Objetivo


sexta-feira, 4 de maio de 2012

COMPORTAMENTO - A NOBRE ARTE DA PAQUERA


Revista FatoseFotos Gente, 22 de Maio de 1978


COMPORTAMENTO
Do Oiapoque ao Chuí, as táticas mudam, mas o objetivo é o mesmo: crescer (e multiplicar?)

A arte da abordagem da donzela certa, no momento preciso, é um dos pontos altos do bom paquerólogo.Não basta apenas exibir o físico e deslumbrar a menininha. É preciso um pouco mais: a graça que faz rir,o charme, o veneno e o molho,indispensáveis para temperar um romance que se inicia.

Antes de tudo, uma arte. Não especificamente, mas acima de qualquer coisa, carioca. Porque carioca que se preza pode até nem ter nascido no Rio, porém paquera. Por paquera. Para acionar seu fascínio, simplesmente. Às vezes, até cola. Mas o objetivo da paquera – é preciso que se saiba – não é fazer vítimas. É um exercício, apenas. Cooper, diferente. É verdade que já não se faz mais paquerador como antigamente, rua do Ouvidor, esquinas de Copacabana, praças de Madureira. E acontece que a paquera (carioca) é algo tão sutil que é preciso toda mulher estar atenta e forte, porque o perigo – ou a felicidade – pode estar ao seu lado, fantasiado de timidez, por exemplo. De repente, num dia de sol mais aberto entrando pela janela, se colega de trabalho poderá oferecer inocentes biscoitinhos para todas as suas companheiras, mas para quem ele queria dar mesmo era pra você, ou seja, você foi devidamente paquerada e não sabe. Ele pode ir a um cinema, num grupo onde está você, comprar pipocas na porta e oferecer, distraidamente, algumas, a todos, comentando que quando era criança gostava muito de montanha-russa. Pronto, você acaba de ser paquerada. Câmara, luzes, ação, na tela, a mão dele pode estar a exatamente um milímetro da sua, sem jamais passar disso. Atenção, que você pode estar sendo paquerada. Mas haverá sempre um momento em que o olhar dele lhe dará uma sensação de estar sendo queimada, consumida, por dentro, distância. Aí, então, tchan-tchan-tchan, pode ter certeza: você foi atingida. Perdidamente conquistada. Deliciosamente rendida. Cariocamente paquerada.
(Renato Sérgio)

 Uma das técnicas antigas mais utilizadas ( e de maior índice de aproveitamento) era a paquera de carro. Muitas vezes uma buzinada, com um toque especial, parecia emanar misteriosos fluidos afrodisíacos.

O ( agressivo) estilo de paquera do paulista

Em matéria de paquera, São Paulo também não pode parar. E nem quer. Essa nobre arte é exercida com o mesmo empenho e garra que as atividades industriais, por exemplo. Daí, certamente, a falta de tato, o jeitinho, a bossa de dizer tudo, não dizendo nada, do verdadeiro paquerador. Porque, numa coisa, as mulheres paulistas são (quase) unânimes: o paulistano-paquerador é agressivo, sem jeito (e sem imaginação), recorrendo até ao palavrão. Apesar de todo esse quadro nada lisonjeiro, o paquerador ao velho estilo, lépido e fagueiro, dono de frases gentis e bem-humoradas ainda sobrevive na Paulicéia cada vez mais desvairada. E uma das técnicas peculiares desse homo-delicatus da selva de concreto é a utilização bem dosada do seu carro. Uma parada no sinal, uma olhada no retrovisor, a visão de um rosto feminino no carro de trás, e pode estar começando aí um romance de estilo bem moderno. E sem nenhuma agressão, nenhum palavrão, muito jeitinho e consideráveis doses de imaginação, principalmente quando o contato é iniciado por uma espécie de diálogo entre buzinas. O auge ocorre quando ele – numa daquelas velhas ruas cheias de árvores e sobradões construídos pelos barões do café – encosta o carro atrás do carro do paquerador. Como num comercial de tevê, onde tudo é felicidade, ele desce e ela o espera. Ele se aproxima, sorrindo, diz qualquer coisa. A música de seu carro (dele, é óbvio) parece subir de tom, em modulações de prazer.
E depois...
Um especialista nesse tipo de paquera à paulista é o desenhista industrial Carlos Arnaldo Botelho, dono de um Puma 74, comprado de terceiros:
“Acho que a buzina desse carinho tem fluidos afrodisíacos. É rara a mulher que resista àquela buzinada sutil que a gente dá para chamar a atenção delas”.
Apesar das facilidades – ou talvez por causa delas – Carlos é um paquerador exigente. “Acho que sou conhecedor do assunto. E conhecedor é aquele que aguarda a hora, o momento, e a mulher certa. Pois paquera não é quantidade, como muitos pensam, mas qualidade. Afinal, quem produz em massa não pode ter um bom produto final”.
A paquera em São Paulo é, então, discriminatória? Só quem tem carro pode ter boas chances? Verdade que, em caso de vexame do paquerador motorizado, basta acelerar um pouco. Isso não quer dizer que os que contam apenas com suas pernas e sua imaginação não tenham sua grande chance. Um dia, ela acaba surgindo. Elas surgem a toda hora, com imensas oportunidades para galanteios. Mas a grande hora da paquera, com sotaque paulista, é ao meio-dia. Então, ela floresce risonha e franca. Jeitinho à parte, as piadinhas se sucedem, as moças riem. Talvez falte um pouco do molho do charme, do veneno e da leveza da paquera carioca. Afinal, nessa correria todo o paulistano talvez acabe se esquecendo das manhas e artimanhas da galantaria. Daí, certamente, o motivo da grita das mulheres. Mas – acreditam – São Paulo não é uma cidade habitada por cinco milhões de maníacos sexuais. E nem apenas por paqueradores grossos. Pelo contrário.

Do Sul ao Norte, mudam os sotaques, mas o objetivo é o mesmo

O estilo da paquera (em silêncio) dos mineiros

Paquera em Belo Horizonte segue o tradicional estilo mineiro de transar as coisas por trás da cortina. Nunca às claras. Os motéis proliferam, a alta rotatividade é em rítmo intenso, mas tudo discretamente. Não há pontos institucionalizados para o duelo entre caça e caçadores. Alguns locais, como a galeria do edifício Maleta, porém, são conhecidos. Homens e mulheres circulam com a intenção bem determinada da paquera, embora não admitam isso. Outros pontos propícios: as imediações da Praça Savassi, Alto da Avenida, Afonso Pena (apenas aos domingos), Estação Rodoviária, supermercados, reúnem paqueras de todos os tipos, do motoqueiro ao prosaico pedestre.
O mineiro tem um estilo todo especial de cabritar alguém. Sempre na base do “vai devagar que o santo é de barro”. A abordagem é matreira, nunca vai direto ao assunto, deixando para depois sua reserva de bicaria. Apesar de ser a terceira cidade do país, evoluindo sempre, modernizando os costumes, com os jovens cada vez mais avançadinhos, a tradição mineira de “trabalhar em silêncio” permanece. Às vezes o homem consome meses, até a hora de dar o bote. Depois de tanta espreita, o sucesso é quase certo. (Mas alguns jovens já seguem a filosofia anarquista do ninguém é de ninguém.)
O inimigo número um da paquera, em Belo Horizonte, segundo seus apóstolos e praticantes, é o baixo poder aquisitivo do mineiro. Até o dia 10 de cada mês, os bares vivem cheios, a paquera acesa. Depois começa a cair – até os táxis se ressentem disso – minguando cada vez mais até o mês terminar. Outro fato que vai contra a paquera: os pouquíssimos bares que possuem cadeiras nas calçadas. Assim, a paquera se limita quase que de forma exclusiva aos ambientes fechados. Após as 22 horas, as coisas começam a mudar. A partir dessa hora, as ruas começam a ser dominadas pelos travestis, bandeirosos. Mas isso já é outro papo. (E outra paquera.)

O riso largo e as frases-feitas do baiano


Já foi o tempo em que a paquera na Bahia era exercida nas festinhas dos clubes sociais. Hoje, o baiano paquera em toda parte, especialmente no Farol da Barra e outras praias que margeiam Salvador. O baiano é de riso aberto e boa conversa, capaz de puxar papo com qualquer desconhecido, sem cerimônias. Mas, segundo entendidos, as coisas estão mudando. As menininhas estão muito assediadas e é preciso despertar confiança logo no início do ataque. Por isso, quando o contato se faz na rua, o baiano procura mostrar suas credenciais de bom-moço, dizendo que estuda, trabalha, mora em tal local etc. E o papo tem de ser transado de acordo com o nível de informação da paquerada, comerciária ou universitária. Assim, os paqueradores precisam estar por dentro, desde último sucesso de Lady Zu e as músicas de discoteca, até os problemas da realidade brasileira. Mas o que conta mesmo é a simpatia, que terá de ser (bem) explorada desde o início, despertando na paquera um sentimento de segurança e admiração.
O paquerador não fica mais na rua Chile, no Centro de Salvador. Hoje ele prefere o Farol, o Porto da Barra, a Placa Ford e mesmo o Shopping Iguatemi. Ou as discotecas. O baiano paquera com riso largo e frases de fácil repetição: “Eu te conheço não sei de onde...” etc. Daí vem a risada, e o papo está garantido. Os motorizados abordam e oferecem uma carona, um convite para beber água de coco na praia de Amaralina, um passeio no Jardim dos Namorados, que vive apinhado de carros com casais de namorados. olhando o mar.

O gaúcho vai direto ao pote. Com muita sede

Antigamente, o gaúcho, se queria uma mulher, era só jogar o laço e a boleadeira. Hoje, as coisas estão mais civilizadas. E fáceis. Ninguém precisa mais cavalgar pelas coxilhas ou andar de fandango. Basta dar uma voltinha por Porto Alegre. A gaúcha moderna não é mais tão radical e conservadora com suas antepassadas. Nem tão zelosa de suas virtudes.
Assim, o paquerador gaúcho pode ser direto, objetivo. A grossura, as piadinhas de baixo nível ainda são recursos usados. Mas em decadência. A própria mulher – segundo os paquerólogos – facilita as coisas. O cronista de amenidades da TV Gaúcha, Roberto Gigante, garante que a paquera está se extinguindo, diante de tanta facilidade.
“A gaúcha anda numa de topar a parada do paquerador legal.” Gigante, cujo currículo de paquerador inclui 12 anos de atividades no Rio, acha que o gaúcho, nessa matéria, é bem superior ao carioca. E diz que o gaúcho não tem medo do ridículo e ataca com resolução. Uma negativa nem lhe arranha a epiderme:
“As coisas estão fáceis. No interior do Rio Grande, a paquera também já está fora de moda. As conquistas andam fáceis demais. Só quem é tímido, reprimido ou metido a malandro não se dá bem”.
Luís Carlos Lisboa, cronista social da Folha da Tarde, tem a mesma preocupação em comprar gaúchos e cariocas. (O que prova que o carioca é mesmo o modelo no assunto.) “O gaúcho sabe paquerar com mais graça e charme que os cariocas. Ele é, acima de tudo, imaginativo e criativo, se bem que não tenha tanto material disponível como o carioca”.
Quanto à geografia da paquera, Lisboa garante que não há mais limite. As fronteiras da Rua da Praia pertencem ao passado. Hoje, paquera-se em toda parte, galerias, barezinhos.
“O moralismo falso saiu de moda. Assim não se usa mais aquela de pedir o endereço do cachorrinho. Vale a intenção final. Dá ou não dá pé. Se não dá, o paquera parte para outras tentativas”.



No Recife é o machão quem dita as regras

Estão longe os tempos em que Recife era uma cidade pequena, porém decente. Mas a arte da paquera na capital pernambucana continua com a mesma decência. Rude, machão, e ao mesmo tempo tímido na hora de abordar a mulher, o pernambucano utiliza os velhos, mas sempre eficientes expedientes curtidos por nossos avós na caça às nossas vovós. Um piscar de olhos ainda funciona. E aquela técnica algumas vezes centenária:
“Você não é a Vera? Nem prima dela? Como parece!”
Isso faz êxitos inesquecíveis para o caderninho dos mais audaciosos. As garotas também buscam a paquera. Para elas, ir à caça é mais emocionante do que esperar, passivamente, ser caçada. Mas têm que ser discretas. Na sociedade pernambucana ainda vigora um padrão medieval de comportamento feminino. Para não ser falada, a mulher deve ficar calada. Assim, é muito difícil um ataque por parte da ala feminina. Consciente desses preconceitos, e muito conservador, o pernambucano vive o seu papel de machão com toda a convicção. Ele é o caçador, ela a caça. E, diante desse esquema, não há melhor local para se iniciar uma caçada do que a praia da Boa Viagem. Em particular, nas tardes de domingo, quando gatinhas e garotões, cocotas e madurões, conversam ao som do ronco das motos.
Às vezes acontece uma cena romanesca, que dá bem a medida da sociedade pernambucana. Como acontece com Ana Teresa, que em plena Conde da Boa Vista, principal Avenida do Recife, jogou um sorvete na cara de um (mau) paquerador. Ele passou e, olhando para o sorvete, com malícia, pediu: “Posso dar uma lambidinha”? “Pois não” – respondeu Ana, e mandou o sorvete que alojou no alto da cabeça do rapaz. Agressividade? Não, apenas galanteio mal feito. Nesses momentos é que a fera pode surgir na pele da ingênua gata nordestina.
Reportagem de José Paulo Borges (SP), Otacílio Lage (MG), Reynivaldo Brito (BA), Eugênio Bortolon (RS), e Ana Cláudia Matos (PE)
Fotos de Ricardo Beliel e Nélson Santos












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