Fotos Rubens Magalhães
Francisco Romão Pires – mais conhecido por “Chico Santeiro”. ( foto ao lado) Profissão, escultor e consertador de imagens de madeira. Cinquenta e nove anos de idade e mais de vinte de ofício. Casado, pai de oito filhos. O mais velho chama-se Pedro Pires e também, santeiro. Trabalham no anonimato no Queimadinho em duas pequenas salas que só cabem uma banca de carpinteiro e algumas ferramentas.
Nunca tiveram qualquer noção teórica do ofício. O que sabem aprenderam na luta diária com sobras de toras de cedro conseguidas nas serrarias da cidade. Chico iniciou o artesanato com Artur Suzarte, conhecido por “Cosmeiro”, que morava na Avenida Vasco da Gama. Com ele trabalhou alguns anos transferindo-se de lá, com a morte de seu primeiro mestre para trabalhar com Artur da Costa Lima, já falecido que era estabelecido na Ladeira do Tabuão. Com a morte do seu segundo e último mestre resolveu montar sua “tenda” e passou a ensinar o ofício a seu filho hoje, concorrente.
“Chico Santeiro” esculpe as mais diversas imagens principalmente dos santos ligados ao candomblé. Dezenas de imagens de São Lázaro, São Cosme e Damião, São Jorge, Nossa Senhora da Conceição, Santo Antônio e outros são enviados para a tenda do artista para conserto e às vezes serem restauradas. Quando está esculpindo “Chico” esquece de tudo. E a imagem que mais gosta de fazer é o modelo original de Nossa Senhora da Conceição criada em Portugal. Há anos que tem esculpido e copiado este modelo. Mas agora Chico está trabalhando para uma fabrica de imagens de gesso. Ele esculpe o modelo em madeira, e o envia para a fábrica que daí faz uma forma para reprodução em série de sua arte. Estas imagens são até exportadas para outros estados. O trabalho de “Chico Santeiro” corre o Brasil e ele permanece no anonimato.
Chico exibiu ao repórter uma nota escrita pelo proprietário da fabrica, um velho italiano onde estavam relacionadas algumas imagens todas com 10 cm de altura. O artista interrompe a leitura da nota e afirma – “aqui eu só posso trabalhar com cajá porque a peça é muito pequena e se utilizar outra madeira como o cedro o meu trabalho seria em vão, porque os poros são grandes e a borracha que os italianos utilizam para fundir a força grudaria na peça”.
Um pedido curioso foi feito há pouco tempo por uma senhora da sociedade que queria uma Nossa Senhora da Conceição de Murilo, que é de origem italiana com as duas mãos cruzadas. Diz Chico Santeiro – “estranhei este pedido porque a posição original desta imagem não é esta. Mas, não tem problema faço a imagem assim mesmo para atendê-la bem”.
MADEIRA SÓ MOLE
Utilizando pequenas ferramentas de carpinteiro e toros de madeiras abandonadas no chão nas serrarias de Salvador, O Chico Santeiro faz trabalhos magníficos. Ele prefere madeira mole porque é mais fácil de esculpir e assim produz mais. Mas não sabe quanto tempo demora para fazer uma imagem. Tudo depende da disposição para o trabalho.
“É difícil precisar quantos dias demora para fazer uma peça. Às vezes até 27 dias. Tudo depende do tamanho da imagem e da minha disposição para o trabalho. Já fiz uma imagem de São Francisco de Assis que está na igreja de Itapuã que tem mais de 60 centímetros de altura e gastei muitos dias. Outros, que me deram muito trabalho foi uma imagem de Conceição de Murilo com 80 cm e uma do Senhor Morto com 1,30m”.
Estas foram feitas para um senhor e que ao vir buscá-las ficou chateado porque quem lhe vendeu cobrou caro e talvez pensasse que compraria mais baratas em minha mão. Mas acontece que ele estava enganado porque eu trabalho para a “casa” e estou muito satisfeito pelos preços que foram vendidas.
Outros clientes nascidos em Maragogipe (ele não sabe o seu nome) e que reside há muitos anos na Guanabara veio à Salvador para encomendar uma imagem de São Bartolomeu. Olhando o modelo de uma pequena estampa Chico Santeiro fez uma imagem com quase um metro de altura, toda em madeira. Diz o artista que a imagem está no Rio e foi feita “ao gosto”. Mas não me saí bem com este negócio porque o intermediário responsável pela venda da peça se “bagueou” e a bomba terminou explodindo em minha mão. Mas eu estou acostumado a sofrer. Não sei ao certo por quanto foi vendida esta peça é difícil de me lembrar dos preços porque vem um serviço atrás do outro. Observa, tristonho, Chico.
SÓ AMIGOS
Chico Santeiro criou um modelo de Nossa Senhora da Conceição de uma beleza extraordinária na opinião de muitos. Mas com sua simplicidade de artesão afirma “eu tenho modelo e não tenho, porque o freguês é quem diz o que quer que eu faça”.
Francisco Pires nasceu em Salvador na antiga Freguesia da Sé, perto do cinema Pax, junto ao qual havia na época uma fazendola com cachoeira e tudo.
O que é mais importante para ele é que embora a profissão esteja desaparecendo e haja brigas entre os que ainda restam, não tem inimizades “na classe de santeiro, Muitos colegas mandam fregueses me procurar quando não conseguem solucionar alguns problemas. E até desabafam problemas de clientes que foram enrolados por outros santeiros. Não existe trabalho difícil para mim, tudo é uma questão de prática”.
Chico nunca experimentou esculpir um rosto de um cliente através da fotografia. Mas de estampas, já esculpio o busto de Ruy Barbosa e Castro Alves que hoje estão reproduzidos em gesso.
Diz Chico que “estes dois são muito fáceis de fazer. O Ruy Barbosa tem a cabeça grande, o rosto comprido, tem piscinê, bigode cheio e está engravatado de colete e tudo. Já o nosso Castro Alves com sua cabeleira grande é inconfundível. Outras pessoas, no entanto, têm os traços do rosto muito difícil de serem reproduzidos na madeira. E explica: rosto de criança é muito difícil de fazer, mas de velho os traços chegam mais facilmente”.
TRANSFORMAÇÃO
Embora não goste muito de consertar imagens, Chico não deixa de atender aos clientes que o procuram. Já transformou uma imagem de São Roque que estava de botas e com as mãos cruzadas num Santo Onofre. Retirou as botas da antiga imagem, fez nova pintura. Diz Chico que nunca tinha visto um São Roque com as mãos cruzadas, “mesmo porque assim o santo não poderia segurar sua roupa para mostrar a perna chagada”.
SIMPLICIDADE DE PEDRO
Pedro Pires ( foto) aprendeu a esculpir com seu pai – “Chico Santeiro”. Desde menino que ajudava o “velho” no oficio. Mas além de esculpir, ele pinta suas imagens, coisa que seu pai não gosta de fazer. O que o levou a pintar suas imagens foi a demora de outros artistas que pintam imagens e que chateavam os seus clientes com o atraso na entrega. Pedro tem muitas imagens que há meses estão em sua tenda à espera dos donos.
– " O pessoal envia as imagens para serem pintadas ou mesmo encomendam as peças, e passam vários meses sem aparecer. Com isto eu fico prejudicado porque o que eu ganho só dá para comer. Esta semana tive até um aborrecimento com uma senhora que enviou uma para conserto. Fiz tudo que devia, e, depois ela mandou sua filha menor buscá-la. Não entreguei a peça com receio de que a menina viesse estragá-la e a mulher chegou aqui numa valentia danada."
Ele gosta muito de esculpir imagens em miniatura e para isto foi a Sergipe com dois sacos de alinhagem buscar casca de cajarana. Com esta matéria-prima ele esculpe imagens pequenas de São Cosme e Damião anjinhos, mãos, pés e cabeças de imagens maiores. A preferência em utilizar esta madeira é porque é mais fácil de esculpir.
Mas Pedro também está fazendo imagens de gesso. Ele “bolou” uma pequena forma de madeira e ali introduz gesso para depois retirar e armar. Uma velha bacia estava cheia de imagens de São Cosme e Damião que ainda iam ser trabalhadas e depois pintadas para venda ao mercado.
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