há cerca de 12 anos. Não teve filhos com Nair de Carvalho. Ele morreu aos 44 anos de idade, e ao ficar viúva, Nair casou-se com o executivo suíço Wolfgang Janstein, morto no acidente da Tam, em são Paulo, em 1996.









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