Revista: Manchete 16 de Janeiro de 1982
Fotos Zélia Amado
Ela começou a fotografar há trinta anos e fez do marido famoso o seu principal tema de trabalho
Nas fotos ao lado Jorge com Caymmi , Jorge com Sofia Loren e sózinho escrevendo em sua casa no bairro do Rio Vermelho.
Ela ganhou uma máquina Kiev e estava morando com Jorge Amado em Moscou. No mesmo dia bolou sua primeira foto: deixou a máquina preparada em cima de uma pilha de livros, acionou o automático e correu para junto de Jorge. O dispositivo funcionou e Zélia tornou-se fotógrafa. Trinta anos depois, ela já teve trabalhos publicados na Europa e nos Estados Unidos. Sua objetiva tem o toque doce da mulher: sabe captar os melhores momentos de seus temas, sobretudo de seu tema preferido, que é o próprio Jorge. O escritor não gosta de ser fotografado. Fica tenso, faz trejeitos fora de hora, vira para os lados ou sai de olhos fechados. Zélia já adquiriu técnica especial para abordá-lo. Coloca a máquina no pescoço e começa a trabalhar em casa, enquanto Jorge escreve ou lê. De repente, ela flagra um momento especial, sem que Jorge sequer perceba que está sendo fotografado.
Foi assim que ela obteve os melhores trabalhos.
Perguntei a Jorge Amado a sua opinião sobre Zélia fotógrafa. Ele respondeu sem pestanejar: “Gosto das fotos de Zélia e a sua atual exposição tem qualidade, além de importância documental. O problema é que não tenho prazer em ser fotografado por ninguém. Zélia reclama muito, mas isso está em mim”.
Com sua força de vontade, Zélia sempre dá um jeito de dobrar a resistência do marido. Ela sente quando “está na hora”. Documentou até alguns momentos tensos do escritor, como mostra uma de suas fotos: Jorge está com as mãos na testa, ar preocupado, imerso em algum problema de criação literária. Por sinal, Zélia tem outra foto em que Jorge e uma de suas netinhas repetem o mesmo gesto, que passou assim, pelo sangue, para seus descendentes.
Diz Zélia Amado: “Estamos sempre viajando e em contato com gente importante. Posso assim fotografar esses encontros e esses lugares novos. Tenho mais 20 mil negativos catalogados, sem contar aqueles que ainda não organizei. Minha tristeza, por exemplo, é ter perdido um filme feito em Paris, com o encontro de Jorge e Picasso. Muitos outros momentos importantes foram perdidos ou ficaram estragados”.
Zélia perdeu um rolo de filmes batidos num encontro do marido com Picasso, em Paris.Abaixo Zélia acionou o automático da máquina e correu para aparecer ao lado do marido.
Na outra foto Jorge com Mãe Menininha.
Na outra foto Jorge com Mãe Menininha.
Autora de um best seller (Anarquistas, Graças a Deus), Zélia considera que uma de suas melhores foi feita no velório de Mãe Runhó, na Bahia, foto por sinal publicada em Manchete, com texto do próprio Jorge. Mostra o barracão todo branco, o corpo da famosa ialorixá e o pintor Caribé sentado num banco. Outra predileção sua é a foto que mostra a mãe de Jorge, Eulália, sentada no peitoril de uma janela, enquanto Jorge lê despreocupadamente o jornal. Parece um anjo a velar pelo filho. A foto é cheia de beleza e ternura. Ultimamente, Zélia se dedica a fotografar plantinhas nativas em sua casa no Farol de Itapuã: “Tenho fotografado e feito à comparação entre as plantas nativas e as da mesma espécie cultivadas. Engraçado é que as nativas são mais fortes, mas quase sempre estão mais enrugadas e grosseiras.”
Em qualquer recepção, encontro com amigos ou visita de personagens ilustres, Jorge está sempre acompanhado de sua mulher, a qual, por sua vez, está sempre acompanhada de seu novo equipamento fotográfico. Ela começa a fazer fotos como quem não quer nada, mas logo depois trabalha e funciona como qualquer profissional. Faz o seu trabalho com seriedade, mas, sobretudo, com a emoção que coloca em tudo o que toca e a toca.
Jorge Amado com o grande cineasta
Roman Polanski.
Jorge escrevendo
Os Velhos Marinheiros Jorge visitando Glauber Rocha, em Lisboa.
sendo retratado em 1961 Última foto de Glauber ainda convalescente
por Scliar
Os pais de Jorge, João e Eulália, com o neto JoãoJorge , em 1953.
NOTA:
Estive visitando em São Paulo, esta semana, na Estação da Luz a exposição comemorativa dos 100 anos de Jorge Amado. Vibrei, por ser uma justa homenagem e ,também ,com a presença entre os organizadores de muitos baianos e, em especial esta mulher excepcional que é Miriam Fraga.
Porém, quero registrar que senti a ausência das músicas, que tanto marcaram a presença de Jorge Amado no cinema e na televisão. Também não vi expostos as fotos e cartazes dos filmes e das novelas tão populares, baseados em suas obras.
No lugar das dezenas de garrafas pets cheias de azeite e de uma grande quantidade de amendôas de cacau, os espaços poderiam ter sido utilizados para expor outras, das muitas manifestações culturais que este grande escritor legou a todos nós.
Mas valeu.
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